O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta segunda-feira (4) o projeto de lei que prevê a regulamentação do trabalho por aplicativos. O texto, que regulamenta somente o transporte em veículos de quatro rodas, foi enviado ao Congresso Nacional com urgência constitucional. Isso significa que Câmara dos Deputados e Senado terão 45 dias cada para analisar a proposta.
Na cerimônia de assinatura, Lula afirmou que "esse é um dia muito diferente de outros, porque algum tempo atrás ninguém nesse pais acreditava que seria possível estabelecer uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários e que essa negociação fosse concluir numa organização diferente no mundo trabalho".
"Toda vez que tem uma inovação tecnológica, a gente pensa que o mundo vai acabar. A própria categoria vai tratando de se organizar e encontrar um jeito de sobreviver. (...) Eu não sou contra o trabalhador do comércio trabalhar de domingo. (...) Os sindicatos querem que as pessoas tenham uma jornada respeitada. O que estamos fazendo aqui é uma lição", afirmou Lula. "Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho."
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou que o projeto foi finalizado após uma série de "controvérsias" sobre a inclusão ou não dos trabalhadores na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
"Ocorre que Lula fez um compromisso em campanha eleitoral de trabalhar a regulamentação. Mas nunca dissemos que seria pela CLT ou não, porque é um processo em debate de um novo momento do mercado de trabalho e de escolha. O que nós mais ouvimos de trabalhadores de aplicativos que não querem ser enquadrados na CLT. Mas também ouvimos de trabalhadores que gostariam de dar CLT", afirmou Marinho durante a cerimônia de assinatura do projeto de lei, no Palácio do Planalto, nesta segunda.
"O que o governo fez foi organizar e provocar um diálogo de partes. Esse diálogo que deve dar continuidade. O que nasce aqui é uma organização de uma categoria diferenciada, autônoma e com direitos."
Leandro Medeiros, presidente do Sindicato de Motoristas em Aplicativo do Estado de São Paulo, considerou positiva a presença das empresas na mesa de negociação. "As empresas estão há 10 anos no Brasil e sequer chamou o movimento sindical para discutir a vida do trabalhador. Daremos um novo passo de regulamentação e respeito a essa classe que foi tão importante durante a pandemia, levando várias categorias para trabalhar", disse Medeiros.
"Os trabalhadores queriam liberdade de trabalho. Dentro do projeto de lei, defendemos a liberdade de trabalho. Mas não podemos deixar um milhão e meio de trabalhadores no esquecimento. Chegou o momento dessa regulamentação, de trazer a clareza que são pais de famílias, que não são números. Infelizmente em governos passados sequer foram chamados para conversar."
"O motorista está trabalhando com carro sucateado, sem condições de trocar, porque o trabalhador entra com a mão de obra e seu bem. Quando passam alguns anos, sequer tem saúde e muito menos o bem para trabalhar. Muitos deles desistem do trabalho e ficam desamparados", afirmou o presidente do sindicato.
André Porto, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que também estava na cerimônia representando as empresas, também celebrou o projeto de lei.
"Temos consciência de que a nossa participação no processo não se encerra aqui. Com o mesmo espírito aberto e construtivo, iremos dialogar com os membros do Legislativo e todos os atores da sociedade que sejam de uma forma ou outra influenciados pela regulamentação proposta para que possamos avançar e, ao fim, garantir a implementação de uma regulamentação justa e equilibrada", disse Porto.
"Atualmente, a atividade intermediada por plataforma digitais proporciona renda mais de 1,6 milhão famílias em todo o Brasil. Este número certamente tem a crescer. A proposta de uma regulamentação que garanta segurança jurídica para que empresas continuem investindo e ao mesmo tempo que garanta direitos aos trabalhadores de aplicativos certamente será um marco histórico para essa indústria no Brasil e um exemplo para os demais países.”
A iniciativa vem após o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criar, em meados do ano passado, um grupo de trabalho (GT) tripartite que estudou o assunto a partir de um diálogo entre representantes da gestão, das empresas e dos trabalhadores. Após diferentes costuras e ainda em meio a divergências sobre o assunto, o governo abandonou a ideia de arbitrar a favor da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o segmento.
Projeto de lei assinado
A proposta não determina a inclusão dos trabalhadores de aplicativos na CLT. Entre os pontos da proposta estão a jornada de 8 horas, que pode chegar a 12 horas se assim for definido em acordo coletivo; um salário-mínimo de R$ 32,09 por hora trabalhada, sendo aproximadamente R$ 8,02 relativos ao trabalho e R$ 24,07 referentes aos custos do motorista. A proposta também traz um reajuste anual, que deve ser feito com um percentual igual ou superior ao do reajuste do salário mínimo nacional.
Os motoristas também podem trabalhar em mais de uma empresa, sem gerar exclusividade. A proposta prevê, inclusive, a criação de sindicato de trabalhadores autônomos por plataforma e sindicato patronal. Um dos pontos mais polêmicos é a concessão de benefícios aos trabalhadores, como o vale-refeição a partir da 6ª hora trabalhada e serviços médicos e odontológicos.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a renda média de motoristas de aplicativo em 2022 era de R$ 2.454. Naquele ano, o Brasil tinha pelo menos 1,5 milhão de trabalhadores de aplicativos em 2022, sendo que 52,2% trabalhavam com transporte de passageiros; 39,5%, com entrega de comida e produtos; e 13,2%, com prestação de serviços.
Assunto também está no STF
A regulamentação para motoristas de aplicativo também é assunto no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte analisa uma ação sobre a existência de vínculo empregatício entre um motorista.
A decisão sobre a existência ou não de vínculo empregatício vai padronizar como todas as disputas judiciais entre plataformas e trabalhadores de aplicativos serão tratadas no país, como decidiu a maioria dos ministros na última quarta-feira (28).
O STF tem contrariado recorrentemente decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem o vínculo de emprego entre trabalhadores de aplicativo e empresas como Uber, iFood e 99. Na prática, se a Corte repetir o posicionamento neste caso, motoristas e entregadores não conseguirão mais ganhar ações trabalhistas.
O julgamento sobre o mérito da ação ainda não tem data marcada.
Edição: Thalita Pires