REPRESENTATIVIDADE

No carnaval, mães de vítimas de violência do Estado encontram um espaço para legitimar sua luta

Portela fechou seu desfile com 16 mães que carregavam camisetas, objetos pessoais e fotografias dos filhos vitimados

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Ana Paula Oliveira, do coletivo Mães de Manguinhos, foi uma das mães que participou do desfile - Vítor Melo / Rio Carnaval

O carnaval acabou, mas deixou suas marcas como ato político. O desfile da escola de samba carioca Portela trouxe para os holofotes quem historicamente fica fora dele: mulheres negras e faveladas que tiveram as vidas marcadas brutalmente pela violência. Com o enredo "Um defeito de cor", a escola contou a história da luta do povo negro e fechou seu desfile com 16 mães que tiveram os filhos vitimados por agentes do Estado. Elas carregavam camisetas, objetos pessoais e fotografias em homenagem aos filhos.

Ana Paula Oliveira foi uma das mães que participou do desfile. Em 2014, ela perdeu seu filho Johnatha, de 19 anos, executado pela polícia, depois disso, fundou ao lado de outras mulheres com histórias semelhantes o coletivo Mães de Manguinhos que acolhe familiares com filhos encarcerados ou mortos pelo Estado. Ela conta ao programa Central do Brasil, uma parceria da Rede TVT e Brasil de Fato, que foi na luta que encontrou um novo sentido para viver.

“Eu sempre falo que essa luta não pode ser apenas das mães que perdem seus filhos, essa luta é uma obrigação de toda sociedade. Acho que nesse sentido a Portela cumpriu seu papel de trazer a força das mulheres pretas, nossa ancestralidade, a fé, nossa resistência, mas também o nosso grito de que isso precisa parar”, afirma.

Para ela, é cada vez mais importante mostrar que essa violência existe e que o racismo mata todos os dias. “O racismo existente na política de segurança pública, o racismo existente no sistema de Justiça que não nos atende, o racismo existente dentro da nossa sociedade que diz que bandido bom é bandido morto desde que esse bandido seja pobre, preto e favelado, isso dentro de mim me dá uma revolta muito grande e se transforma em mais força para lutar, porque eu não aceito que meu filho tenha sido assassinado por conta da cor da pele dele, por conta do local onde ele morava”.

Na próxima terça-feira (5), está agendado o júri popular que vai julgar o policial militar Alessandro Marcelino de Souza acusado pelo homicídio de Johnatha, filho de Ana Paula. Ele foi morto com um tiro nas costas em maio de 2014, em Manguinhos, na Zona Norte do Rio. O júri acontecerá na sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que fica na avenida Erasmo Braga, 115, no 9º andar, no centro da cidade.
 


Na avaliação de Lucía Eilbaum, antropóloga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora da Rede de Pesquisas sobre Maternidades Destituídas, Violadas e Violentadas (REMA), a importância desse tipo de manifestação política no carnaval foi não só de homenagem, mas também de destaque à luta das mães.

“Isso é resultado dessa luta e ao mesmo tempo mostra a potencialidade e a possibilidade de ampliar os horizontes de legitimação, de reivindicação da luta dessas mulheres, principalmente, através de um espaço institucional para manter e reforçar socialmente a memória de seus filhos. Elas nunca vão esquecer seus filhos, mas é importante que a sociedade e o poder público reconheçam essa luta e construam um espaço político de reparação para garantir também a sobrevivência dessa mãe diante da brutal perda de um membro da sua família”, diz.

Lucía também destaca que é importante lembrar que as mães que desfilaram no sambódromo estavam representando não só as suas histórias, mas um movimento gigantesco. “Não é possível contemplar todos os casos num desfile, mas é importante lembrar que essas mães estão aí lutando não apenas pelo seu caso, mas como elas sempre lembram e relembram: lutam para que isso não aconteça nunca mais”, finaliza.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse