O fato de a economia brasileira ter crescido 2,9% em 2023 –mais que o triplo dos 0,8% estimados no início do ano por economistas– é resultado de ações tomadas ainda antes do final de 2022, literalmente. Foi naquele ano que o Brasil semeou a maior safra de soja e milho de sua história e que o governo de transição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negociou e conseguiu aprovar a chamada PEC da Transição.
A Emenda Constitucional 126 abriu um espaço extra de R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023. Garantiu assim espaço para que o novo governo ampliasse o Bolsa Família e ainda assegurasse o pagamento do Auxílio Gás e de outras políticas públicas.
A transferência de recursos às famílias mais pobres ajudou o consumo das famílias a aumentar 3,1% de 2022 para 2023. Foi, pelo lado da demanda, o grande catalisador do crescimento econômico no ano passado.
Já pelo lado da oferta, o crescimento da agropecuária destacou-se. A produção do setor aumentou 15,1%, muito acima dos 1,6% verificados na indústria e dos 2,4% dos serviços.
Esse crescimento tem a ver principalmente com a expansão da atividade no primeiro trimestre do ano –quando a agropecuária cresceu 21,6% na comparação com o mesmo período do ano anterior– e com safra recordes de soja e milho –cuja produção cresceu 27% e 19%, respectivamente, atingindo novos recordes.
“Tudo que veio do governo está relacionado à PEC Transição. Todas as demais políticas têm a ver com isso”, resumiu Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “E, no primeiro trimestre, houve crescimento por conta do agro, uma produção excepcional.”
Bancos erram por muito
Apesar de PEC da Transição ter sido aprovada ainda em 2023, mesmo ano do plantio da safra recorde de soja e milho, ainda naquele ano, economistas ligados a bancos estimavam que a economia cresceria 0,8%.
Isso está registrado na edição de 30 de dezembro do ano passado do Boletim Focus divulgado pelo Banco Central. O boletim coleta semanalmente previsões de economistas ligados a instituições financeiras e as disponibiliza ao público.
O economista Pedro Faria disse que os bancos erraram suas previsões porque usam modelos defasados para calculá-las que subestimam o efeito do consumo das famílias sobre a economia e maximizam a importância da confiança dos investidores.
O PIB do Brasil cresceu 2,9% em 2023, segundo o IBGE. Vocês lembram que a previsão de alguns era 0,9%? Crescemos bem mais que o previsto e vamos continuar trabalhando para crescer com qualidade e pela melhora de vida de todos.
— Lula (@LulaOficial) March 1, 2024
André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acrescentou que essa confiança está muito ligada à capacidade do governo manter as contas públicas em ordem e conter a inflação. Economistas de mercado apostaram que a PEC da Transição minaria essa capacidade e erraram, pontua.
“O mercado se deixou levar um pouco pela teoria da fada da confiança”, ironizou. “Imaginou que a PEC da Transição seria a antesala da hiperinflação, que as expectativas iam desancorar, que tudo estava sob risco e previram um cenário catastrófico.”
Cenário para 2024
Roncaglia estima que os bancos errem novamente suas estimativas sobre crescimento para 2024. No início de janeiro, eles previam um crescimento de 1,52%. No final de fevereiro, essa estimativa já havia subido para 1,75%.
Roncaglia crê numa alta do PIB de cerca de 2% em 2024. Essa estimativa está alinhada com a de outros economistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
Ele projeta que, em 2024, o crescimento deve ser puxado pelo setor privado, diferentemente do que ocorreu em 2023. Para Roncaglia, a redução da taxa básica de juros e a aprovação da reforma tributária sobre o consumo deram novo ânimo para as empresas brasileiras voltarem a investir. Isso tende a beneficiar a economia.
Maurício Weiss disse que o governo tende a reduzir sua participação no crescimento até porque está comprometido em gastar somente o que arrecadar em 2024, atingindo assim o déficit zero –em 2023, ele foi de 2,12% do PIB. O próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal aposta governamental para o aquecimento da economia, deve ter grande participação privada e da Petrobras, tornando-se assim praticamente independente do Orçamento Público.
Clara Brenck, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora associada no Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), afirmou que mais importante que o percentual de crescimento de 2024 é que o Brasil siga crescendo. Para ela, o mais importante para a melhoria do bem-estar da população é manter um crescimento positivo e sustentado no longo prazo. Por exemplo, manter a taxa de crescimento em 3% ao ano ao longo de 10 ou mais anos.
Edição: Vivian Virissimo