Há uma ausência crônica de mecanismos de financiamento que permitam a implementação das ações
Filipe Souza Corrêa*, João Paulo de Jesus Pacheco**, Breno Serodio de Castro Rossi*** e Juciano Martins Rodrigues****.
Desde o final de 2018, com a promulgação da Lei Complementar Estadual nº 184 que instituiu as estruturas institucionais para a governança metropolitana no Rio de Janeiro, há um desalinhamento entre o funcionamento dessas estruturas e as necessidades da sociedade civil, sem falar das demandas imediatas relacionadas aos serviços coletivos comuns aos municípios, como transporte, saneamento e abastecimento de água.
Ou seja, mesmo com certos avanços institucionais, a governança metropolitana permanece fragmentada e esvaziada de participação social, sendo preenchida por agendas políticas de interesse restrito. Como resultado, abre-se margem para a influência de agentes econômicos interessados no lucro obtido com as grandes intervenções urbanas ou com a privatização de serviços.
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O principal instrumento para o planejamento na escala metropolitana são os chamados Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs), que têm o objetivo de estabelecer diretrizes e elencar projetos e ações que orientem o desenvolvimento urbano no contexto espacial das regiões metropolitanas, buscando o atendimento de demandas conjuntas em saneamento, mobilidade, entre outras, de modo a promover bem-estar urbano. A esse instrumento, somam-se outras peças de planejamento orientadas para as políticas setoriais, mas o PDUI é que define as diretrizes gerais para esse planejamento mais direcionado.
No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), os produtos finais do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PEDUI) foram entregues em 2018, antes mesmo da aprovação da lei estadual que institui a composição atual da RMRJ e cria as estruturas institucionais para a governança metropolitana. Um dos desafios para a implementação das ações prioritárias definidas nesse plano tem sido a alimentação do Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana. Isso por conta da ausência crônica de mecanismos de financiamento das ações indicadas pelo PEDUI.
Sem isso, o planejamento metropolitano não sai do papel.
Até 2021, o tema que pautou a maior parte das reuniões do Conselho Deliberativo foi a concessão do serviço de saneamento executado no Estado do Rio de Janeiro pela CEDAE, projeto gestado com o auxílio do BNDES, de forma totalmente apartada da governança metropolitana, que debateu apenas a distribuição da outorga entre os entes municipais, considerando que o leilão foi realizado com arremate pelo maior valor de outorga. No entanto, a concessão arrecadou um montante volumoso de recursos, e parte foi direcionada ao Fundo Metropolitano, além de um mecanismo que direciona 0,5% do valor pago pelos usuários nas contas de água e esgoto para o referido Fundo. Portanto, essa seria uma oportunidade para a superação da falta de financiamento da governança metropolitana.
A partir de 2022, observou-se uma tentativa de reativação da pauta metropolitana, com a aprovação da contratação de diversos projetos, como um ecossistema metropolitano de aplicação da metodologia BIM (Building Information Modeling, ou Modelo de informação Construção, em tradução livre), Inventário Metropolitano de Créditos de Carbono, Sistema de Monitoramento de Desastres Naturais e Cidades Inteligentes, entre outros.
Contudo, apesar da relevância de alguns dos temas a partir dos quais os planos foram contratados, como o Plano Metropolitano de Saneamento Básico, o Plano Metropolitano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e o Plano de Mobilidade para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PlanMob), novamente, não fica evidente como esses planos serão executados.
Na prática, os recursos advindos da concessão regionalizada dos serviços de saneamento parecem garantir um passo inicial nos desdobramentos das iniciativas de planejamento de serviços na escala metropolitana. Mas sem uma estratégia clara de ações e fontes de financiamento diversificadas, teremos problemas para que as iniciativas propostas se transformem em políticas públicas para a população metropolitana do Rio de Janeiro.
No caso da mobilidade urbana, a elaboração de um plano sem qualquer participação e sem um debate amplo com a sociedade expressa a completa falta de compromisso social com uma agenda metropolitana que pense esse tema a longo prazo. O problema de maior visibilidade e que demanda soluções urgentes nessa área é a crise do serviço de trens prestado pela concessionária Supervia.
Diante da inércia do Governo Estadual, as enormes deficiências desse e dos demais serviços de transporte continuam comprometendo a acessibilidade de milhares de cidadãs e cidadãos da região metropolitana.
Privados dos meios de transporte, eles não conseguem alcançar oportunidades de emprego, serviços de saúde e atividades de lazer e cultura, agravando a crise social, marcada pela perda da renda e aumento da miséria. Um caso emblemático dessa ineficiência da governança metropolitana é o Plano Metropolitano de Saneamento Básico, contratado pelo Instituto Rio Metrópole e ainda em fase inicial de elaboração, que busca revisar e atualizar o planejamento de captação, tratamento e distribuição de água potável, coleta, tratamento e destinação de esgotamento sanitário, além de planejar a macrodrenagem de águas pluviais.
No entanto, a parte do plano referente à atualização e planejamento dos sistemas de água e esgoto apresenta problemas de implementação porque os sistemas foram concedidos à iniciativa privada, que passa a ter a liberdade de escolher como realizar as obras, dentro dos parâmetros que foram licitados no processo de concessão regionalizada. Por outro lado, os sistemas de drenagem pluvial que não foram concedidos à iniciativa privada continuam sendo construídos por meio de iniciativas municipais. Assim, com essa visão individualizada da questão, as obras de macrodrenagem de caráter metropolitano, que assumem grande importância em face das mudanças climáticas e das necessidades de adaptação do espaço urbano metropolitano, ficam inviabilizadas.
Nesse caso específico, a falta de sistemas de drenagem pluvial eficientes na RMRJ é um problema crítico que resulta em alagamentos frequentes, causando diversos prejuízos materiais e imateriais à população. As mudanças climáticas, com chuvas mais intensas e concentradas, agravam ainda mais a situação, como evidenciado pelas enchentes de janeiro de 2024, que provocaram a morte de 12 pessoas.
Diante dessa realidade preocupante, torna-se urgente não apenas planejar sistemas de macrodrenagem adequados às necessidades das cidades metropolitanas, mas também construí-los e mantê-los em operação, o que demanda ações integradas e abrangentes que envolvam os governos municipais e estaduais, além da sociedade civil.
Da mesma forma, as iniciativas do PEDUI e dos demais planos metropolitanos, embora tenham potencial para melhorar significativamente a vida da população fluminense, carecem de mecanismos de financiamento e de cooperação que viabilizem sua execução. A mera destinação de uma pequena parcela dos recursos da outorga variável dos sistemas de saneamento e a realização de reuniões semestrais do Conselho Deliberativo, sem maior abertura às necessidades da população e integração com as iniciativas municipais, não parecem suficientes para uma mudança significativa na governança metropolitana da RMRJ.
Revisão: Renata Melo
*Filipe Souza Corrêa - Doutor em Ciência Política, professor adjunto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.
**João Paulo de Jesus Pacheco - Engenheiro civil, mestrando em Planejamento Urbano e Regional no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.
***Breno Serodio de Castro Rossi - Gestor público, mestrando em Planejamento Urbano e Regional no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.
****Juciano Martins Rodrigues - Doutor em Urbanismo e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.
*****Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.
Edição: Mariana Pitasse