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'Fedor inimaginável': após caos por esterco de 19 mil bois, ONGs pedem fim de exportação de gado vivo

Entidades apelam ao Senado depois que um navio com animais brasileiros infestou o ar de Cidade do Cabo, na África do Sul

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O navio Al Kuwait foi o escolhido para levar as 19 mil cabeças de boi até o Iraque, onde serão abatidos - Bahnfrend/ Wikimedia Commons

Organizações de defesa do bem-estar animal estão pedindo que o Senado Federal analise com urgência um Projeto de Lei (PL) que pode proibir a exportação de animais vivos por navio para abate no exterior.

O apelo foi feito nesta segunda-feira (26) através de uma carta endereçada ao presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), depois que uma embarcação com 19 mil cabeças de gado proveniente do Brasil atracou na semana passada em Cidade do Cabo, levando um “fedor inimaginável” à localidade. Inspeção de uma entidade local revelou que havia animais doentes e mortos no navio, e fotos mostram bois cobertos de fezes e urina nas baias. A organização classificou o cenário encontrado como “abominável”.

Investigação da Repórter Brasil mostrou que o navio Al Kuwait saiu do Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, no dia 10 de fevereiro, carregando animais provenientes da Estancia del Sur, propriedade rural em Capão do Leão (RS). A família Pilz, que gerencia a fazenda, é também proprietária de um restaurante em Porto Alegre, a Parrilla del Sur, que serve carne na brasa preparada à moda uruguaia. Na ocasião, integrantes da família e os estabelecimentos não se manifestaram ao serem procurados pela reportagem.

Segundo dados do portal Vessel Finder, que oferece consulta pública e em tempo real à posição e rotas de navios, o Al Kuwait saiu do Porto de Rio Grande, no sul do Brasil, no dia 10 de fevereiro.

Neste mesmo dia, Vinícius Reiter Pilz, sócio da empresa Estancia del Sur, postou um vídeo do navio no linkedin e escreveu: “na última semana, carregamos 100% do Al Kuwait, o mais moderno e um dos maiores navios boiadeiros do mundo”. “Todos os suprimentos do navio foram vendidos pela Estancia del Sur”, completou. Fontes locais confirmaram à Repórter Brasil que a carga era proveniente desse produtor.

A Estância Del Sur tem sede em Capão do Leão, na região sul do Rio Grande do Sul. Em sua página do Instagram, é possível encontrar imagens de embarques anteriores de carga viva, além de frequentes anúncios de interesse em compras de “terneiros padrão exportação”.

A família Pilz é também proprietária de um famoso restaurante em Porto Alegre, a Parrilla del Sur, que serve carne na brasa preparada à moda uruguaia.

Procurado pela Repórter Brasil por meio de email, telefone seus e de suas empresas, Pilz não respondeu. A Parrilla del Sur tampouco se manifestou. O espaço permanece aberto para comentários.

Padrão exportação

O navio Al Kuwait seguiu para seu destino final no Iraque, na madrugada de quarta-feira (21). Segundo a plataforma Marine Traffic, que também fornece dados em tempo real dos navios, são pelo menos mais 13 dias de viagem até o porto de Umm Qasr, no Iraque, onde finalmente serão encaminhados para o abate.

“Cada boi produz em média 30 quilos de esterco por dia, mas sem ter como descartá-los, os animais têm que conviver com fezes e amônia, uma substância tóxica presente na urina”, explica George Sturaro, gerente de investigações da Mercy For Animals (MFA). Segundo ele, as principais causas de morte ao longo das viagens são infecções respiratórias e estresse térmico.

Para Sturaro, as péssimas condições são inerentes a essa modalidade de exportação: “É um curral flutuante, não tem como assegurar o bem estar animal”, avalia. Segundo registros fotográficos obtidos pela Mercy for Animals, os animais estavam amontoados em meio a fezes e urina. 

Acidentes 

Com base em dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), a Mercy for Animals estima que o Brasil exporte 300 mil cabeças de gado em pé a cada ano por via marítima – o que torna o país o segundo maior exportador de bois vivos do mundo, abocanhando 15% do comércio internacional.  

Bois exportados vivos pelo Brasil foram vítimas de ao menos dois graves acidentes marítimos. Em 2012, mais de 2 mil animais morreram asfixiados durante a viagem em decorrência de uma pane no sistema de ventilação. Embarcados no Porto de Vila do Conde, no Pará, os animais pertenciam ao frigorífico Minerva e tinham por destino o Egito. 

Em 2015, outro navio com bois fornecidos pela Minerva afundou nos terminais de carga da Vila do Conde. A maior parte dos 5 mil bois não sobreviveu – muitos morreram afogados ou presos dentro da embarcação. A decomposição dos corpos dos animais e o vazamento de óleo do navio provocaram um desastre ambiental na região.