Um novo modelo de desenvolvimento popular para o país, baseado na agroecologia, na agricultura familiar e na produção nacional, é o que João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou como caminhos para enfrentar a fome e a desigualdade. O apontamento foi feito durante um debate sobre segurança alimentar e neoindustrialização, promovido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Leia também: Máquinas chinesas para agricultura familiar começam a ser testadas no RN
Stédile ocupou uma cadeira no centro do debate, raramente destinada à representantes de movimentos sociais quando o assunto discutido é ciência, tecnologia e desenvolvimento nacional. Ao lado dele, estiveram pesquisadores e representantes de instituições e empresas, como Fernanda Machiaveli, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Edward Madureira, assessor da presidência da Finep, Cristhiane Oliveira, da Embrapa, e Rosilda Prates, presidente Executiva da P&D Brasil.
Em sua fala, o dirigente do MST destacou a oposição entre o agronegócio e a agricultura familiar e a necessidade incentivar os pequenos produtores para construir um projeto de desenvolvimento e soberania alimentar justos para o país.
“O agronegócio produz riqueza mas não desevolve o país porque não produz alimento, produz poucos comodities (soja, algodão, milho e carne bovina) que nem sequer pagam imposto ao serem exportados e tem o uso dos agrotóxicos como base dessas grandes produções, com efeito perverso no meio ambiente. Já a agricultura familiar, que corresponde à maioria dos que produzem e vivem da agricultura no país, tem toda a produção voltada para o mercado nacional e é riquíssima em tipos de alimentos produzidos”, explicou.
Além da importância da agricultura familiar, Stédile defendeu a agroecologia como método de produção. “Precisamos da agroecologia para produzir em equilíbrio com a natureza. O principal desafio é como massificar a agroecologia. Aqui entra o ponto da discussão de hoje, precisamos potencializar a prática, com sementes, fertilizantes orgânicos, sem a dependência química, e com incentivo ao uso das máquinas agrícolas”, complementou.
Maquinário e desenvolvimento
Em consonância, Fernanda Machiaveli, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familia, destacou os projetos que o governo federal tem desenvolvido sobretudo em torno do incentivo à mecanização, compra de equipamentos e implementos para a agricultura familiar através do programa Mais Alimentos, uma linha do Pronaf Investimentos, criado a partir de um decreto em junho do ano passado.
“Precisamos diminuir a penosidade do trabalho no campo e melhorar a qualidade de vida desses trabalhadores, para isso precisam ter acesso a máquinas que reduzam o esforço físico. Assim, além de potencializar a qualidade do trabalho, aumentamos a produtividade e melhoramos distribuição agrária no país”, explicou.
Fernanda ainda lembrou a discrepância do acesso ao maquinário na agricultura familiar em diferentes regiões do país. Segundo a secretária-executiva, a região Sul do país tem a maior concentração de maquinário, enquanto a Nordeste, que reúne o maior número de produtores do país, tem a menor mecanização.
Para Stédile, o crédito oferecido é um caminho para mudar essa realidade mas não a solução. “Não adianta só oferecer mais crédito, é preciso colocar máquina e fábricas de máquinas nos municípios. Temos que ter nossa produção para atender às nossas demandas”, afirmou.
Para dar conta dessa questão e de outras que fazem parte do processo de produção agrícola, que envolvem sementes, fertilizantes e outros insumos, Cristhiane Oliveira, da Embrapa, aponta a importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia nacional.
“Ciência e tecnologia só fazem sentido se está voltada para a solução de problemas para a população, para isso, é preciso conhecer a realidade dos territórios. A partir do nosso olhar, ainda que diferenciado, vindo da ciência, para identificar e reconhecer as limitações. Esse é um desafio conjunto, nexo de relação entre sociedade, Estado e instituições. Neoindustrialização significa reorientar nossas bases, repensar linhas de pesquisa e objetivos”, apontou.
Ciência e tecnologia
O debate foi o sétimo e último da série de seminários temáticos que tem por objetivo gerar subsídios para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acontece em junho deste ano. A atividade tem início na parte da manhã na UFF e a segunda parte acontece no período da tarde, no Espaço Pilotis, localizado na sede da Finep, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro.
No evento da tarde, será discutida a integração entre as diretrizes da política de ciência, tecnologia e informação e da nova perspectiva de neoindustrialização. Participam do encontro Fernando Peregrino (Finep), Jefferson Gomes (CNI), Paulo Foina (ABIPTI), Verena Barros (CNDI), Elias Ramos (Finep), Marcela Flores(ANPEI) e Carlos Gadelha (GECEIS/MS).
Ao longo dos sete encontros, os seminários de neoindustrialização reuniram mais de 2 mil pessoas para dialogar sobre 12 temas considerados relevantes sobre a contribuição da área de Ciência, Tecnologia e Inovação à Neoindustrialização e que geraram 28 horas de debates. Até o momento, o evento contou com a presença de 64 palestrantes que representam 53 instituições de ensino e pesquisa, governo, sociedade e empresas. Foram 28 horas de debates.
A iniciativa conta com o apoio da Abipti, CNI, MEI, BNDES e CNDI. Nas pautas, foram discutidos os ecossistemas de minerais estratégicos, transição energética, base industrial de defesa e segurança, financiamento de inovações, inteligência artificial, entre outros.
Edição: Clívia Mesquita