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Coluna

Qual o futuro de Daniel Alves?

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Daniel Alves foi condenado à quatro anos e seis meses de prisão e mais cinco anos de liberdade vigiada - Lucas Figueiredo / CBF
Brasileiro foi considerado culpado por violentar sexualmente de uma mulher de 24 anos

*Luiz Ferreira

Daniel Alves foi condenado a quatro anos e meio de prisão por agressão sexual pela Justiça da Espanha. O brasileiro foi considerado culpado por violentar sexualmente de uma mulher de 24 anos, na boate Sutton, em Barcelona, na noite de 30 de dezembro de 2022. Tanto a defesa quando a promotoria ainda podem recorrer da decisão. Daniel Alves cumpre prisão preventiva há treze meses (desde o dia 20 de janeiro de 2023) e teve o quinto pedido de liberdade negado pela Justiça Espanhola.

O jogador de 40 anos ainda terá que cumprir cinco anos em liberdade vigiada depois do período atrás das grades e deve se manter afastado da residência ou do local de trabalho da denunciante por pelo menos um quilômetro e não entrar em contato com ela. Além disso, ele também terá que pagar uma indenização de 150 mil euros (cerca de R$ 805 mil na cotação atual) e arcar com as custas do processo.

Vale lembrar que a família de Neymar arcou com os valores da indenização. Na opinião do tribunal, “a entrega desse valor à vítima independentemente do resultado do julgamento, expressa uma vontade reparadora que deve ser considerada como circunstância atenuante”.

De acordo com a sentença proferida pela juíza Isabel Delgado Pérez (da 21ª Seção da Audiência de Barcelona), Daniel Alves ficará preso por quatro anos e seis meses. No entanto, ele pode receber o chamado “terceiro grau”, com mais da metade da pena cumprida, uma espécie de “regime semiaberto”, a partir de 2025. O jogador poderia sair da prisão em determinados dias desde que retorne para dormir. Ainda existe a possibilidade de deixar prisão com dois terços da pena cumprida (em janeiro de 2026) por bom comportamento, passando para a liberdade vigiada.

Até lá, Daniel Alves terá a oportunidade de ouro que várias outras celebridades que cometeram crimes semelhantes tiveram e jogaram no lixo.

A chance do arrependimento honesto e sincero. A chance de pedir perdão para a vítima, para todas as mulheres e toda a sociedade pelo crime hediondo que cometeu há pouco mais de um ano.

Quem sabe unir forças com organizações que combatem a violência contra a mulher. Colocar sua figura, seus recursos e seu exemplo a serviço dessas entidades e conscientizar outros homens sobre a obrigação quase sagrada de se respeitar o sexo oposto. Buscar a reparação do crime terrível que cometeu de alguma forma. Evitar que outras mulheres sofram do mesmo mal que ele provocou. Ainda seria muito pouco diante do que aconteceu em Barcelona no dia 30 de dezembro de 2022. Mas já seria alguma coisa.

Se cumprir toda a pena (ou pelo menos parte dela), Daniel Alves terá tempo de sobra para entender que cometeu um crime hediondo, que provocou uma dor terrível na moça de 24 anos e que será o responsável pelos traumas que ela carregará durante o resto de sua vida. E que nenhum dos seus 42 títulos conquistados enquanto jogador de futebol vai apagar isso.

Seja como for, Daniel Alves deve retomar a sua “vida normal” depois de mais ou menos uns 10 anos.

Antes mesmo da sentença, ele já recebia uma série de mensagens de apoio de vários jogadores e ex-jogadores nas suas redes sociais e não deve ser diferente depois disso. Até lá, outra polêmica já deve estar no foco da opinião pública e do tribunal das redes sociais.

E conhecendo o meio “boleiro” como eu e você conhecemos, Daniel Alves será abraçado pelos mesmos “parças” que diminuíram o ocorrido e falaram até em “mal entendido” depois que ele foi preso no ano passado. Talvez até ganhe espaço na comissão técnica de algum clube ou vire empresário de jogadores. Também não será surpresa para ninguém se ele ganhar espaço na imprensa esportiva. Talvez como convidado de algum programa de grande audiência ou até mesmo atuando como comentarista fixo.

Enquanto Daniel Alves retoma sua vida depois desses 10 anos como se nada tivesse acontecido, a memória curta e incrivelmente seletiva do brasileiro médio vai apenas se lembrar dos seus 42 títulos e deixar a moça de 24 anos num esquecimento cruel. E isso se não a culparem pela violência terrível que ela mesma sofreu em Barcelona.

Ele vai conceder entrevistas para programas de TV e muito provavelmente vai jogar todas as oportunidades de reconhecer o erro que cometeu e pedir perdão no lixo. As redes sociais vão se dividir novamente entre aqueles que entendem que o jogador “merece outra chance” e aqueles que defendem a sua punição eterna. A vítima seguirá esquecida.

O crime não será esquecido e virá para o centro da mesa de discussões sempre que Daniel Alves “passar pano” para toda e qualquer situação minimamente parecida com a sua ou qualquer outro caso que dependa de um julgamento moral. É bem possível que ele responda com ameaças de processo judicial e tentativas de intimidação em cima de qualquer um que aponte o dedo para seu crime e relembre a sentença proferida pela juíza Isabel Delgado Pérez. Veremos coletivas confusas, cheias de contradições e marcadas pelo discurso vazio. Talvez até o anúncio de um processo na Justiça da Espanha para anular o julgamento por conta de uma vírgula mal colocada.

Mas as provas do crime vão continuam lá para quem quiser ver.

O tempo vai passar e Daniel Alves seguirá desperdiçando oportunidades de se arrepender e pedir perdão uma vez que seja. E o meio futebolístico vai seguir esperando a próxima rodada como se nada tivesse acontecido e fechando os olhos para outros crimes e atrocidades cometidos por outros jogadores, ex-jogadores e treinadores. É uma espécie de habeas corpus eterno concedido pelos “boleiros” aos “parças”.

Uma mulher é estuprada a cada oito minutos no Brasil. Os números são alarmantes e extrapolam qualquer senso de civilidade.

E assim como acontece em outras camadas da sociedade, o meio futebolístico é reflexo do que ela ainda pensa e defende. E até que mudemos o nosso pensamento como sociedade, veremos o futuro repetir o passado numa espécie de ciclo sem fim de violência e passadas de pano para os “parças”.

Quero muito estar errado. Mas esse é o futuro que eu ainda vislumbro na minha frente. O de Daniel Alves e o nosso.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse