Passado o carnaval, a única coisa que o governo pode fazer é reforçar a interlocução com o Congresso
Olá!
Bolsonaro vai ser preso? Os militares vão ser punidos? O governo vai superar as heranças do bolsonarismo?
.Como será o amanhã? Depois dos primeiros impactos da operação Hora da Verdade, ainda há três questões a serem respondidas. Primeiro, qual o destino de Jair Bolsonaro? Segundo criminalistas, a identificação da cúpula viria apenas no ato final da investigação que tem se desenvolvido em camadas. Além disso, ao contrário dos tempos da Lava Jato, a Polícia Federal (PF) voltou a trabalhar mais com provas do que com convicções. Outro balde de água fria em quem espera um “Bolsonaro preso amanhã” seria a suposta opinião dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a prisão só ocorra após uma condenação para evitar a imagem de mártir. O próprio Bolsonaro vai testar a força desta hipótese com a convocação de um ato público no próximo dia 25. Apesar das comparações com o ato derradeiro de Fernando Collor antes de seu impeachment, as situações não são idênticas. Isso porque Bolsonaro não está tão só. Além de Silas Malafaia, que sugeriu o ato, as duas maiores autoridades de São Paulo, o governador Tarcísio e o prefeito Ricardo Nunes, confirmaram presença, enquanto o Estadão saudou a manifestação como uma defesa da liberdade e contra Lula e o STF e o ex-ministro Marco Aurélio Mello saiu em defesa dos investigados. Mas, mais grave, é a pesquisa AtlasIntel que mostra que 36% dos entrevistados não acreditam que houve uma tentativa de golpe e 41% são contrários à prisão do capitão. Por tudo isso, Reinaldo Azevedo aposta que o capitão e seus asseclas contam com a prisão como um ativo eleitoral. A segunda questão é qual será o destino dos militares? Não das Forças Armadas em geral, já que é evidente que neste momento, o melhor é ficar quietinho, esquecer as celebrações do golpe de 64 e exonerar os que já estão presos. O grau de desfaçatez criou até a figura do “golpista flex”, na definição de Andréia Sadi, os militares que participaram das tratativas do golpe, não o impediram, e agora posam de herois. Como resume o historiador Carlos Fico, se a democracia brasileira depende do Alto Comando do Exército, “estamos muito mal das pernas”. O fato é que, apesar da tradicional impunidade verde-oliva, Augusto Heleno e Braga Netto não devem escapar e a lama começa a chegar no fiel general Pazuello. A terceira questão é quando - ou se - as investigações vão chegar nos outros cúmplices e outros poderes. Até aqui, apenas um parlamentar foi investigado, mas já se sabe que o Senador Luis Carlos Heinze era um dos entusiastas dos ataques às urnas eletrônicas. Também não se sabe o quanto André Mendonça e Kassio Nunes tinham conhecimento sobre os planos golpistas do seu padrinho político, o que levaria o problema para dentro do próprio STF. E há, obviamente, a presença robusta do agronegócio e o consentimento silencioso da Faria Lima.
.Ainda não foi. É claro que o plano de Lula é seguir adiante com sua própria agenda e deixar os tempos de Bolsonaro para trás. Sua ida ao continente africano é simbólica nesse sentido: busca reconstruir as relações sul-sul abandonadas pelo governo anterior, especialmente num território onde o Brasil já teve forte presença mas que foi suplantado por China e Rússia nos últimos anos. Além de negociar acordos comerciais, o governo brasileiro participa como convidado da Cúpula da União Africana e está num lugar privilegiado para incidir diplomaticamente sobre o conflito no Oriente Médio. Mas, se fora de casa o Brasil pode olhar para frente, aqui dentro o fantasma do bolsonarismo continua assombrando, e não só pelos militares golpistas que seguem na ativa. As últimas revelações que vieram à tona com as investigações da PF também colocam o governo numa posição difícil ao revelar que diplomatas que estiveram na reunião golpista de julho de 2022 continuam no Itamaraty. Além disso, o bolsonarismo fez da segurança pública sua tábua de salvação. No carnaval paulistano, o desfile da Vai Vai despertou não só o repúdio da bancada da bala, mas ainda ajudou a requentar a ladainha sobre a Lei Rouanet. E, aproveitando para mirar o governo, os deputados bolsonaristas aproveitam a fuga da Penitenciária Federal de Mossoró para convocar o recém-empossado ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ao Congresso para dar explicações. Por falar em Congresso, outra herança que teima em não passar é Arthur Lira. Mesmo prevista para o início do ano que vem, a corrida para a eleição à Presidência da Câmara já começou e o governo será forçado a tomar uma decisão difícil: continuará afiançando o grupo de Lira para negociar votos a varejo no Congresso? Ou arriscará uma mudança de rumo para construir uma base parlamentar mais sólida para seus últimos dois anos de mandato? Debaixo desta ponte muitas águas ainda vão rolar. Até lá, passado o carnaval, a única coisa que o governo pode fazer é reforçar a interlocução com o Congresso, agora com maior presença de Rui Costa, negociar emendas com o centrão e satisfazer o verdadeiro desejo de Lira, o aumento do orçamento da FUNASA, para destravar mais uma vez a governabilidade, o que só deverá ocorrer depois do retorno de Lula ao Brasil.
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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo