Protestos

Transnacionais são inimigo comum para agricultores da Europa e do Sul global, diz ativista

Agricultores seguem nas ruas contra tratados de livre comércio; 'contexto é de crise do capitalismo', diz Rodrigo Suñe

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Com tratores, agricultores bloqueiam rodovia em Alleur na Bélgica na sexta-feira, 16 de fevereiro - STRINGER / BELGA / AFP

Os agricultores europeus permanecem mobilizados por melhores condições de trabalho e contra os tratados de livre comércio na União Europeia (UE), entre eles o acordo Mercosul-UE. Nesta semana, centenas de agricultores voltaram a fechar rodovias com seus tratores na Bélgica e na Espanha

Membro da Secretaria da Assembleia Internacional dos Povos (AIP), Rodrigo Suñe está em Bruxelas e acompanha os protestos na Europa desde o início de fevereiro. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele analisa a disputa de correntes ideológicas no interior do movimento e aponta que um inimigo comum une os manifestantes na Europa e no Sul global.

"Temos um inimigo comum, que é o monopólio das grandes transnacionais em todo o processo do controle da agricultura a nível internacional. Tudo isso que deriva dos tratados de livre comércio, como o processo de globalização neoliberal, a flexibilização das leis, esse conjunto de pacotes unifica os agricultores da Europa ao Sul global", disse.

Suñe avalia que a origem desse processo remonta à criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja padronização de regras para o setor a nível mundial se tornou "inviável" na relação entre os diferentes blocos econômicos.

"Inevitavelmente isso se relaciona também com o contexto da crise do capitalismo, com o contexto desse avanço da militarização, um processo em que a Europa é uma parte submissa. Eu acho que tem esse sentimento geral, de uma forma de submissão da Europa aos interesses do imperialismo estadunidense. E isso se manifesta também nesse contexto da agricultura", afirmou.

A politica interna da União Europeia estabeleceu padrões bastante rigorosos para a comercialização da produção agrícola, que envolve desde medidas sanitárias, controle de qualidade alfandegário, até medidas legislativas de proteção ao meio ambiente.

"Quando se estabelece essa relação desses acordos de livre comércio, essas medidas caem por terra", aponta Suñe.

É justamente nesse ponto, em particular na defesa da pauta ambiental, que está a linha divisória entre a atuação da esquerda nos protestos, e os setores da direita que tentam se aproveitar dos protestos - divisão que se tornou evidente a partir da mobilização de Bruxelas, no início de fevereiro. 

Por ter concentrado organizações de agricultores para protestarem na sede do bloco europeu, aquela mobilização reuniu tanto reivindicações comuns à categoria de agricultores, algumas bandeiras contra a globalização a partir de uma perspectiva conservadora e as propostas de esquerda, que envolvem a denúncia do monopólio das grandes empresas transnacionais e a defesa de uma agricultura orgânica e comprometida com as pautas ambientais.

"É um processo bem heterogêneo, tem algumas bandeiras comuns que geraram esse processo de mobilização e a narrativa sobre isso é disputada no conjunto da sociedade", aponta Suñe.

Essa disputa é intensificada pelo calendário eleitoral na Europa, tanto aquelas que definem a composição do Parlamento Europeu, mas particularmente a eleição na França, país com setor agrícola forte que concentra uma diversidade de organizações de agricultores mobilizados nos protestos. Não à toa, o presidente francês, Emmanuel Macron, se colocou como a principal voz do bloco contrária ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

"No caso da França, houve essa tentativa de setores principalmente ligados à Marine Le Pen, que é a principal candidata da extrema direita, de tentar capturar esse movimento. Mas tem análises diversas disso. Tem relatos de que em muitos lugares os agricultores foram contra essa participação, ou em atos que tinham uma identidade maior da extrema direita, houve baixa mobilização", afirma.

Edição: Rodrigo Durão Coelho