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Acabou o Carnaval? Mas eu quero é botar meu bloco na rua

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"E se os bolsonaristas houvessem triunfado no 7 de setembro de 2022, ou no 8 de janeiro de 2023, torturadores já estariam sendo descritos, nas escolas, como heróis nacionais" - Reprodução
Toda omissão é ativa, e tola. População que aguarda unida, será esquecida

A gente acorda nestes períodos de fim Carnaval pensando que agora a coisa vai andar.

Acabou a festa! É hora da vida real! E como todos esperávamos, deveria haver algo de diferente no ar. Mas cadê a diferença?

No entanto, e parece que isso é geral, as expectativas enganam. Como rebanho sem liderança, cada um/a de nós segue adiante em sua trilha individual, repetindo as mesmas rotinas de sempre, na espera “do chamado”, de que alguém dê o sinal.

E no outro lado, entre os golpistas, há disso em abundância. E de todo o tipo: a eterna Globeleza Valéria Valenssa, depois de 20 anos sem desfilar o Carnaval carioca, e mais de 6 assumidamente evangélica, foi alvo de críticas por estar, VESTIDA, na Sapucaí. Pensem, a Globoleza, toda contida, está sendo proibida pelos crentes, de sambar.

A Baby Consuelo, que já foi Baby do Brasil e hoje é a Apóstola Baby das Nações, liderança da Igreja Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome de Jesus, decretou que recebeu o chamado e repassou a missão: estamos no pré-apocalipse e logo acontecerá um tal de arrebatamento dos justos, que devem atentar para isso e fazer por merecer a salvação.

E Bolsonaro convocou nova manifestação em favor do golpe, com vistas à sua preservação e ao fortalecimento de golpistas e do fascismo, para dia 25. Na sequência, pediu devolução do passaporte apreendido pela PF. Talvez pretenda, oportunamente (dia 21), fugir para os EUA, resguardar-se da baderna para onde atiça os tolos que, após filmados na incitação a crimes, serão abandonados como aqueles patriotários de 8 de janeiro.  

E nós? Bom, nós aguardamos alguma atitude por parte dos nossos salvadores. Esperamos que Lula, Xandão ou Lewandowski “façam algo” que resolva o impasse, algo que nos convoque a participar do Brasil novo pós-carnaval.

Bom, na prática isso é muito ruim. Significa que nós, desorientados, ou com medo de atrapalhar e sem sinalização de rumo, deixaremos que aconteça o que acontecerá. Seja o que for, inclusive o pior. Estamos assumindo que o protagonismo não é nosso, é dos outros. Eles são lobos, ou pastores. Nós somos rebanho.

Como interpretar isso, considerando que (e disso não temos dúvidas) o tempo voa e o mundo é dos audazes?

Talvez repensar sobre as medidas do tempo ajude. Estamos viciados em avaliar a vida que nos resta como uma sequência de estágios manhã-tarde-noite. Com este foco restrito a unidades menores do que o próprio dia a dia, perdemos a perspectiva dos projetos, das construções coletivas e de tudo que envolve compromissos ordenados por visões de longo prazo. E parece que nossos adversários não estão nessa: eles já trabalham pela manutenção de suas posições e contam com a retomada de privilégios pós-eleições de 2026.

E assim se coloca um quadro alarmante porque além de desorientados e ameaçados por grupo dirigido por canalhas alinhados a um projeto globalizado de fim do mundo que conhecemos, perdemos as referências da história e da natureza, abandonamos parâmetros que rigorosamente estão do nosso lado.

Afinal história é feita pelos povos, mas é escrita pelas classes dominantes. E se os bolsonaristas houvessem triunfado no 7 de setembro de 2022, ou no 8 de janeiro de 2023, torturadores já estariam sendo descritos, nas escolas, como heróis nacionais. Se eles vierem a ser perdoados, isso acontecerá em breve. Se permitirmos que o amortecimento entre nós se mantenha, se não nos envolvermos com a reconstrução do protagonismo social, desde agora, eles farão aquilo e mais, logo adiante. E é disso que se trata: de nosso envolvimento com as consequências deste período e a trajetória desta nação.

Por isso, vale reconsiderar nosso papel levando em conta as medidas de tempo que a natureza não cansa de sugerir à humanidade.

Vejamos as estações do ano. O que entender do fato de que elas impõem uma concatenação, um encadeamento de épocas para preparação do solo, plantio, cuidados, colheita e compartilhamento dos resultados? Tão somente que são necessários tempos de ação, para que existam tempos de repouso? Ora, como colher sem plantar? E como negar a possibilidade de colheita para os que se empenham em semear a cizânia, o ódio entre irmãos? De que adianta torcer pelo sucesso do projeto do padre Júlio Lancelotti, fazendo vista grossa às atitudes daqueles que querem eliminar o padre Júlio? Como não enxergar que isso vale também para os programas de recuperação nacional do Lula, para os compromissos do STF (ufa!) com a democracia, e para os apelos em defesa da casa comum, do Papa Francisco­?

O que está em jogo é a forma de ocupação do território, corações, mentes e instrumentos que definirão os valores que predominarão no futuro próximo. E por isso, toda omissão é ativa, e tola. Ela ajudará a manter o que se passa em instituições do governo democrático, que se mantém sob as rédeas de golpistas. E aqui nem vai crítica aos ministros, aos presidentes de estatais. Destes, dá até pena. Estão reféns dos operadores, aqueles que estão tocando a máquina do Estado em conformidade como a cartilha bolsonarista. E eles ali estão porque o presidente da República, os ministros, os dirigentes de estatais não se sentem fortes para substituí-los. E isso é assim (se sentem fracos) porque a população não está pedindo/exigindo tais correções. População que aguarda unida, será esquecida.

Entre nós, brilham os que afirmam escutar e compreender, os que balançam a cabeça, esboçando aqueles sorrisos de quem entende de tudo, mas descuidando de que neste momento tais atitudes são tão inúteis quanto estender a ressaca desta sexta-feira de cinzas até a Quaresma.

O pior é pensar, diante disso, que da enorme vitória nas eleições de 2022 poderá resultar embasamento para novas derrotas, com perdas no plano das esperanças e sem qualquer benefício de aprendizado.

Uma música para sublinhar esta conversa?

Eu quero mesmo é botar meu bloco na rua. E já estou pronto para atender a qualquer convocação. Seja do Grêmio Antifascista, da Coluna Vermelha do Internacional, da União de Estudantes Secundaristas ou dos aposentados, tanto faz. Quero me somar no bloco pela consolidação da democracia. E sem anistia.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko