Em 2023, os investimentos do governo federal cresceram 80,5% em relação a 2022, último ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL). De R$ 39,15 bilhões, o valor saltou para R$ 70,7 bilhões, de acordo com dados de janeiro do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que também destaca uma queda brusca na arrecadação.
O impulso ao desenvolvimentismo só foi possível graças ao espaço aberto após a extinção do teto de gastos, no início do ano passado. Para honrar os discursos de campanha de promover crescimento com um pé na igualdade social e outro no equilíbrio ambiental, a equipe econômica passou a recalibrar verbas de programas sociais, a descongelar o salário mínimo e o reajuste dos servidores e até a sanar os calotes de Paulo Guedes e sua equipe.
Olhando por outro ângulo, o aumento das despesas fez crescer o déficit primário. A projeção era de 1%, mas acabou sendo de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Diante da celeuma nos meios liberais, o ministro da Fazenda Fernando Haddad veio a público, no dia 30, para explicar que cerca de metade desse “rombo” de R$ 270 bi deveria entrar na conta do governo passado.
Quase R$ 100 bilhões correspondem ao pagamento de precatórias deixadas em aberto e cerca de R$ 27 bilhões teriam sido comprometidos na arrecadação dos estados via ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). “O déficit é muito maior que o esperado por conta dos esqueletos do Bolsonaro que saíram do armário e a queda de arrecadação, porque algumas coisas o Congresso não aceitou negociar”, aponta o economista Ruy Santacruz, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre a influência dos parlamentares para as políticas fiscais do país.
Além de decisões que impactam na arrecadação, como a novela sobre a reoneração de 17 setores produtivos, os parlamentares também detém boa parte do orçamento com emendas de relator. Apenas no ano passado, essa modalidade de investimento descentralizado, que atende a critérios vagos elegidos pelos próprios legisladores, consumiu quase 30% do total.
Para o país crescer acima de 2% do PIB em 2024, conforme projeta Haddad, há alguns caminhos a serem trilhados. Em nome da arrecadação, a equipe econômica analisa medidas como reduzir a judicialização excessiva do INSS para economizar e regular as compensações judiciais oferecidas às empresas, sem controle atualmente. Também está no horizonte a indução ao mercado através de subsídios a áreas estratégicas e a facilitação do acesso ao crédito pela iniciativa privada com a lei do Marco Legal de Garantias.
“Sozinha uma empresa privada não consegue avançar em novos segmentos, porque não está dando retorno naquele momento ainda. Então precisa haver algum subsídio, redução de impostos, algum incentivo para o cara aparecer. Isso não é uma questão de ideologia. Você vai querer mudar a matriz energética brasileira? Sem subsídio você não faz isso. Você vai ter que reduzir imposto de importação, de equipamentos, de máquinas, ver como é que o consumidor vai pagar isso na conta de luz”, exemplifica Santacruz.
Para Antonio Corrêa de Lacerda, diretor do departamento de Economia e Administração da PUC-SP, há um “fator multiplicador” nessa política. “Cada real gasto pelo governo em investimentos se multiplica para a economia de uma forma bastante significativa e também há um chamado efeito de demonstração. Na medida em que os investimentos públicos são realizados, eles passam a estimular o investimento privado”, opina.
Neodesenvolvimentismo em alta
Ponta de lança na agenda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Novo Programa de Aceleração do Crescimento tem metas ambiciosas e a missão de superar as duas versões anteriores, com maior precisão e eficiência dos investimentos. Além do aporte esperado pelo setor privado, o governo reservou R$ 55 bilhões ao programa apenas este ano, numa frente que se soma ao Plano de Transição Energética e a um novo plano para a política industrial, o Nova Indústria Brasil, anunciado no último dia 22, e que será fomentado através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Esses planos, juntamente com os programas sociais, a nova política de reajuste do salário mínimo, mais o Bolsa Família reformulado, deverão trazer benefícios para o crescimento da economia sem qualquer comprometimento da sustentabilidade fiscal, que diga-se de passagem, a sustentabilidade fiscal, como o próprio nome sugere, também depende de um crescimento da economia. Nenhum equilíbrio fiscal se obtém mediante estagnação ou recessão”, opina Lacerda.
Santacruz pontua alguns problemas nas duas primeiras edições do PAC, que atravessaram aos primeiros mandatos de Lula e de Dilma Rousseff, que segundo ele tiveram apenas cerca de ⅓ das obras concluídas. Mesmo assim, ele também é favorável aos novos e velhos programas estruturantes previstos até 2027.
“O Estado tem que ser norte a todo o investimento? Eu não tenho a menor dúvida que precisa. Se deixar o mercado decidir, nós vamos continuar nos arrastando, andando de lado para sempre, tem que ter o Estado fazendo isso. Vamos ver se esse PAC vai ser melhor sucedido, o valor é altíssimo, R$ 1,7 trilhão, mas com aplicação em setores importantes agora que são energia limpa, meio ambiente, inovação e infraestrutura”, ressalta.
Ainda em termos de crescimento, o professor da UFF lembra que o Brasil investia cerca de ¼ do seu PIB durante o chamado “milagre econômico”, ocorrido no início dos anos 1970, no ápice da Ditadura Militar. “Durante o primeiro PAC do Lula, em 2007, o investimento estava em 19% do PIB. Já caiu de 24%, 25% para 19%. Dizem os economistas que você tem que ter 22%, 23% para que consiga crescer entre 4% e 5% de maneira sustentável no tempo. Desde então, desde dos anos 1980, a gente não cresce mais a 4% ou 5% ao ano de maneira sustentável e o investimento nunca mais chegou perto de 20%”, identifica.
Edição: Rodrigo Durão Coelho