vai um cineminha?

Conheça 11 filmes premiados de diretoras brasileiras

As produções se conectam com temas e sensibilidades caras às mulheres

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Cabana, de Adriana de Faria conta a história da revolta sangrenta no Pará em 1835 - Divulgação

O que diretoras de cinema brasileiro contam quando são elas que estão por trás das câmeras? Seria impossível restringir a um único tema, mas é possível dizer que filmes premiados recentemente têm conexões diretas com debates globais e atuais, como a defesa do território – seja ele a terra, ou o próprio corpo, e a valorização da memória e trajetória de mulheres, mestras, que fizeram história no país. 

Mesmo com os avanços recentes em termos de diversidade nas equipes, as mulheres ainda apresentam baixa representatividade no cinema brasileiro, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine): apenas 20% e 25% ocupam cargos de direção e roteiro, respectivamente. Em um artigo publicado pelo SescSp, a pesquisadora Carolinne Mendes da Silva reflete sobre a crescente representatividade feminina dos anos 60 para cá.  

Para ela, o cinema brasileiro possui uma longa e diversa trajetória, ainda pouco analisada do ponto de vista da participação das mulheres. “Diretoras, produtoras, roteiristas, fotógrafas, atrizes e tantas outras profissionais têm contribuído, desde os primórdios de nossa produção audiovisual, para enriquecer a cinematografia nacional. Se foram, tantas vezes, representadas como objeto do olhar masculino, enquanto personagens, as mulheres se afirmaram como sujeito ativo de suas narrativas, em uma evidente expressão da luta feminista nesse campo”, explica a pesquisadora autora de O negro no cinema brasileiro

Na década de 70, por exemplo, o cinema foi espaço de um discurso crítico por parte de mulheres que denunciavam a situação de desigualdade, ao mesmo tempo em que a repressão da ditadura militar buscava fortalecer as tradicionais normas de conduta para os gêneros.

Carolinne aponta que os filmes produzidos pela produtora Belair, no Rio de Janeiro (RJ), e pela Boca do Lixo, em São Paulo (SP), ficaram conhecidos como um Cinema Marginal, que radicalizou a proposta de experimentação estética do Cinema Novo. Já nomes como as pioneiras Adélia Sampaio e Viviane Sampaio são importantes na história das mulheres negras na direção, que ainda representam uma parcela menor no total de mulheres diretoras. 

O esforço para incentivar a produção de diretoras mulheres se manifesta através de editais recentes lançados pelo Ministério da Cultura, como o Edital Ruth de Souza de Audiovisual para cineastas brasileiras realizarem o primeiro longa-metragem, e iniciativas autônomas, como o projeto Katahirine, rede voltada à produção de cineastas indígenas.  

Confira abaixo uma lista de 11 filmes premiados recentemente para assistir: 

Diálogos com Ruth de Souza, de Juliana Vicente 

Foto: divulgação

É um fato que Ruth de Souza abriu caminhos para gerações de atrizes negras em palcos, televisão e cinemas do Brasil. O documentário de Juliana Vicente reflete o impacto que a vida e trajetória de uma das maiores atrizes brasileiras tem para o país. O filme conta sobre os mais de 70 anos de carreira de Ruth, falecida em 2019, aos 98 anos, em meio a reflexões e memórias sobre seu talento prestigiado internacionalmente. 

O longa-metragem se debruça sobre a carreira teatral de Ruth e faz uma espécie de homenagem à cultura teatral brasileira. Ao mesmo tempo, conta sobre a vida pessoal da artista a partir de entrevistas com pessoas próximas a ela, como Grande Otelo. Além de honrar o legado da artista, o filme também explicita as dificuldades enfrentadas por ela para obter reconhecimento em vida. Por meio de imagens de arquivo e das entrevistas com a própria Ruth, destaca-se pontos importantes de sua carreira, como o primeiro prêmio pela personagem que reindica a abolição da escravidão no filme “Sinhá Moça”, em 1952, e sua participação no Teatro Experimental do negro onde ela começou sua carreira com o ativista Abdias do Nascimento. 

Eu também não gozei, de Ana Carolina Marinho 

Foto: divulgação

O documentário da diretora Ana Carolina Marinho aborda um tema que é realidade em todo país: o abandono paterno. Quando se fala sobre os direitos reprodutivos e o direito de escolha das mulheres e pessoas que gestam, muitas ativistas costumam dizer que “o aborto já é legalizado para os homens”. Exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes, o longa-metragem acompanha Letícia, 28 anos, ao descobrir que está grávida, mas não sabe quem é o pai. São quatro possibilidades de paternidade. A reação dos possíveis genitores é a mesma: esse filho não pode ser meu, eu não gozei. A gravidez solitária provoca uma reviravolta em sua vida. Quando a criança nasce, sua inquietação ganha forma, ela vai em busca de descobrir quem é o pai de seu filho.

A narrativa do filme acompanha desde a gravidez até a investigação da paternidade do filho, que esbarra nos entraves jurídicos e julgamentos de massa colocados sempre que o tema é a liberdade do corpo das mulheres. No caso de Letícia, fica evidente a importância de ter essa história contada pelo audiovisual, já que vivemos em um país onde 470 crianças são registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento todos os dias. Além de ecoar a voz da protagonista, outras mulheres também compartilham suas histórias – seja por terem sido impactadas ou viveram situações semelhantes. Eu também não gozei estreou este ano em Tiradentes. 

Bauxita, de Thamara Pereira

Foto: divulgação

Um documentário-denúncia sobre as ameaças sofridas por uma comunidade de agricultores de Belisário, em Minas Gerais. Esse é Bauxita, curta-metragem de Thamara Pereira, que registra o avanço das mineradoras em comunidade tradicional, localizada na região da mata atlântica, segunda maior reserva de bauxita do Brasil. O filme premiado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a FAO. A premiação, realizada em Roma, aconteceu durante o World Food Forum, uma conferência sobre segurança alimentar e sustentabilidade, que também premia produções audiovisuais voltadas aos desafios e soluções para a preservação ambiental. O filme foi um dos cinco premiados, sendo o único brasileiro. 

Contado a partir das vozes de ativistas defensores do meio ambiente e da comunidade, o filme problematiza a falta de segurança que essas pessoas têm para seguirem na luta. Prestigiado internacionalmente em festivais de cinema de todo mundo, em países como México, Itália e Coreia do Sul, o documentário começou a ser produzido em 2019, após moradores ameaçarem Frei Gilberto, pároco local, por sua campanha contra a mineração. Depois disso, o processo de pesquisa se estendeu a outras pessoas também afetadas pela mineração. O filme contou com recursos da Lei Aldir Blanc para ser realizado, e se posiciona em um debate mais amplo sobre políticas de proteção e preservação em Minas Gerais. As exibições futuras de Bauxita podem ser conferidas no Instagram do projeto. 

Aguyjevete Avaxi’i, de Kerexu Martim

Foto: divulgação

Aguyjevete Avaxi’i, é o primeiro filme da realizadora Guarani Mbya, Kerexu Martim. Em sua estreia, a realizadora documenta a celebração e a retomada do plantio das variedades do milho tradicional (o avaxi ete) do povo Guarani M’bya em sua aldeia, na Terra Indígena Tenondé Porâ, em São Paulo, após um período de seca e devastação, consequência de décadas de monocultura de eucalipto. Considerado um dos verdadeiros alimentos que o seres divinos possuem em suas moradas celestes. O milho passa por rituais e bençãos desde o plantio até a colheita, quando a aldeia se junta para celebrar. Comê-lo mantém a vitalidade dos seres humanos e das divindades. 

Kerexu, tem 21 anos, faz parte da aldeia Kalipety na Terra Indígena Tenondé Porã, e é também uma das integrantes da Rede Katahirine. O projeto de seu primeiro filme foi desenvolvido durante uma das oficinas promovidas pelo Instituto Catitu em sua aldeia com orientação da cineasta Patrícia Ferreira Pará Yxapy .A jovem realizadora já participou de três oficinas de formação audiovisual pelo Instituto Catitu, que entre suas ações utiliza a formação audiovisual para fortalecimento dos povos indígenas.O filme estreou no Sesc de São Paulo em 2023. 

Jussara, de Camila Ribeiro 

Foto: divulgação

Jussara é uma griot, uma contadora de histórias da vila onde mora no interior da Bahia. O curta-metragem de animação que leva o seu nome conta a história dessa personagem, conhecida como conselheira pelos mostradores e que encanta todos à sua volta. Um dia se percebe cansada de guardar tanta informação e decide se livrar de tudo o que tem escrito para viver a sua própria história. O filme foi um dos vencedores da mostra competitiva de curtas do FRAPA, Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre, no ano passado, e recebeu o prêmio de melhor roteiro de animação no nono Santos Film Fest – Festival de Cinema de Santos. 

Em 2023, o filme foi escolhido como melhor curta da mostra Ruptura no Festival Internacional de Goiana e considerado pelo júri “um filme que elabora e apresenta uma cosmovisão importante para populações negras e originárias”. Para a comissão de seleção, “Jussara capta e carrega em si o brilho das estrelas , o fluir da brisa, o acúmulo de memórias, leituras e sonhos, em um tempo espiralar. Compartilha suas asas de modo poético com sua comunidade. Por transcender a linguagem, idioma, através de uma animação que utiliza elementos sonoros aliados a técnica da rotoscopia em cenários que constroem sensações e memórias”. Jussara é um projeto que nasceu em 2017, e começou a ser produzido em 2019, após aprovação em um Edital da Secretaria de Cultura da Bahia. Em um perfil do Instagram, a equipe compartilha fotos de cenas dos bastidores, sketches do filme, referências utilizadas para a animação e fotos de produção, assim como exibições do filme pelo Brasil.

Mestras, de Aíla e Roberta Carvalho 

Foto: divulgação

O documentário musical Mestras faz uma reverência a mulheres importantes da cultura popular no Pará ao contar suas histórias de vida. Em busca de mestras da música paraense, cuja trajetória estava ocultada da música brasileira nacional, as diretoras foram ao encontro da diversidade da cultura sonora do estado, como o samba de cacete, o boi e o carimbó. As realizadoras Aíla Costa e Roberta Carvalho buscaram inspiração em suas próprias histórias, enquanto mulheres criadas por mulheres na região amazônica. Nomes como Mestra Iolanda do Pilão, Mestra Miloca, Mestra Bigica, e Dona Onete figuram como protagonistas do longa-metragem. 

O filme traz também as referências profissionais de cada uma das diretoras, já que Aíla é uma das principais vozes da música contemporânea do Norte, e Roberta Carvalho é conhecida pelos trabalhos que aliam arte e tecnologia, como o Amazônia Mapping. Logo, o filme conta com intervenções artísticas nas cidades onde as Mestras moram, projetando imagens de seus rostos em grande formato como uma forma de homenagem a elas. O filme-documentário, uma experiência sensorial e imagética por dentro da cultura popular do norte, deve entrar no circuito de festivais em breve.

Kila & Mauna, de Ella Monstra 

Foto: divulgação

Exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme de Ella Monstra fala sobretudo de afeto. A partir da história de três, Kila, Mauna e Triz são amigas inseparáveis, a trama se desenvolve. Nada parece abalar a relação entre elas, mas as coisas mudam quando Triz desaparece. Antes tão firme, o mundo começa a desmoronar. Somente quando uma pista sobre o paradeiro de Triz surge é que as outras duas, mesmo sem se falar, embarcam juntas em uma travessia para encontrar a terceira parte perdida da relação. 

O filme cearense, feito apenas por pessoas LGBTQIAPN+, foi realizado no Ateliê de Ficção da sexta turma do Curso de Realização em Audiovisual da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes. A composição do elenco, atuação e direção são completamente formados por pessoas trans. Produções de estreia da jornalista Ella Monstra, também roteirista do curta, essa é uma história sobre amadurecimento, transições e jornadas. Disponível para assistir gratuitamente até 9 de fevereiro no Itaú Play

Sem Coração, de Nara Normande e Tião 

Foto: divulgação

Antes de chegar no Brasil, o filme Sem Coração fez sua estreia mundial no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza, em setembro do ano passado. Filmado no litoral de Alagoas, o longa-metragem foi escrito e dirigido pela alagoana Nara Normande, que morou 20 anos no Recife, e pelo pernambucano Tião. Coprodução entre Brasil (Cinemascópio), França e Itália, estreou no país no início de outubro do ano passado, no 25º Festival do Rio na Première Brasil, levando o Prêmio Félix de Melhor Filme e o Prêmio Redentor de Melhor Fotografia.

Na trama do longa, que se passa no verão de 1996, Tamara aproveita suas últimas semanas na vila pesqueira onde mora, em Alagoas, antes de partir para estudar em Brasília. Ao ouvir falar de uma adolescente apelidada de “Sem Coração” por causa de uma cicatriz que tem no peito, ela passa a sentir uma atração crescente por essa menina misteriosa. Inspirado em memórias de infância e adolescência da diretora, o longa-metragem aborda as descobertas da adolescência LBTQIAP+ de vários dos personagens do filme. Nomes como Maeve Jinkings, Kaique Brito, Erom Cordeiro e Alaylson Emanuel integram o elenco do filme, com estreia comercial prevista para maio deste ano. 

Escasso, de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles

Foto: divulgação

Escasso: um melodrama decolonial é um mockumentary, ou falso documentário, gênero popularizado pelo movimento do Cinema Novo brasileiro. Dirigido por Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles, a ideia do filme surgiu quando Clara, também roteirista, recebeu a notícia de que a casa onde morava, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, iria ruir por conta de uma infestação. O curta-metragem acompanha Rose, personagem interpretada pela diretora, uma passeadora profissional de pets que apresenta sua nova casa para uma equipe documental enquanto celebra a realização de um sonho: o da casa própria, mesmo que ocupada. Enquanto diz cuidar do imóvel e aguardar o retorno da proprietária, a nova “inquilina”  cria intimidade com a casa, assumindo um estado de paixão pela dona ausente.

Lançado em 2022, foi eleito melhor curta-metragem de ficção no IndieLisboa e no Festival do Rio, além de circular por mostras internacionais, como o New Orleans Film Festival, nos Estados Unidos, e o Kurzfilmtage Winterthur, na Suíça. O curta, o primeiro de uma trilogia, é um recorte cômico, que demonstra uma “crueza” nas imagens, ativando uma estética do improviso e do popular. Para o Júri do IndieLisboa, “o filme é cativante e comovente, e ao mesmo tempo, revela uma imensa fragilidade. E tudo isso sem perder o sentido do humor. Através da personagem exuberante Rose, mostra um país radicalmente desigual, onde ecoa o estigma repetido do colonialismo e da sua forma de operar: a exploração de uma extensa população por um pequeno grupo de privilegiados.” O curta traz a ideia de desconstruir o turismo estético vendido nas produções cinematográficas do Brasil a partir da fala em um lugar mais performático do que informativo. Novas exibições podem ser consultadas no Instagram do filme

Cabana, de Adriana de Faria  

Foto: divulgação

A Cabanagem, também chamada Guerra dos Cabanos, através da vivência de duas mulheres. Melhor curta-metragem nacional no Festival do Rio, Cabana conta essa história sobre a revolta sangrenta gerada pela insatisfação com a situação econômica e social do Pará em 1835. Este é o primeiro curta de ficção da carreira de Adriana de Faria: antes de “Cabana”, a diretora paraense rodou o documentário “Ari y Yo”. 

As personagens Margarida e Maria Lira se encontram na cabana do título, situada no coração da floresta amazônica. O foco é o drama movido entre as duas protagonistas, envolvendo o conflito psicológico que dá corpo à narrativa. A escolha pelo protagonismo feminismo é fruto da pesquisa imagética da diretora, que se deparava com a clássica do homem-cabano com chapéu e facão enquanto representação do Cabano. Com elenco de Isabela Catão e Rosy Lueji, a produção paraense contou com uma equipe de mais de trinta pessoas do Norte e Nordeste.O curta foi realizado após a diretora ser contemplada pelo Prêmio de Incentivo à Arte e à Cultura da Fundação Cultural do Pará em 2022. O filme está sendo exibido nos principais festivais de cinema do Brasil.

Levante, de Lillah Halla 

Foto: divulgação

Levante é uma das grandes expectativas de estreia nos cinemas do Brasil. Estrelado por Domenica Dias, o filme brasileiro “Levante” recebeu um prêmio na mostra Semaine de la Critique, parte da programação do Festival de Cannes 2023. A produção, dirigida por Lillah Halla, foi homenageada com o título de “Melhor Filme de Estreia” da agenda paralela à competição principal pela Fipresci, Federação Internacional de Críticos de Cinema. 

O longa-metragem conta a história de Sofia, uma adolescente de 17 anos que descobre uma gravidez indesejada às vésperas do campeonato de vôlei decisivo para o seu futuro como atleta. Na tentativa de interromper a gravidez de forma clandestina, ela acaba se tornando alvo de um grupo fundamentalista decidido a detê-la a qualquer custo. Em uma entrevista, a cineasta destaca que “as histórias reais de interrupção da gravidez, em geral, são muito solitárias; as pessoas estão muito desamparadas”. No filme, Sofia vive uma situação distinta: o time de vôlei comandado por Sol é um microcosmos, no qual a atleta encontra o apoio necessário para enfrentar a violência física e psicológica da qual é vítima. O elenco conta com nomes de destaque, como Grace Passô, Ayomi Domenica e Loro Bardot. O filme chega aos cinemas em 22 de fevereiro.