revitalização

Lideranças afro-brasileiras cobram segurança após nova depredação da Praça dos Orixás

Câmeras foram instaladas no ano passado, mas estavam desligadas quando estátua de Ossain foi incendiada

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Audiência pública fez parte da abertura da Festa das Águas, que aconteceu na Praça dos Orixás nos dias 2 e 3 - Júlio Camargo

Na mesma semana do novo ataque à Praça dos Orixás, com o incêndio da imagem do orixá Ossain, uma audiência pública foi realizada no local na sexta-feira (2). O encontro discutiu a reforma e a manutenção da praça, debateu o futuro do espaço e teve protestos contra o racismo religioso. 

Dentre as reivindicações levantadas pela população estão a iluminação do espaço e a presença permanente de seguranças no local. Há câmeras de segurança instaladas na Praça desde dezembro do ano passado, mas elas ainda não foram ligadas e, por isso, não registraram o incêndio recente. 

A conversa entre lideranças religiosas de matriz africana, membros da comunidade e representantes do poder público foi a primeira audiência pública do ano legislativo de 2024. A mesa foi presidida pelo deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF), que repudiou o incêndio da véspera: "é crime de racismo e precisa ser combatido". 


Lideranças e praticantes de religiões de matriz africana participaram do debate / Júlio Camargo

Luta pela revitalização

A Praça dos Orixás, também conhecida como Prainha, foi inaugurada em 1990 às margens do Lago Paranoá, região central de Brasília, com 16 estátuas de orixás criadas pelo artista plástico baiano Tatti Moreno. Desde sua abertura, o espaço sagrado resiste a depredações motivadas por racismo religioso.

Em 2006, quatro estátuas foram arrancadas. A reinauguração com as obras restauradas só aconteceu em 2009, um ano após o local ser declarado patrimônio cultural imaterial do DF. Mesmo após esse reconhecimento, outras estátuas foram depredadas e incendiadas ao longo dos anos. Atualmente, os monumentos de Oxalá, Ogum e Ossain estão danificados.


Praça dos Orixás, às margens do Lago Paranoá / Bianca Feifel

"Nossos passos nessa Praça dos Orixás vêm de muito longe", relembrou Mãe Baiana, iyalorixá do Ilê Axé Oyá Bagan e coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO). São anos lutando com a administração pública para a revitalização do local, "desse espaço consagrado aos nossos orixás". "Chega de descaso!", protestou.

A yarobá Ty Nana Zulmira Inês do Ilê Magbá Biolá também criticou a inação do poder público em proteger a praça e os praticantes das religiões afro-brasileiras. "Continuamos jogados embaixo do tapete, no mesmo patamar de quando esse Brasil foi liberto. Há respeito para as igrejas evangélicas, as romanas, as neopentecostais, e para nós de matriz africana não é dado o mesmo respeito", argumentou. 

Diante do cenário de ataques e da negligência da administração local, as lideranças religiosas pleiteiam que a Praça seja entregue aos cuidados dos terreiros de matriz africana. "Entregue para gente, pra gente cuidar junto com o poder público", pediu a Yá Zulmira Inês.


Espaço em que ficava a estátua de Ogum na Praça dos Orixás antes de ser furtada / Bianca Feifel

O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira, ponderou que essa adoção é "complicada". A instituição adotante teria que arcar com todos os custos de manutenção, como energia elétrica e segurança, além dos gastos para a revitalização. 

Para ele, a participação do poder público foi "muito positiva", mas ele teme que as ações prometidas não sejam colocadas em prática. "Os encaminhamentos dados pela CLDF são sempre positivos, porém quando os recursos chegam às secretarias ou ao próprio GDF, a gente acaba ficando travado", avaliou. 

Segundo ele, o projeto de revitalização da Praça está na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), aos cuidados do governador Ibaneis Rocha (MDB). "Já se passaram mais de dois anos da queima do Orixá Ogum e a gente não conseguiu revitalizar nada", contou ao Brasil de Fato DF.

Encaminhamentos 

O administrador regional do Plano Piloto, Waldemar Medeiros participou da audiência pública e se comprometeu a tomar providências para aumentar a segurança na Praça dos Orixás, com mais iluminação, ativação de câmeras e contratação de vigilantes. 

“É uma segurança que precisa ser acompanhada regularmente, porque o racismo religioso também está muito institucionalizado nas forças de segurança”, acrescentou o deputado Gabriel Magno. Além dele, também estiveram presentes o deputado distrital Fábio Felix (PSOL) e a deputada federal pelo DF Erika Kokay (PT). 

Os três se comprometeram a destinar recursos de emendas parlamentares ao "Plano de Preservação Permanente da Praça", a ser construído por um grupo de trabalho composto por órgãos federais e distritais. O coletivo será montado pela Fundação Palmares, que participou da audiência representada pelo presidente João Jorge Santos Rodrigues.

 “O espaço precisa ser ocupado com cultura, com a diversidade, porque isso também traz segurança”, completou Magno.

Intolerância religiosa

Segundo dados obtidos pelo Brasil de Fato DF por meio da Lei de Acesso à Informação, em 2023, foram registradas 42 ocorrências de discriminação religiosa no Distrito Federal, 15 a mais que no ano anterior. A Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) não informou quantos desses crimes foram cometidos contra religiões de matriz africana, pois, segundo o órgão "não possuímos em nosso sistema campo em que seja informada qual a religião das vítimas nesses crimes". 

A maioria dos casos aconteceu no Plano Piloto e em Ceilândia, com cinco registros em cada. Em relação ao perfil dos autores dos atos de discriminação religiosa, 51% são homens, com idade média entre 25 e 30 anos. Em 10,5% dos casos o gênero não foi informado e em 42,8% não houve registro da idade do autor. 

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino