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Coluna

O discurso raso da FIFA sobre combate ao racismo no futebol

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Gianni Infantino se mantém no comando da FIFA através do voto das confederações - Lucas Figueiredo / CBF
Muito discurso, muita hastag e pouca (ou nenhuma) ação concreta por parte de quem tem o poder

*Luiz Ferreira

Falar de futebol nesses dias tão complicados tem feito com que eu me sinta preso numa espécie de “Dia da Marmota”. Exatamente como no filme “Feitiço do Tempo”, brilhantemente estrelado por Bill Murray e Andie MacDowell (fica aqui a referência do cinéfilo). A gente sempre volta nos mesmos assuntos, bate nas mesmas teclas e aponta o dedo para os mesmos problemas. Só que nada muda. Tudo continua a mesma coisa.

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A questão do combate ao racismo dentro e fora dos estádios segue na mesma linha. Muito discurso, muita hastag e pouca (ou nenhuma) ação por parte da FIFA. Isso porque a entidade que tem a caneta na mão e o poder de mudar as coisas segue achando que tá tudo certo ou que basta soltar notinha de repúdio pros problemas desaparecerem como num passe de mágica.

Voltemos ao último sábado (20). O jogo entre Milan e Unidese (válido pela 21ª rodada do Campeonato Italiano) foi interrompido aos 33 minutos da primeira etapa por conta de ofensas racistas dirigidas ao goleiro rossonero, o francês Mike Maignan. As duas equipes chegaram a sair de campo, mas a partida foi retomada cinco minutos depois. Vale destacar que Maignan foi constantemente vaiado pela torcida da Udinese sempre que pegava na bola.

No mesmo dia, no jogo entre Sheffield Wednesday e Coventry City pela Championship (a “segundona” do Campeonato Inglês), o meio-campista Kasey Palmer foi mais um a sofrer com insultos racistas vindo das arquibancadas. Os dois clubes lamentaram o ocorrido e publicaram mensagens de apoio ao jogador inglês.

Diante desses dois acontecimentos lamentáveis, o presidente da FIFA, Gianni Infantino emitiu um comunicado defendendo derrota automática em casos de racismo. Um dos trechos do comunicado diz o seguinte:

Além do processo de três etapas (partida interrompida, partida interrompida novamente e partida abandonada), temos que implementar a derrota automática para o time cujos torcedores cometeram racismo e causaram abandono da partida, bem como proibições mundiais de estádios, e acusações criminais para racistas.

Eu até acho importante que o presidente da entidade que comanda o futebol mundial tenha vindo a público defender a derrota automática em casos de racismo. Pode parecer pouca coisa, mas essa atitude mostra que o barco (ainda) não foi abandonado por completo (o que já é alguma coisa diante do cenário atual). No entanto (e já pedindo desculpas pela incredulidade e ceticismo deste que escreve para vocês), eu duvido muito que isso saia do papel. E eu posso enumerar uma série de motivos para isso.

Primeiro, porque ninguém quer combater o racismo. Sejamos sinceros e honestos, pessoal. Ninguém quer se meter com isso.

Vejam o que acontece com Vinícius Júnior no Real Madrid, por exemplo. É xingado dentro e fora do estádio, se posiciona, explode, provoca, tenta responder e a impressão que fica é a de que ele não encontra respaldo dentro do próprio time. Chega a dar raiva de alguns companheiros de equipe do brasileiro. Lembro que Vini tem apenas 23 anos e que exigir que ele carregue mais esse fardo (mesmo com toda a influência que ele exerce na sociedade como um todo) é querer que o camisa sete merengue se transforme em mártir, e não no ativo porta-voz da luta antirracista que já é.

E não me venham com o papo de que Vini Júnior é provocador, que atiça os adversários e que gosta de driblar em demasia. Não vi ninguém reclamar do Cristiano Ronaldo olhando pro telão, do Griezmann fazendo dancinha do Fortnite ou do Messi tirando a camisa e mostrando o número pra torcida do Real Madrid nos tempos do Barcelona.

Segundo, porque a própria FIFA não se ajuda. Ao mesmo tempo em que a entidade levanta hastag contra a homofobia, ela se deixa seduzir pelos dólares da Arábia Saudita e do Catar, países com seríssimos problemas de desrespeito aos direitos humanos. E eu nem preciso dizer o que acontece com quem se assume gay ou lésbica por lá não é?

Tipo, façam o que eu digo, mas não reparem nas pessoas com quem eu fecho meus contratos.

Sejam sinceros. Vocês acham mesmo que a FIFA teria coragem de eliminar uma Croácia ou uma Ucrâcia depois que a torcida desses dois países tenham entoado cânticos nazistas e/ou fascistas numa Euro? Ou declarar a derrota de uma Argentina depois que os “barra bravas” xingarem o goleiro do Peru numa Copa América? Ou até mesmo tirar um clube brasileiro de uma Libertadores por conta dos gritos de “bicha” pro goleiro adversário?

Eu gostaria muito de ver isso. Mas já sei que isso não passa daqueles devaneios dignos de um porre coletivo.

Não interessa à FIFA se indispor dessa maneira. Essa é a minha impressão mais sincera sobre esse assunto. As palavras de Gianni Infantino, por mais certeiras que possam ser, não significam muita coisa na prática justamente porque tudo o que vimos na prática passou longe pra caramba da teoria. É só rever os últimos acontecimentos.

A Espanha, país que ficou no olho do furacão por conta dos cânticos racistas dirigidos a Vinícius Júnior e por problemas de assédio sexual de um dos seus dirigentes numa premiação de Copa do Mundo Feminina, ganhou um Mundial masculino pra chamar de seu. O país europeu será uma das sedes da edição de 2030 junto com Portugal e Marrocos.

A Arábia Saudita, país conhecido pela perseguição aos opositores do regime, pela repressão às mulheres e à população LGBTQIPN+ é fortíssima candidata a ser sede da Copa do Mundo feminina. E outras nações conhecidas pelo completo desrespeito aos direitos humanos seguem disputando competições oficiais da entidade como se absolutamente nada tivesse acontecido.

Lembrem-se também que, apesar do discurso progressista, Gianni Infantino se mantém no comando da FIFA através do voto das confederações. E não é do interesse dele contrariar nenhuma delas.

Eu digo com toda a sinceridade que só vou acreditar nesse papo de derrota automática por conta de torcedores racistas quando a Dona FIFA ameaçar excluir países da Copa do Mundo. Ou pior: quando resolver tirar a sede de quem desrespeitar esses princípios. Que os mais esperançosos me perdoem, mas esse discurso raso já deu.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse