LUTA E CONQUISTA

CE: Primeira escola indígena na região do Cariri será implementada em Brejo Santo

A expectativa é que a nova instituição de ensino atenda estudantes do 1º ao 5º ano do ensino fundamental e do EJA

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |
A educação escolar indígena é uma modalidade específica, que garante aos povos originários a manutenção de sua cultura e sua memória histórica - Seduc

O ano começou com grande vitória para os povos indígenas no Ceará. Depois de intensa mobilização do povo isú-kariri em conjunto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o município de Brejo Santo, localizado na Região do Cariri, cerca de 500 km de Fortaleza, receberá a primeira escola indígena na região sul do estado.

O território do povo isú-kariri se distribui entre os municípios de Brejo Santo (CE), Jati (CE) e São José do Belmonte (PE). Com essa grande conquista, a população indígena do território Isú-Kariri terá acesso a uma educação escolar que abrange os aspectos intercultural, multilíngue e comunitário do seu povo, direito estabelecido no título VIII - “Da ordem social”, capítulo III - “Da educação, da cultura e do desporto”, da Constituição Federal (1988).

A luta pela conquista da escola não é de agora. Nos últimos anos, a população do território vinha se organizando de forma sistemática junto a outros territórios indígenas do estado para que os direitos básicos previstos na Constituição Federal fossem garantidos, desde a educação escolar indígena até o atendimento de saúde de qualidade para demandas específicas desses povos.


II Assembleia do povo isú-kariri, no terreiro sagrado da Aldeia das Queimadas, em Brejo Santo (CE) / Willian Kurruíra

Professora e liderança do território, Simone Isú-Kariri afirma que o processo de mobilização para implantação da escola na região começou há quatro anos atrás, e contou também com auxílio da Universidade Federal do Cariri (UFCA), campus Brejo Santo. A líder indígena destaca ainda que as mobilizações tiveram início durante as assembleias locais e estaduais construídas pela Articulação dos Povos Indígenas (API), que logo depois se intensificaram com a chegada de mais informações através do acesso ao serviço de internet.

Já o professor e diretor do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), Willian Kurruíra Kaipira, acredita que além do acesso a internet, o processo de mobilização ganhou ainda mais força com a inserção de mais indígenas nas universidades, que passaram a chamar mais atenção para os direitos básicos dos povos indígenas do território. “Durante muito tempo, nós indígenas fomos proibidos de nos auto reconhecermos enquanto sujeitos coletivos de um povo. Hoje, é possível ir aos espaços públicos se reconhecer enquanto isú-kariri e demandar pelos direitos consolidados no pacto social de 1988”, afirmou ele.

Em 2019, o município de Brejo Santo recebeu o I Encontro de Saberes Indígenas do Semiárido (EnSIS). O evento realizado em parceria com a UFCA foi responsável por abrir portas para o debate público sobre o que é ser indígena e os povos indígenas na atualidade e possibilitou a integração das lideranças indígenas isú-kariri ao Movimento Indígena Nacional. Foi nesse momento que Simone Isú-Kariri, Raimundo Isú-Kariri e outras lideranças passaram a participar ativamente das arenas de debate do movimento indígena, participando de assembleias indígenas locais, regionais e nacionais, do Acampamento Terra Livre (ATL), de reuniões no Ministério da Educação, no Ministério dos povos indígenas, levando a história e as demandas do povo, incluindo por saúde e educação específicas e diferenciadas.

Entre idas e vindas das lideranças isú-kariri para Fortaleza e Brasília, e a partir das articulações traçadas, o território recebeu no ano passado a visita de membros da FUNAI, que realizaram um amplo diagnóstico sobre as aldeias. A partir desse mapeamento, a instituição emitiu uma série de ofícios demandando dos órgãos federativos a urgência para a criação das escolas indígenas e de postos de saúde para atender o povo isú-kariri, em Brejo Santo.


A escola acrescentará ao conteúdo das disciplinas tradicionais os conhecimentos advindos dos processos comunitários e ancestrais / Adufc

Animada com a grande vitória, Simone expressa grande expectativa individual e também coletiva do povo Isú-Kariri. “Estamos todos felizes aqui na aldeia, para nós é uma grande conquista, onde vamos poder fortalecer cada vez mais a nossa identidade cultural, fortalecer o nosso povo. Então assim, é uma conquista que para nós aqui, eu não sei nem como explicar o sentimento que a gente está tendo aqui, de alegria e de gratidão”, encerra.

Joedson Kariri, membro da diretoria da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) afirma que a implantação da escola representa uma vitória para o movimento indígena no Cariri. "Nossos povos e comunidades não andam sozinhas, quando falamos em movimento é porque estamos na luta juntos. Então se um povo consegue uma vitória, a vitória é de todos nós, porque a escola do Isú irá fortalecer também todo o movimento no Cariri e no Ceará". De acordo com o representante da Fepoince, outros dois territórios indígenas ainda seguem na luta pela conquista da escola em seus território: os cariri de Poço Dantas-Umari, no município de Crato; e os karão-jaguaribaras, na cidade de Aratuba. Ele ainda detalha que o povo isú-kariri obteve essa conquista através da articulação municipal em conjunto com a prefeitura de Brejo Santo, diferentemente dos outros dois territórios, que apresentaram suas demandas ao Governo do Ceará.

De acordo com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), há atualmente quatro escolas das redes municipais de ensino de Maracanaú e Caucaia, uma creche localizada em Itapipoca e 38 escolas indígenas na rede estadual, distribuídas em 16 municípios: Acaraú, Aquiraz, Aratuba, Canindé, Caucaia, Crateús, Itapipoca, Itarema, Maracanaú, Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Pacatuba, Poranga, São Benedito, Tamboril e Quiterianópolis. Ao todo, mais de 8000 mil alunos possuem matrícula, distribuídos da educação infantil ao ensino médio.

Funcionamento da nova escola indígena

Em relação a estrutura material, a instituição de ensino deve funcionar em um prédio público da prefeitura de Brejo Santo, localizado dentro da comunidade, onde atualmente funciona uma creche. Já se tratando do setor pedagógico da instituição, a Comissão de Professores Indígenas Isú-Kariri (CoPIIK) deverá, no próximo sábado (20), iniciar um ciclo de partilha e escuta com a comunidade para construção coletiva do currículo específico e diferenciado.

No que diz respeito à contratação de docentes para o ensino das disciplinas, o processo de contratação ainda não foi oficializado, no entanto, a professora indígena Simone Isú-Kariri será remanejada do cargo da Secretaria da Saúde Municipal para a função de professora e outros professores indígenas serão contratados através de bolsas. A expectativa é que, ainda em 2024, o campus de Brejo Santo da UFCA inicie a formação de mais professores indígenas através da oferta da licenciatura intercultural indígena, do Programa Saberes Indígenas na Escola – MEC.

Quando procurado pelo Brasil de Fato Ceará, o professor Willian Kurruíra Kaipira afirmou que a prefeitura estuda junto ao jurídico a construção de processos seletivos específicos para os professores indígenas que possuem interesse em ensinar na escola. O professor ainda destaca que a UFCA será parceira, com atuação em projetos de extensão e na formação de professores indígenas. “A UFCA, junto ao movimento indígena do Cariri, submeteu uma proposta de criação da licenciatura intercultural indígena do programa “PAFOR Equidade”, do Ministério da Educação, e aguarda resposta prevista para o mês de fevereiro”, encerrou.

Simone Isú-Kariri destaca também que a conquista não seria possível sem a parceria firmada com outras instituições, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) e a UFCA, que está integrando a rede do Programa Saberes Indígenas na Escola, com recursos para formação continuada de professores, apoio às escolas indígenas e produção de materiais didáticos específicos, assim como a disponibilização de dinheiro para infraestrutura e transporte.

O plano é que a escola cresça a cada ano e se torne uma referência para o povo indígena da região. 

Legislação

A educação escolar indígena é assegurada na Constituição Federal Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que estabelece às comunidades indígenas o direito à educação diferenciada, específica e bilíngue.

A coordenação nacional das políticas de educação escolar indígena é de competência do Ministério da Educação (Decreto nº26, de 1991). Cabe aos estados e municípios a execução.

Outro documento importante é a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051/2004, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia