Rio Grande do Sul

Coluna

Pessoas nefastas e a água em Porto Alegre

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Moradores da Bom Jesus na fila para conseguir um pouco de água nos carros pipas - Foto: Letícia Fagundes
Cresce a consciência de que precisamos ir às ruas e intervir nos espaços de participação

“Ninguém pode alegar a própria torpeza, em benefício seu.”

O ministro Lewandowski, comentando os desvios da trupe de Moro em determinada ocasião, jogou na cara do Barroso, citando a alguém que não lembro, esta frase espetacular que deveria estar afixada na entrada da Prefeitura de Porto Alegre.

Vejam que o “nosso” prefeito Sebastião Melo, após apoiar a privatização dos serviços públicos de energia e água, no estado e na Capital; após desenvolver o mais acelerado arboricídio de nossa história, agravado por sistema de podas criminosas que fragilizaram as árvores em pé; após asfaltar ruas que serviam bem ao sistema de escoamento das chuvas e simplesmente dar as costas às demandas de movimentos sociais, apoiando as máfias da especulação imobiliária nas eleições para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, se superou, nos brindando com declarações espetacularmente torpes, ainda que supostamente espertas em benefício seu. 

Avisou aos porto-alegrenses que não estava conseguindo resolver os problemas da energia porque a empresa controladora dos serviços não estaria atendendo a seus chamados telefônicos, pediu paciência. Para nós, já no terceiro dia à luz de velas e com as geladeiras transformadas em armários com sacos de gelo no Zaffari, pediu paciência.

Pediu paciência para os que, no escuro e com geladeira cheia, estavam chamando amigos para churrascos que misturavam tilápia com guisadinho e frango, além de todo tipo de comida sob risco de apodrecimento...

Pediu paciência também para as pessoas com água pela canela, ou sem água para o banho e muitas inclusive sem água para dar descarga no vaso sanitário. Pessoas que subiam e desciam escadas no escuro, davam recarga no celular em supermercados e hospitais, e que não sabiam notícias dos seus, ou do que estaria acontecendo. E a culpa seria dos outros? Nada a ver com o prefeito e seus parceiros?

Culpa dos bueiros entupidos, das bombas inoperantes, e, com certeza, da empresa responsável pela energia que não atendia aos chamados do prefeito. Atenderia do governador? Não sabemos. Sabemos que não atendia aos nossos.

Sobre as árvores tombadas às centenas, vítimas mutiladas das podas criminosas, sem sustentação pelas raízes decepadas para ampliação das faixas de circulação de veículos, Melo foi ao limite: pediu que a população emprestasse ou doasse motosserras para a prefeitura. Imagino que teria os olhos úmidos, quando, em seu apelo para que o povo de quem ele se serve, mais uma vez ajudasse a prefeitura na recuperação da cidade, escreveu que “a vida só tem sentido se for comunitária”! Nisso ele está certo, e para que isso ocorra, a comunidade precisa se livrar dos oportunistas, dos espertalhões, dos que não se constrangem de explicitar a própria torpeza, em benefício seu.

Uma saída? Em Teresópolis o povo trancou a avenida Arnaldo Boher (e imagino eu também em outras), para onde em breve acorreu a Brigada Militar. A segurança pública tem sido rápida em abafar os movimentos de rebeldia, antes que a cidade tome ciência de sua erupção.

Talvez a queda das redes de comunicação também se associe a este fato: o povo desconectado, com raiva na medida que os problemas rotineiros daqueles sem teto, sem água e sem luz, que agora transbordaram para a classe média e alcançaram os edifícios da Bela Vista, Mont'Serrat e Três Figueiras, não poderia saber o que estava ocorrendo. Se soubesse, ficaria tentado a apoiar ações de rebeldia contra os que se pensam donos desta cidade e nos impõem suas "lógicas de mercado”, onde à precarização dos serviços se somam a elevação dos custos, a ocultação da verdade e a erosão da democracia.

Ainda assim, e em todas as conversas desta semana, cresce a indignação e a consciência de que precisamos ir às ruas e intervir nos espaços de participação popular. Neste mês, nas eleições do CMDUA, precisamos substituir os aliados das máfias e da corja no governo municipal, por representantes legítimos da sociedade, pessoas que vivenciaram esta crise, entendem suas causas e estão dispostos a retomar a cidade que queremos, e que já tivemos.

Em outubro precisamos eleger vereadores e prefeitos comprometidos com o mesmo projeto coletivo e contra o que nos tentam impor de forma acelerada desde o golpe de 2016.

Como música, para o prefeito, para o governador Leite, para seus apoiadores e para aqueles doidos, pessoas nefastas que gostavam de gritar “mito-mito”, e "privatiza, privatiza tudo", vamos de Gilberto Gil.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko