Em ato com as principais autoridades dos Três Poderes no Congresso Nacional para marcar um ano dos ataques golpistas nesta segunda-feira (8), os presidentes do Senado, do Supremo Tribunal Federal e da República foram uníssonos em afirmar que as tentativas golpistas serão punidas e que não há espaço no país para retrocessos antidemocráticos.
Dentre os presidentes, apenas o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não marcou presença. Ele alegou problemas de saúde do seu pai para não participar.
Os políticos da oposição, por sua vez, tiveram presença tímida no evento. Dos governadores de direita e centro-direita, apareceram somente os tucanos Raquel Lyra (PE) e Eduardo Leite (RS) e, entre os ex-presidentes, apenas José Sarney marcou presença, sem discursar. O governo do Distrito Federal, por sua vez, foi representado pela vice-governadora Celina Leão (PP), já que o governador Ibaneis Rocha (MDB) está de férias em Miami.
Último a falar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não há perdão para quem atenta contra a democracia e cobrou a regulação das redes sociais.
"Todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos. Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra o seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto para novos atos terroristas", afirmou o presidente. "Nossa democracia estará em constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais", seguiu o petista sob o aplauso dos presentes.
Em um auditório lotado com presença de movimentos sociais, ministros de governo, ministros de cortes superiores, advogados, governadores, dentre outros, foi unânime a defesa da democracia para além de ideologias. Até os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) marcaram presença no evento, sem discursar. Eles chegaram acompanhados do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, sentaram-se ao lado dele no auditório e ficaram enfileirados até o fim do evento. Como mostrou o Brasil de Fato, passado um ato dos ataques golpistas nenhum militar de alta patente foi sequer denunciado pela PGR por eventual omissão.
O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), utilizou seu discurso para anunciar a retirada das grades que cercam o Congresso desde o 8 de janeiro do ano passado. "É chegada a hora, em 8 de janeiro de 2024, um ano após essa tragédia democrática do Brasil, abrir o Congresso Nacional para o povo brasileiro. Retirar essas grades que circundam o Congresso Nacional, para que todos tenham a compreensão de que essa é a casa deles, é a casa do povo, é a casa de representantes eleitos, onde as decisões devem ser tomadas para o rumo do Brasil", disse Pacheco.
O parlamentar também ressaltou que os Poderes seguem vigilantes às tentativas golpistas. "Neste ato que celebra a maturidade e a solidez de nossa República, digo a todos os brasileiros que os Poderes permanecem vigilantes contra os 'traidores da pátria', contra essa minoria que deseja tomar o poder ao arrepio da Constituição", afirmou.
No evento também foi inaugurada a placa que marca a restauração da tapeçaria que pertence ao Congresso criada pelo paisagista e arquiteto Roberto Burle Marx e que foi depredada pelos vândalos. Além disso, foi feita a entrega da cópia da Constituição de 1988 que havia sido roubada pelos golpistas no ano passado e foi recuperada graças às investigações da Polícia Federal.
'Não há espaço para quarteladas'
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luis Roberto Barroso, abriu seu discurso afirmando que alguns episódios como o 8 de janeiro definem o "caráter de uma nação". Ele lembrou ainda que o ato golpista foi "meticulosamente preparado" e ressaltou a resiliência das instituições.
"A despeito de tudo, as instituições venceram, a democracia prevaleceu. A reação do Presidente da República, do Presidente do Senado, do Presidente da Câmara e da Presidente do Supremo Tribunal Federal, dos diferentes setores da sociedade civil e da imprensa demonstrou que já superamos os ciclos do atraso. Já não há mais espaço na vida brasileira para quarteladas, quebras da legalidade constitucional ou descumprimento das regras do jogo", afirmou o ministro, aplaudido pelos presentes.
Barroso ainda criticou em seu discurso a postura dos vândalos que atacaram as instituições no ano passado e se dizem cristãos. "De tudo o que vi e ouvi, um fato me causou especial abalo. Um policial judicial do Supremo me descreveu que, após marretadas na parede e arremesso de móveis e de objetos, muitos dos invasores se ajoelhavam no chão e rezavam fervorosamente. De onde, Deus do céu, poderá ter saído essa combinação implausível de religiosidade com ódio, violência e desrespeito ao próximo? Que desencontro espiritual pode ser esse que não é capaz de mínima distinção entre o bem e o mal, entre o estado de natureza e a civilização? Que tipo de inspiração terá empurrado essas pessoas numa ribanceira moral?", indagou.
Ao final de seu discurso, o magistrado ainda pregou a necessidade de união. "Ódio, mentiras e golpismo nunca mais! Que todos os brasileiros – liberais, progressistas e conservadores – possam se unir em torno dos denominadores comuns que estão na Constituição. É inegável que todos nós vivemos a aflição de um país que ainda está aquém do seu destino, com muita pobreza e desigualdade, em que a prosperidade não é para todos. Mas a história é um caminho que se escolhe, e não um destino que se cumpre."
Metáfora de Churchill
Já o ministro do STF Alexandre de Moraes, responsável por conduzir as investigações sobre os envolvidos no 8 de janeiro, citou o ex-primeiro ministro inglês Winston Churchill, que governou a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, para afirmar que não deve haver "apaziguamento". "O fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento", afirmou o ministro.
"Apaziguamento também não representa paz, nem união. Um apaziguador, como lembrado pelo grande primeiro-ministro inglês Winston Churchill, é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado. A democracia brasileira não admitirá a ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso histórico foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler", seguiu Moraes.
Ele ainda afirmou que é necessário olhar para o futuro e combater o que classificou como instrumentalização das redes sociais pelo populismo digital extremista.
"A ausência de regulamentação e a inexistente responsabilização das redes sociais, somadas à falta de transparência na utilização da inteligência artificial e dos algoritmos, tornaram os usuários suscetíveis à demagogia e à manipulação política, possibilitando a livre atuação no novo populismo digital extremista e de seus aspirantes a ditadores", ressaltou o ministro, que também defendeu a regulamentação das redes.
'Só perguntando para eles'
Ao final do evento, algumas das autoridades presentes conversaram com a imprensa. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), atribuiu a ausência de parlamentares que não são de esquerda no evento à época do ano e ao fato de o evento não ter sido anunciado com tanta antecedência aos parlamentares.
"(A baixa presença de parlamentares) Era esperado, porque janeiro, depois de um ano puxado como este, muita gente está no exterior, em férias com a família", disse o senador. Ele defendeu que o evento poderia ter sido realizado em fevereiro, na reabertura do ano no Congresso, mas disse que o presidente Lula e outras autoridades preferiram manter no dia 8 de janeiro.
Questionado sobre a ausência dos governadores de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, três estados governados por nomes da oposição e que foram eleitos na esteira do bolsonarismo, Wagner respondeu: "Ai só perguntando para eles".
O governador de Minas, Romeu Zema (Novo) chegou a divulgar em seu perfil oficial no Instagram um vídeo em frente ao Ministério da Fazenda no qual afirma que está em Brasília para tratar da dívida do estado com a União. Ele afirma que sua ida ao ato no Congresso estava prevista, mas que teria sido informado de que seria um "evento político" e que por isso não participaria.
"Estava prevista minha ida a um evento institucional no Congresso, mas infelizmente recebi informações de que ele se transformou em um evento político. Sou totalmente favorável à democracia, aqueles que praticaram vandalismo precisam ser punidos. O Brasil precisa de menos política e mais gestão para resolver seus problemas", afirmou.
Dos governadores do Sudeste, apenas Renato Casagrande (PSB) marcou presença. Segundo o jornal O Globo, a assessoria do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), informou que ele está na Europa. Já Cláudio Castro (RJ) alegou que tinha uma reunião de secretariado marcada. Com exceção de Eduardo Leite, nenhum governador do Sul marcou presença. Dos estados do Centro-Oeste, apenas o DF tinha representante no ato.
Também questionado, o líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, considerou lamentável a ausência de políticos da oposição e disse que deveria ser uma preocupação de todos os que tem compromisso com a democracia comparecer ao ato. "Acho lamentavel, hoje não é um evento de direita ou de esquerda, é um evento da democracia brasileira, da República brasileira. É um evento para dizer que este salão negro invadido e depredado há um ano não pode nunca mais voltar a ser invadido. O Parlamento, com todas suas vicissitudes, é também a virtude da democracia", disse.
Edição: Nicolau Soares