Força eleitoral

Bolsonaro perdeu capital político, mas ainda será o cabo eleitoral da extrema direita em 2024

Casos de corrupção e CPMI do 8 de janeiro não foram suficientes para acabar com força política do ex-presidente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em caso de condenação, novas declarações de inelegibilidade contra Bolsonaro podem ser estipuladas - Douglas Magno/AFP

As manifestações bolsonaristas nas últimas semanas do ano apontam que a extrema direita ainda está atuante mesmo após os escândalos de corrupção envolvendo Jair Bolsonaro (PL) e a frustrada tentativa de um golpe de Estado.

Os bolsonaristas se manifestaram contra a indicação de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF) e em relação à morte de Cleriston Pereira da Cunha no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Ele estava preso por participar dos atos golpistas do 8 de janeiro que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.

As manifestações são um indício de que o bolsonarismo "ainda goza de uma fatia importante da opinião pública", na opinião de André Kaysal, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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A análise é que, ao longo do seu governo do ex-presidente, o bolsonarismo foi capaz de consolidar uma base de apoio muito forte. "Nós estamos falando mais ou menos de um quarto do eleitorado que segue se referenciando em Bolsonaro em alguma medida. Se pegarmos o primeiro turno [das eleições presidenciais de 2022], estamos falando de 43% que decidiram votar nele. Agora já provavelmente não é mais isso, mas ainda assim existe uma base de massas que se referencia na direita e, em particular, na extrema direita, e tem no Bolsonaro a sua principal referência."

"O fato é que, apesar de ter queimado muito o capital político desde então, seja por não ter encabeçado, como seus apoiadores mais radicais esperavam, um golpe, seja pelos casos de corrupção, seja pelo seu próprio sumiço no atribulado período de transição, o Bolsonaro queimou o capital político, mas é impressionante que ainda tem muito", afirma o cientista político.

Outro fator desgastante foi a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, que jogou holofotes sobre as articulações da extrema direita para um golpe, envolvendo o próprio Bolsonaro, seus apoiadores, nomes do antigo governo e militares de alta patente.

Sobre isso, Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP), afirma que a CPMI foi "extremamente desgastante politicamente" para o bolsonarismo, ainda que tenha conseguido emplacar vários nomes no Congresso Nacional. "Teve uma radicalização do Congresso em favor de Bolsonaro. Embora o PT tenha levado a Presidência, o bolsonarismo conseguiu emplacar nomes de peso no Congresso", acrescentou.

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Outro ponto de destaque foi a inelegibilidade de Jair Bolsonaro por dois ciclos eleitorais decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Ele foi acusado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) de utilizar o aparato público para favorecer a si mesmo no processo eleitoral do ano passado. O que motivou a ação foi a reunião de Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho do ano passado, bem como sua ampla divulgação, pela TV Brasil e suas redes sociais.

"A gente teve várias iniciativas de lados diferentes, mas que ainda não foram possíveis, porque, se a gente olhar para a sociedade, o movimento bolsonarista continua aí presente, é só olhar para os últimos protestos", afirma Barreto.

Ainda de acordo com a pesquisadora, "ao mesmo tempo a gente percebe que as instituições de alguma maneira se encontram amarradas, tanto que Bolsonaro não foi preso, só foi declarado inelegível. Mas em termos de justiça comum, as investigações continuam de alguma maneira travadas".


Depoimento para CPMI do golpe, 11/07/2023, do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante-de-ordens do então presidente Jair Bolsonaro / Lula Marques/ Agência Brasil

A cientista política afirma que, embora tenham sido feitas iniciativas relevantes, não foram suficientes. "A gente teve quatro anos de autoritarismo, todo dia, desde a Presidência da República, escalonando e capilarizando-se pelas instituições. E o Bolsonaro surfou um movimento civil que já estava sendo gestado antes dele. Ele conseguiu ser o nome de uma nova direita que estava sem líder e que estava procurando cabeças. Então, é um movimento que não dá para desconstruir do dia para o outro, muito pelo contrário. Isso exige muita cultura democrática, muita responsabilização institucional", analisa Barreto.

Cenário internacional ajuda o bolsonarismo 

Apesar de ter perdido a eleição presidencial no Brasil, a extrema direita segue atuante em espaços institucionais importante mundo afora. O ultraneoliberal Javier Milei ganhou na Argentina e já segue implementando medidas de austeridade econômica, como a flexibilização da regulamentação sobre o mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, há uma boa chance de o ex-presidente Donald Trump retornar à Casa Branca.  

Na visão de André Kaysal, se Trump ganhar as eleições, "o pior estará por vir". "Se daqui a um ano, Trump for presente eleito nos Estados Unidos, o que ao que tudo indica é uma possibilidade real, a internacional reacionária, que é um dado da política contemporânea, ganhará de novo o apoio da Casa Branca, o que é algo enorme", afirma Kaysal.

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"As eleições de 2026 no Brasil serão muito mais complicadas. Porque se nós não tivemos um golpe de Estado no Brasil em 2022 depois das eleições, isso se deve em parte ao fato de que não havia nenhuma disposição da Casa Branca em apoiar esse golpe. Os militares brasileiros não quiseram correr o risco de um isolamento internacional."

Eleições municipais de 2024 

A força do bolsonarismo deverá ficar mais explícita nas eleições municipais de outubro deste ano. Na opinião do cientista político, a corrente tem apoio de uma fatia expressiva da opinião pública, o que cria uma "situação paradoxal": não está apto a concorrer, mas continua com uma força eleitoral importante, o que favorece os candidatos do ano que vem.

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O próprio ex-presidente, no entanto, não ungiu um sucessor nem abdicou ser a principal liderança. Como afirma Lincoln Telhado, doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), a figura de Bolsonaro nesse momento é de um cabo eleitoral.  

"Teve um arrefecimento na parte judicial e agora ele começa a tentar retomar aquela mobilização que ele sempre fez. Ele não está mais na mídia por conta dos processos ou de acusações. Então, ele se coloca agora como um cabo eleitoral, digamos assim, um puxador de votos, um grande centro das atenções bolsonaristas", afirma o cientista político.

Telhado explica que o bolsonarismo tem a característica de ser forte nas urnas devido ao alinhamento dos valores articulados por Bolsonaro. “Até por isso que nos quatro anos de governo ele apostou muito na mobilização para manter o eleitorado ali”, diz.  

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"Enquanto fenômeno eleitoral, o bolsonarismo ainda tem muita força. Ele vai continuar com essa estratégia. A gente tem que lembrar que na última eleição, o PL fez 99 deputados federais, a maior bancada da Câmara. Ter o Bolsonaro no palanque é muito positivo. As eleições de 2024 vão ser um grande termômetro para saber se após a saída da Presidência ele continua se mantendo relevante. Mas pelo que eu vejo de movimentação, ele não está fraco", explica o cientista.

Como afirmou o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as eleições municipais devem ser "outra vez Lula e Bolsonaro disputando nos municípios". "Vamos fazer as eleições mais competitivas, mas a gente não terá medo de ninguém. O único medo que a gente tem de ter é o de trair a expectativa que o povo brasileiro tem no PT e nos nossos aliados", disse em coletiva de imprensa no início de dezembro.

Edição: Rebeca Cavalcante