Termina nesta quarta-feira (27) o prazo para que o presidente Lula (PT) decida os rumos do Projeto de Lei (PL) 1459/2022, apelidado pelo campo progressista de “PL do Veneno” por facilitar a disseminação de agrotóxicos no país. Informações extraoficiais divulgadas pelo jornal O Globo na noite desta data indicam que o petista teria vetado 11 trechos da proposta, mas a decisão oficial sobre o corte só deve sair no Diário Oficial da União (DOU) de quinta-feira (28).
A proposta está cercada de pressões de diferentes lados porque o texto está entre as pautas que opõem ruralistas e ambientalistas. Fontes ouvidas pelo Brasil de Fato ao longo do dia afirmam que a expectativa, nos bastidores da política institucional, é de que o petista de fato confirme vetos parciais ao projeto. Um dos trechos cortados seria o que amplia os poderes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pasta dominada politicamente por ruralistas, no processo regulatório de liberação de pesticidas e reduz ou encerra a participação de outros órgãos na cadeia de avaliação de venenos.
Considerado um dos aspectos de maior preocupação no PL por reduzir a rigidez do processo, esse ponto foi, segundo informações apuradas pela reportagem, um dos destaques de reunião ocorrida na semana passada entre a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e um grupo de parlamentares do PT que procurou a mandatária para pedir apoio contra o projeto. Como a Presidência da República costuma ouvir alguns ministérios antes de aprovar ou vetar um projeto de lei, a comitiva, composta pelo senador Beto Faro (PT-PA) e por cerca de oito deputados, apresentou à ministra uma série de preocupações científicas e políticas com o texto.
“Dissemos a ela que nossa vontade é de que o veto fosse integral, mas também levantamos os pontos mais graves, como é caso da retirada de poder da Anvisa e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) no processo regulatório dos agrotóxicos”, disse ao Brasil de Fato o deputado Nilto Tatto (PT-SP). Ele conta que os parlamentares mencionaram ainda a preocupação com a colocação de prazo para a avaliação e a liberação de pesticidas no país. O PL estipula diferentes limites de tempo, a depender do tipo de produto, com períodos que variam entre 30 dias e 24 meses.
“Não dá pra você colocar prazo porque, dependendo do tipo de agrotóxico, isso não é suficiente. As análises de risco implicam [em se cumprir] o tempo de maturação das pesquisas, garantindo uma segurança naquilo que se vai liberar”, defende Tatto. Em nota técnica apresentada pelos parlamentares à ministra da Saúde, o grupo qualifica os prazos como “sumários e irrealistas” e argumenta que na União Europeia, tida como referência de cautela nesse tipo de questão, os prazos para a conclusão das avaliações são de cerca de três anos e sete meses.
Ex-presidenta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade foi procurada não só pela busca de apoio político, mas também por conta de seu reconhecido perfil técnico. “Nossa ida lá foi no sentido de pedir à ministra que subsidiasse bem o presidente Lula tecnicamente, principalmente nos aspectos da saúde, pra que isso pudesse embasar os [eventuais] vetos. Ela buscou não antecipar pra gente o que faria, mas também, ao mesmo tempo, disse que já tinha uma equipe trabalhando no tema e que ela já tinha muito conhecimento sobre o assunto. Ela não foi afirmativa, mas pareceu convencida [dos nossos argumentos]”, afirma o deputado Airton Faleiro (PT-PA).
Tema espinhoso
Nilto Tatto destaca a aridez do jogo político que circunda o PL. “É sempre difícil pro presidente vetar pautas que mexem com os interesses da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) porque boa parte do centrão é da bancada ruralista e, se você pensar assim, boa parte do centrão também é da base do governo. A dificuldade é natural. Então, toda vez que houver votações de PLs de interesse direto do agronegócio sempre vai ser difícil pro governo Lula. Mas há sempre o risco também de ele vetar e o Congresso depois derrubar o veto.”
Apesar do discurso progressista entoado pelo governo, o tema da liberação de agrotóxicos se tornou um dos calos no pé da gestão, que este ano seguiu o ritmo de autorizações de pesticidas que já vinha sendo adotado pela gestão Bolsonaro, fase em que o problema ganhou maior destaque por conta do grande volume de venenos liberados. Dados do Ministério da Agricultura (Mapa) mostram que cerca de 500 produtos do tipo receberam sinal verde da gestão entre janeiro e novembro deste ano.
“É um governo com muita dificuldade desse ponto de vista porque, pra ele ganhar, foi preciso construir uma frente ampla. Pra governar, tem que consultar essa frente. Tem momentos em que o conjunto da base do governo segue o mesmo rumo, tem momentos em que não. Essa é, por exemplo, uma pauta que não unifica. Pelo contrário, divide”, comenta Airton Faleiro.
Edição: Rebeca Cavalcante