China avançou na internacionalização do yuan e na criação de alternativas ao uso do dólar
Caros leitores,
Mais um ano está chegando ao fim, o quarto ano desde que fundamos a Dongsheng e começamos a publicar o Notícias da China. Gostaríamos de agradecer seu apoio, sua leitura atenta, suas críticas e comentários. Neste ano, ultrapassamos 100.000 seguidores somando todas as plataformas em que estamos presentes com conteúdo em espanhol, inglês e português. Como de costume, encerramos o ano com uma retrospectiva dos eventos mais importantes para a China. Na próxima semana, além disso, também publicaremos um resumo em vídeo da China 2023. Por fim, como leitura adicional para dar início ao novo ano, lançamos nossa quarta e última edição do ano de Wenhua Zongheng, Perspectivas chinesas sobre o socialismo do século XXI. Esperamos que você goste.
Desejamos a você um Feliz Natal!
– Coletivo Editorial Dongsheng
Geopolítica
A abertura das fronteiras chinesas para o mundo na segunda semana de janeiro deste ano – depois de três anos de pandemia e restrições à entrada de estrangeiros no país – possibilitou a retomada de uma intensa agenda diplomática de Pequim, cada vez mais dedicada ao fortalecimento de seus laços no Sul Global. A China teve papel importante na histórica expansão dos BRICS, consumada em agosto na África do Sul. Em março, Pequim mediou o acordo de retomada de relações diplomáticas – rompidas havia sete anos – entre a Arábia Saudita e o Irã, que abriu as portas para a adesão de Riad e Teerã aos BRICS11.
Em outubro, Pequim organizou o III Fórum da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) – com a participação de 151 países – e celebrou os 10 anos de sua principal política externa, que já mobilizou cerca de 1 trilhão de dólares em centenas de projetos, sobretudo de infraestrutura, ao redor do mundo.
A estratégica relação entre China e Rússia se aprofundou em 2023, com dois encontros entre seus presidentes. Em março, em Moscou, Vladimir Putin afirmou que a relação entre ambos os países se encontra no nível mais alto de sua história, enquanto Xi Jinping disse que eles estão liderando mudanças inéditas em cem anos. O comércio entre russos e chineses bateu recorde esse ano, atingindo US$ 218 bilhões em novembro, com um crescimento de 26,7% na comparação anual. 95% do seu comércio bilateral já é feito em rublos e yuans, marcando o grande avanço da desdolarização entre seus países.
Aliás, a China avançou na internacionalização do yuan e na criação de alternativas ao uso do dólar. Pela primeira vez na história, a maior parte do comércio exterior chinês (49%) foi realizada em yuans. O país assinou um acordo com o Brasil para realização de comércio e investimentos em moedas locais, e hoje possui acordo similar com mais de 20 países. Pequim também realizou swaps cambiais com a Argentina, que pagou parcelas de sua dívida com o FMI em yuans, algo inédito na história do fundo. A China fechou acordo para comprar petróleo do Iraque – seu terceiro maior fornecedor – em yuans, e fez a primeira compra dessa commodity estratégica em yuan digital. No entanto, a participação do yuan no comércio mundial ainda é baixa, tendo atingido menos de 4% entre janeiro e setembro.
Já as tensões entre China e EUA aumentaram ao longo do ano, principalmente por conta da política ambígua de Washington em relação a Taiwan e do avanço das sanções que visam bloquear o acesso da China aos semicondutores de última geração. Mesmo assim, a chinesa Huawei surpreendeu o mundo (sobre isso, leia mais adiante). A reunião entre Xi e Biden em novembro serviu para minimizar um pouco as tensões, retomando o diálogo entre seus ministros da defesa e para a cooperação no combate ao aquecimento global, mas o ano terminou com declarações polêmicas da secretária de comércio dos EUA, Gina Raimondo. Ela disse aos CEOs das companhias de fabricantes de chip estadunidenses – cujos lucros devem diminuir com as sanções da Casa Branca – que se conformem, pois a segurança nacional é mais importante que seus lucros de curto prazo.
Por fim, diante do genocídio do povo palestino, a China tem condenado veementemente as ações de Israel e insistido no cessar-fogo e na realização de uma conferência internacional que chegue a um acordo pelo direito do povo palestino de ter o seu Estado.
Política Nacional
O ano começou com a flexibilização das restrições da COVID-19, que registrou um pico de casos e mortes relacionadas. A partir do Ano Novo Chinês, os casos caíram, as restrições diminuíram e houve um retorno à normalidade no restante do ano.
Com a queda das temperaturas neste inverno, a China observou um aumento nos níveis pré-pandêmicos de doenças respiratórias entre as crianças. Apesar das especulações e notícias falsas que circularam na mídia ocidental sobre um novo surto de vírus, nenhum novo patógeno foi detectado, apontando, em vez disso, para uma “lacuna de imunização” devido à menor exposição durante os anos de pandemia da Covid-19.
Um dos principais temas da política interna continuou a ser a campanha anticorrupção do país, que se esforçou para levar a campanha a um “nível mais profundo”, concentrando-se em grandes áreas como defesa, saúde e esporte.
Nos primeiros dez meses de 2023, 115.000 membros do PCCh foram investigados e 80.000 foram punidos por violar medidas “anti-extravagância”. Um recorde de 41 altos quadros do PCCh foram presos em investigações de corrupção, incluindo aposentados e cargos ministeriais e de empresas estatais, como o ex-vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da China. Mais de quatro milhões de quadros do PCCh em nível regional e 533 em nível vice-ministerial ou superior foram investigados desde seu lançamento, após a eleição de Xi como Secretário Geral do PCCh em 2012.
Em meio ao aumento das sanções dos EUA, atender às demandas internas e estabelecer a autossuficiência foram as principais prioridades. Para estimular o crescimento econômico, foram feitos maiores esforços para integrar os graduados universitários à força de trabalho e, para lidar com o aumento do desemprego entre os jovens urbanos, há planos para aumentar a contratação de funcionários públicos em 16%.
Outro foco importante foi o desenvolvimento das regiões oeste e nordeste da China. O nordeste, uma região que sofreu desindustrialização durante o período de reforma, recebeu atenção renovada. Com um aumento interanual de 5,3% no PIB entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2023 – maior do que o PIB nacional de 5,2% – a província de Liaoning será o foco da construção de um sistema industrial moderno para aumentar a autossuficiência do país após as crescentes tentativas dos EUA de impedir que a China participe da cadeia de suprimentos global de alta tecnologia.
O comércio exterior da Região Autônoma de Xinjiang Uygur aumentou 51,25% em relação ao ano anterior, atingindo R$ 146,5 bilhões entre o primeiro e o terceiro trimestre de 2023, e o comércio com cinco nações da Ásia Central cresceu 59,1%, atingindo R$ 120,8 bilhões. Uma Zona de Livre Comércio planejada para a região visa transferir, do leste da China para o oeste, as cadeias industriais orientadas para a exportação e com uso intensivo de mão de obra, ampliando o alcance industrial das áreas costeiras da China.
Economia
Para enfrentar a crise do mercado imobiliário que vem ocorrendo há vários anos, este ano o governo iniciou um programa piloto para impulsionar o investimento privado no setor e ajudar as incorporadoras a reduzir suas dívidas, os índices de alavancagem e a recuperar a liquidez. O Banco Popular da China anunciou a extensão de um programa especial de empréstimos para empresas do setor imobiliário, que lhes permite acesso a 200 bilhões de yuans (R$ 136,8 bilhões) a custo quase zero. Por fim, o governo flexibilizou a política de hipotecas e ampliou os incentivos fiscais para as incorporadoras imobiliárias a fim de estimular o mercado imobiliário.
O número de bilionários na China caiu pelo segundo ano consecutivo: há 224 indivíduos (15%) a menos do que há dois anos, quando o pico foi atingido. A riqueza total caiu 4% para US$ 3,2 trilhões, com quase 500 pessoas saindo da lista nos últimos dois anos. Entretanto, a China continua sendo o país com o maior número de bilionários em dólares do mundo (895).
O PIB da China atingiu 91,3 trilhões de yuans (R$ 60,9 trilhões) no terceiro trimestre, crescendo 5,2% em 2023, acima da meta de 5%. Porém, em meio à desaceleração econômica mundial e às tensões geopolíticas, o comércio exterior da China foi afetado: nos primeiros 11 meses de 2023, as exportações contraíram 5,2%, enquanto as importações caíram 6%. A redução do comércio com os EUA, a UE, o Japão e os principais parceiros comerciais do Sudeste Asiático contribuíram para a queda.
Durante o ano, o governo promoveu medidas para estimular a atividade econômica:
– Os governos provinciais planejaram aumentar a contratação anual de funcionários públicos em 16% (totalizando 192 mil cargos), com foco nos jovens, enquanto o desemprego entre os jovens urbanos atingiu o maior nível de todos os tempos em 2023 (19,9% em julho).
– O Banco Central transferiu R$ 770 bilhões em lucros para o Ministério das Finanças para aumentar os gastos fiscais, reduziu o depósito compulsório para 7,6%, injetando R$ 341,7 bilhões em liquidez no mercado e cortou as principais taxas de empréstimo para estimular o investimento e o consumo.
– Os investimentos das empresas públicas atingiram R$ 1,16 trilhão no primeiro semestre do ano, um aumento de 12,5% em relação ao ano anterior. O investimento ferroviário da China atingiu seu nível mais alto desde 2013 no primeiro trimestre, R$ 77,6 bilhões.
– Em sua primeira revisão orçamentária desde 2008, o governo aprovou 1 trilhão de yuans (R$ 680 bilhões) em novos títulos e aumentou seu déficit de 3% para 3,8% do PIB.
Perto do final do ano, o turismo doméstico excedeu os níveis pré-pandêmicos pela primeira vez durante a Golden Week. No entanto, as taxas de escritórios de alto nível desocupados na China estão mais altas agora do que durante a política de COVID-19 zero; em Shenzhen, chegou a 27%, e a taxa em Guangzhou atingiu a maior alta em 10 anos, de 20,8%.
Agricultura e Meio Ambiente
Mais de 60% das 146 milhões de toneladas de alimentos importados pela China foram de soja, principalmente dos EUA e, nos últimos anos, do Brasil, devido à deterioração das relações entre a China e os EUA. Para resolver esse problema e priorizar a segurança alimentar, conforme descrito no Documento Básico nº 1 deste ano, foi dado um passo importante com a legalização de culturas geneticamente modificadas. Após vários anos de preparativos meticulosos e avaliações rigorosas, em 21 de fevereiro de 2023, o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China se comprometeu a expandir projetos-piloto para a industrialização de milho e soja transgênicos. Posteriormente, em 17 de outubro, foi concedida uma aprovação que permite o cultivo de 37 variedades de milho transgênico e 14 variedades de soja transgênica em áreas designadas a partir de 15 de novembro. Com a adoção de culturas transgênicas, o país pretende melhorar a capacidade de produção doméstica e mitigar os riscos associados à dependência excessiva de fontes estrangeiras de alimentos.
A mudança climática continua a causar estragos na China. Neste verão, o norte da China registrou as chuvas mais intensas dos últimos 70 anos. As chuvas torrenciais provocadas por dois tufões sucessivos intensificaram as preocupações com a segurança alimentar da China em meio às restrições de exportação impostas por outras nações, que elevaram os preços globais dos alimentos. Os agricultores da principal região produtora de grãos do país lutaram para salvar as plantações afetadas pelas enchentes. O tufão Doksuri atingiu as províncias de Heilongjiang, Jilin e Liaoning, conhecidas como o celeiro da China, responsáveis por mais de 1/5 da produção de grãos do país.
Apesar de continuar sendo o maior consumidor de carvão do mundo, a China se classificou mais um ano como o maior produtor de energia renovável do mundo. Em 2023, a capacidade solar nova criada pela China equivale a capacidade total instalada nos EUA.
O país controla mais de 80% da cadeia de suprimentos global de painéis solares e pode fabricar mais do que o dobro da demanda global anual.
Até 2023, a capacidade instalada de armazenamento de baterias excederá o total adicionado na última década. Com a construção de energia solar e eólica anunciada ou iniciada, a China excederá as metas de energia limpa cinco anos antes do previsto. Espera-se que as emissões de dióxido de carbono da China diminuam no próximo ano como resultado do crescimento recorde de novas fontes de energia.
Ciência e Tecnologia
Sem dúvida, a grande conquista tecnológica da China em 2023 foi ter conseguido a fabricação doméstica do microchip de 7 nanômetros. A Huawei surpreendeu o mundo com seu novo celular Mate 60 Pro. Sem aviso prévio, a empresa chinesa usou um chip de 7 nm fabricado por sua subsidiária HiSilicon com tecnologia da empresa chinesa SMIC. Embora ainda esteja atrás dos microprocessadores mais avançados de 3 nm, a China atingiu essa meta em apenas 5 anos. O apoio do Estado foi fundamental para compensar os altos custos de produção resultantes das sanções dos EUA. No último ano, a Huawei recebeu mais de R$ 4,4 bilhões e a SMIC cerca de R$ 4,65 bilhões de yuans nos últimos três anos.
O telefone marcou o retorno da Huawei ao mercado de smartphones 5G, e a empresa também lançou o 5.5G ou 5G Advanced. Ele é 10 vezes mais rápido que o 5G tradicional, que já está amplamente implantado na China. Por outro lado, cientistas chineses conseguiram a primeira transmissão sem fio usando a tecnologia 6G, embora ela ainda esteja longe de ser aplicada em telefones celulares.
A China anunciou oficialmente seu plano de chegar à Lua em 2030 e seria o segundo país a fazê-lo, depois da última aterrissagem lunar dos EUA em 1972. A agência espacial chinesa está colaborando com a Rússia para construir uma base lunar conjunta em meados da década de 2030. Para isso, alguns pesquisadores chineses propõem a fabricação de tijolos a partir do solo lunar usando um robô, impressoras 3D e lasers, embora isso possa levar de 20 a 30 anos e haja vários desafios, como baixa gravidade, terremotos lunares, forte radiação cósmica e falta de água. Porém, neste ano, cientistas chineses descobriram um reservatório de água na Lua dentro de esferas de vidro geradas pelo vento solar. Em 2025, a missão Chang’e 6 será a primeira da história a coletar amostras do lado escuro da lua.
A China Railway concluiu os testes do novo trem de alta velocidade CR450, que atingiu 453 km/h, tornando-se o mais rápido do mundo. Os trens-bala já instalados na China atingem atualmente 350 km/h.
Finalmente, neste ano, a China passou de compradora a produtora de chapas de aço de alta qualidade. Em menos de uma década, conseguiu desenvolver o produto que passou a custar, por grama, tanto quanto o ouro.
Cultura e Vida do Povo
De acordo com a pesquisa de felicidade global da Ipsos de 2023, a China ocupou o primeiro lugar, com 91% dos entrevistados chineses expressando felicidade geral, 83% expressando satisfação com o cenário social e político e 78% com a situação econômica. Notavelmente, a pesquisa revelou que os chineses atribuem sua felicidade principalmente à presença de amigos e filhos em suas vidas.
2023 foi um ano de esportes, desde o cenário internacional até o nível de base. Após um atraso de um ano devido à COVID-19, os Jogos Asiáticos foram inaugurados em Hangzhou com 80 mil espectadores. A 19ª edição dos jogos contou com 12.500 atletas de 45 países e territórios competindo em 42 esportes, incluindo esportes de origem asiática, como Kabaddi, Sepak Takraw e Wǔshù, e um novo esporte, como breakdance. Mais de 3 milhões de ingressos foram vendidos, gerando mais de R$ 410 milhões em vendas. Foram alcançados 15 recordes mundiais, 37 recordes asiáticos e 170 recordes dos Jogos Asiáticos, com a China liderando a contagem de medalhas de ouro com 200 medalhas.
As competições esportivas de base também ganharam popularidade em todo o país. Em pequenos vilarejos da província de Guizhou, no sudoeste da China, a Village Basketball Association e a Village Super League, também conhecidas como Cun Chao, atraíram centenas de milhares de turistas e milhões de espectadores on-line. O setor de turismo do vilarejo anfitrião de Rongjiang gerou uma receita superior a R$ 1,9 bilhão, enquanto seu setor de hotelaria e hospedagem teve um aumento anual de 172,6%. Os condados de Guizhou estão liderando abordagens inovadoras para a revitalização rural, combinando a abrangente infraestrutura física e digital da China com tradições rurais, cultura e diversidade étnica exclusivas.
Apesar de iniciativas governamentais substanciais, a China continua a enfrentar desafios demográficos. Pela primeira vez em 60 anos, a população da China diminuiu (para 1,411 bilhão) em 2022 e foi ultrapassada pela Índia. Nas últimas três décadas, a idade média nacional para o primeiro casamento aumentou aproximadamente 6 anos, chegando a 28,67 anos em 2020, sendo a busca por educação o principal motivo para adiar o casamento. Com uma queda de 9,98% nos nascimentos e uma taxa de crescimento de -0,6 por mil habitantes, o país tem 850.000 habitantes a menos devido a mudanças culturais, custos mais altos para criar filhos e desaceleração econômica. No entanto, alguns analistas mostram que a queda da taxa de natalidade, juntamente com o aumento do desemprego entre os jovens, que chega a 20%, também pode ser explicada pelo aumento das matrículas nas universidades e dos anos de estudo entre os jovens. Com a retomada do consumo, a demanda por mão de obra está aumentando, embora persistam dificuldades de recrutamento, especialmente no setor de manufatura, já que os trabalhadores migrantes preferem trabalhar em suas cidades natais e os jovens evitam empregos com salários baixos e mão de obra intensiva.
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Edição: Raquel Setz