Coluna

Mais um conto de natal: a lição dos três espíritos natalinos para 2023

Imagem de perfil do Colunistaesd
O primeiro espírito é o do Natal Passado, fundamental para entender os caminhos que nos trouxeram até aqui - Foto: Divulgação
O espírito nos mostra os exemplos de resistência e solidariedade vividas

Por André Cardoso* 

E mais um ano se finda, com suas festas de encerramento, entre elas o Natal e o Ano Novo, mas o mais desejado momento festivo de todos, o recesso – em que pese que nem todos os trabalhadores e trabalhadoras têm direito -, mas aqueles que tem, sonham e fazem a contagem regressiva como um grande prenúncio do novo ano que vem.  

E quanta espera e ânsia por esse momento de descanso em um ano tão intenso como o que passamos, semelhante a um dique que estoura, não contendo tanto acúmulo de sonhos, dores, esperas, demandas e um futuro diferente. Foram quase dez anos passando por uma conjuntura de retrocesso para os direitos sociais, trabalhistas e políticos do povo brasileiro, com o avanço da direita nas ruas, golpe parlamentar, prisão injusta de Lula e mais uma sequência de desgraças.  

A vitória do presidente Lula e o rompimento de uma conjuntura desfavorável ao povo, colocou uma enxurrada de esperanças nas transformações necessárias para 2023, o ano em que tudo voltaria ao normal.  

Mas a história prega suas peças e não funciona como nos melhores filmes, com um final em que todos “viveram felizes para sempre”. Cabe agora, passados esses 12 meses, aproveitando o bom momento de descanso e espírito natalino, receber mais uma vez a visita dos três espíritos do natal de Charles Dickens e, assim como ensinaram o personagem Scrooge, tirar as lições para o próximo período que se inicia logo ali. 

O primeiro espírito é o do Natal Passado, fundamental para entender os caminhos que nos trouxeram até aqui. Nos mostra, primeiro, que ainda estamos imersos em um quadro de crise global do sistema capitalista que se arrasta desde 2008 com impactos deletérios sobre a natureza e a humanidade. As saídas escolhidas pela classe dominante intensificam a crise, com mais pressão sobre a classe trabalhadora e o planeta, fomentando o surgimento de propostas mais autoritárias e neofacistas.  

Nessa esteira, a burguesia brasileira se realinhou com os interesses dos Estados Unidos, com a entrega do petróleo e a subordinação das Forças Armadas como polícia latino-americana, o avanço do agronegócio e da mineração, a destruição de políticas sociais e de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, entre  tanto outros pontos que poderíamos destacar. O resultado político, econômico e social desta crise foi a emergência do bolsonarismo, que radicalizou esse projeto burguês.  

Mas o espírito também nos mostra os exemplos de resistência e solidariedade vividas. Em meio a pandemia global, as ações das organizações políticas em defesa da vida, como a construção da Campanha Periferia Viva, com a formação do povo nos territórios para fazer a batalha de ideias e das ruas, a doação de toneladas de alimentos da reforma agrária, produção de marmitas, construíram a luta contra a fome e uma campanha política para a eleição de Lula, unindo um grande número de forças políticas e sociais de amplo espectro, com o intuito de derrotar aquele projeto de atraso vivenciado 

E lá se vai o primeiro espírito natalino, o Natal Passado, para a visita do segundo espírito, o Natal do Presente. Ele chega no emaranhado de sentimentos que culminaram na vitória do Lula, com um leque de conquistas para festejar a mesa, aumentando o salário mínimo acima da inflação, retomando o protagonismo brasileiro nas relações internacionais, pautando a transição energética, diminuindo o desmatamento, mudando a política de preços da Petrobras, renovação da política de cotas, retomada dos conselhos de políticas públicas com participação popular e mais uma sucessão de vitórias a comemorar.  

Mas o segundo espírito também mostra que a extrema-direita, embora tenha tido uma derrota na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, se consolida como uma força política, tanto no Congresso como nas comunidades, nos hábitos de consumo, cultura, família, escolas, igrejas e trabalho. A polarização é fato histórico e não apenas de momentos eleitorais. A direita tradicional, os meios de comunicação e o centrão no Congresso mostram-se em suas ações complementares a essa força conservadora e fascista.  

Muitos elementos do passado ainda se mantêm, como a questão militar com as FFAA de prontidão para mais uma tentativa golpista, a fraca mudança na política econômica com o novo arcabouço fiscal, em que reduz a capacidade do Estado de investimento público e social e a centralidade que toma a crise climática, com grandes transformações nas condições do país. 

Por fim, chega o terceiro espírito natalino, o Natal Futuro, silencioso, com ar macabro, pois tem o poder de mostrar as sombras do que ainda não aconteceu, mas que está por acontecer. Diferente da conversa com Scrooge, em que mostra o que seria deste se não mudasse suas ações, aqui ele apenas aponta os desafios que as organizações políticas de esquerda devem fazer para construir uma alternativa concreta de transformação para o povo.  

As bagagens das organizações políticas democráticas para 2023 vieram cheias de promessas e esperanças, mas com pouca musculatura para avançar além da vitória eleitoral, incapazes de abrir um novo ciclo ofensivo. Não se vence o populismo de direita e a crise do capitalismo com moderação, republicanismo despolitizado ou posições centristas. 

Se o presente, frente ao passado, abriu uma janela de oportunidade para as forças populares transformarem a realidade com a vitória do Lula, só a mobilização de massa, com trabalho de base urbano e organização política, um programa de melhoria das condições de vida da classe trabalhadora e luta das ideias, permitirá um futuro que seja diferente do almejado pela classe dominante.

É hora de aproveitar esse momento para acumular forças e impedir que o conservadorismo e o autoritarismo da extrema-direita avancem na sociedade brasileira. 

Como na história de Dickens, os três espíritos no fim são um, e o personagem que é por eles visitado sai pelas ruas dizendo que quer viver o natal do passado, do presente e do futuro. Esta lição também serve para nós: olhar o passado, se movimentar no presente e construir o futuro que desejamos, o socialismo.  

 

*André Cardoso é economista, membro do Projeto Brasil Popular e coordenador do escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.  

Edição: Rebeca Cavalcante