O número de cidadãos tachados como inadimplentes no banco de dados do Serasa cresceu entre junho e novembro deste ano. O período coincide com o das renegociações de dívidas promovidos pelo programa federal Desenrola Brasil, criado justamente para tentar "limpar o nome" de devedores e reativar o consumo das famílias.
O Desenrola abriu suas renegociações em julho. Pouco antes, no final de junho, 71,45 milhões de pessoas apareciam como inadimplentes no banco de dados do Serasa, que fornece essas informações a lojas, por exemplo.
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No final de julho, o número total de devedores tinha caído um pouco: 71,41 milhões. Com o passar dos meses, ele voltou a crescer. Atingiu 71,9 milhões em outubro. Depois, baixou para 71,8 em novembro. Ainda assim, é 0,5% maior do que o de julho, quando o Desenrola começou a renegociar débitos.
Só as dívidas sem pagamento com financeiras chegaram a 44 milhões. Em junho, antes do Desenrola, elas eram 40 milhões. O total de dívidas negativadas no país, em junho, era de 265,3 milhões. Já no final de novembro, eram 269,8 milhões.
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Com CPF inscrito no Serasa, cidadãos têm dificuldades em obter outros empréstimos ou mesmo parcelar compras no comércio. Isso tende a atrapalhar vendas e frear o crescimento da economia como um todo.
Programa não é 'bala de prata'
Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato enumeram motivos que mostram que o Desenrola não tem, sozinho, a capacidade de diminuir consistentemente o número de endividados no país.
Ione Amorim, economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ressaltou que o cancelamento de um débito pequeno não necessariamente limpa o nome do consumidor, que pode ter outras dívidas. A renegociação também não impede que ele volte a se endividar. Por isso, o número de inadimplentes não cai mesmo com o Desenrola.
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O economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), disse que a situação geral da economia também trava a queda no número de inadimplentes. "O emprego, mesmo tendo melhorado, ainda continua com dados muito ruins; a economia cresce pouco, tudo isso faz com que as pessoas tenham dificuldades", explicou. "Tem pessoas limpando uma dívida, mas tem outros entrando como negativados."
Para Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Desenrola é uma solução parcial para a inadimplência. Ela só vai ser resolvida com mudanças na economia. "Uma mudança mais substancial seria a redução da taxa de juros, que ainda precisa cair bastante para o tomador final, e a queda da taxa de desemprego", reforçou.
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O Ministério da Fazenda informou que ainda é necessário acompanhar a execução do Desenrola para melhor avaliar os impactos no endividamento e na economia. Ainda assim, lembrou que o programa renegocia dívidas contraídas até o ano passado. Por isso, não afeta o número de débitos crescente em 2023.
"A inadimplência possui causas diversas, e, por conta do escopo definido para o Programa, informado na questão anterior, o Desenrola não se constitui como instrumento permanente de renegociação para combater a inadimplência, mas ação emergencial, específica para auxílio à situação de endividamento agravada nos últimos anos", acrescentou.
Governo ainda espera resultados melhores
Em live realizada no fim de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que espera que o Desenrola mude esse cenário. "Na hora que você libera um cidadão de uma dívida, você está dando a ele liberdade até para que ele se endivide outra vez, com responsabilidade", afirmou. "Os empresários precisam que ele volte a comprar. A gente quer que o povo volte a andar com a cabeça erguida."
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Segundo o Ministério da Fazenda, mais de 11 milhões de pessoas conseguiram renegociar suas dívidas pelo Desenrola. O governo quer beneficiar 30 milhões.
Para tentar atender a todos esses inadimplentes, o Desenrola teve sua vigência prorrogada. Inicialmente, ele renegociaria dívidas até o final do ano. O governo estendeu esse prazo até março do ano que vem.
Última fase
Desde o fim de novembro, o Desenrola oferece condições de parcelamento para dívidas com valor atualizado de até R$ 20 mil.
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De acordo com as regras do programa, as operações podem ser divididas em até 60 meses, com juros de até 1,99% ao mês.
As condições de pagamento estão disponíveis na plataforma de renegociação, no www.desenrola.gov.br.
Descontos médios de 83%
O Desenrola oferece condições únicas para renegociação: os descontos médios nas dívidas são de 83%, mas podem atingir até 99%. O Programa ainda permite a renegociação de dívidas sem entrada imediata.
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Podem renegociar suas dívidas por meio do programa pessoas com renda mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.640) ou que estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico).
Acesso online
O acesso à plataforma de renegociação do Desenrola é por meio do portal de serviços digitais do governo federal, o gov.br. Quem ainda não é cadastrado no portal federal terá de fazer o cadastro para renegociar seus débitos.
Ao prorrogar o Desenrola, o governo também facilita o acesso à plataforma do programa. Antes, ela estava disponível para quem tinha cadastro ouro ou prata no gov.br. Agora, um cadastro inicial no gov.br, do tipo bronze, já é suficiente para a renegociação.
Edição: Thalita Pires