A gente ainda não está vivendo um patamar de redução da taxa de juros, é uma redução de taxa nominal
O crescimento da economia brasileira, que deve passar dos 3% neste ano, surpreendeu até os mais otimistas com a política econômica do governo federal. O número não deve se repetir no próximo ano, mas o cenário não será de retração econômica, ao contrário do que muitos economistas ligados ao mercado têm propagado. É o que afirma a economista Juliane Furno, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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"Eu acho que para o ano que vem a economia deve crescer menos de 3%, mas eu não tenho identificado, a partir das variáveis que a gente pode identificar empiricamente, que a economia brasileira vai rumar para um cenário de crise e estagnação, como pintam alguns economistas", explica Furno.
"Os gastos públicos ainda vão continuar crescendo. Diferente do teto de gastos, que impõe um crescimento zero, no arcabouço fiscal, as despesas públicas podem crescer até 2,5%. No pior cenário ainda vai crescer 0,6%. Não vai ter corte de gastos, não é uma política baseada no gasto zero", completa.
O país convive, no entanto, com uma questão estrutural importante: o nível do investimento é um dos únicos indicadores negativos da prévia do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado em dezembro. Para Juliane Furno, o principal vilão para este impedimento é a taxa de juros mantida pelo Banco Central ainda em um patamar muito elevado.
Na última semana, o BC baixou em 0,5% a taxa básica, que caiu para 11,75% ao ano, a segunda maior do mundo. Segundo Furno, "a gente não está vivendo ainda um patamar de redução da taxa básica de juros. Estamos vivendo uma redução da taxa nominal, que é muito importante, mas precisa haver uma redução ainda maior para que o investidor privado vá tomar crédito e passe a investir".
"Na verdade, os juros estão subindo, porque a taxa básica de juros real é o quanto ela é nominal, descontada a inflação. Então, se ela cai um pouquinho e a inflação cai mais, na verdade, o juro real fica maior", explica a economista.
Convidada desta semana no BdF Entrevista, Furno, que integrou a equipe de transição do governo do presidente Lula (PT), fala ainda sobre os caminhos para a transição energética no Brasil. Na COP28, em Dubai, o Brasil foi alçado ao posto de grande impulsionador da troca de matriz energética mundial, deixando de lado o uso de combustíveis fósseis. Segundo a economista, o país leva vantagens para a Europa, que terá dificuldades para se enquadrar nos termos do Acordo de Paris.
"Acho que o Brasil tem uma grande vantagem competitiva, já que nós podemos nos comprometer com as metas do Acordo de Paris e as metas climáticas de, no máximo, 1,5% do aumento da temperatura do planeta, sem comprometer muito a nossa atividade econômica. É diferente da Europa, que vai ter, para se adequar às mudanças climáticas, uma redução, por exemplo, no seu padrão de vida", diz Furno.
"O grosso do que gera a emissão de gases de efeito estufa na Europa é energia, é petróleo, é carvão, e eles vão precisar se adequar, reduzir a calefação, o ar-condicionado individual. O Brasil não, porque a energia no Brasil é só o terceiro componente que mais impacta nos gases de efeito estufa. Os primeiros são muito fáceis de serem remanejados e eles não, não interferem no nosso crescimento econômico que é o desmatamento, as queimadas e o mau manejo do uso do solo", aponta.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: É esperado que o Brasil tenha um crescimento de pouco mais de 3% esse ano. Um crescimento que surpreende por uma trajetória extremamente turbulenta que a gente teve nos últimos quatro anos. Quais foram os acertos do governo Lula e do ministro da fazenda, Fernando Haddad, que foi um protagonista nesse período?
Juliane Furno: Vamos lá, clima de retrospectiva e clima de balanço. Eu acho que você começou bem, sinalizando a surpresa que foi, inclusive para os economistas heterodoxos, progressistas de esquerda, esse indicativo de que a economia brasileira deve crescer, inclusive um pouco mais de 3%. Veja, vamos supor que alguém tenha entrado em coma no ano de 2010, tenha acordado agora e iria achar que 3%, inclusive, é um padrão baixo, que a economia brasileira estaria desacelerando.
Mas se a gente for levar em consideração os últimos anos, de 2014 para cá, ou a gente teve períodos de crise, tendo um crescimento abaixo de zero, ou a gente passou por um período que a gente sinaliza como de semi estagnação. Quer dizer, a economia cresce, mas cresce praticamente o que é o crescimento populacional.
Ou seja, em termos de crescimento, principalmente per capita, a economia brasileira estava andando de lado. Então, crescer 3% não é trivial, em um cenário de baixo crescimento, com uma taxa de desemprego estabilizada em dois dígitos e com indicadores sociais piorando de forma bastante substancial, como exemplo da pobreza, da fome, da extrema pobreza, da queda de renda média, que vinham sendo um pouco o normal da economia brasileira, sobretudo desde o golpe de 2016.
A gente pode apontar alguns eventos e fenômenos que são externos e que beneficiam a economia brasileira de forma menos dependente do comportamento da equipe econômica ou do governo. E um deles, que eu acho que é importante, é a retomada da própria normalidade pós-pandemia, que se expressa na queda do preço de algumas commodities, principalmente aquelas que servem para alimentação, para o processamento de alimentos, como a soja, o milho, o trigo, que tiveram uma redução do seu preço ditado pela dinâmica da oferta e da procura no mercado internacional.
E também a retomada dos fluxos financeiros, os fluxos internacionais que voltam ao Brasil. Nesse caso, sim, com uma particularidade própria da economia brasileira, que é a própria representação do presidente Lula. Quer dizer, ele sinaliza para os investidores, para a comunidade internacional, que a economia brasileira vai voltar a ter um período de estabilidade e isso ajuda a retomada desses fluxos internacionais, que por sua vez ajudam a reduzir a valorização do dólar com relação ao real.
Então, a valorização do real, a sistemática queda do dólar frente à nossa moeda, faz com que haja um movimento tanto de redução da inflação, porque quando o real está mais barato, as coisas que são ou importadas ou que têm componentes importados ficam mais baratas e isso derruba a inflação que estava muito localizada nesse fenômeno dos custos, mas isso também há aumento o poder de compra. Quer dizer, se as coisas ficam mais baratas, se a inflação está cedendo, isso quer dizer que sobra mais dinheiro. Você consegue comprar a mesma quantidade de bens e de serviços e ainda sobra um dinheirinho que é utilizado para aquisição de novas mercadorias.
Do ponto de vista doméstico, eu sinalizaria a PEC da Transição. Acho que foi uma negociação muito importante que o governo articulou ainda antes da sua posse, que abriu espaço fiscal. Lembrem-se que neste ano de 2023, a gente ainda está sob a vigência do teto de gastos, mas foi um teto de gastos flexibilizado pela condução da equipe de transição, que sinalizou que construiria um novo regime fiscal, que é o arcabouço. Mas enquanto isso, abriria o espaço fiscal que foi importante para recompor as políticas de transferência de renda e lidar com questões emergenciais, principalmente a fome e a extrema pobreza.
Eu estava ouvindo alguns economistas projetando como seria o ano de 2024. A gente tem um problema de investimento, é um gargalo que parece que a gente não conseguiu resolver e que isso pode dificultar, por exemplo, um crescimento estável, ou que a gente cresça, por exemplo, perto disso em 2024. Nós vamos ter, de fato, que lidar com esse problema?
Olha, eu acho que aconteceu um fenômeno que parte dos economistas, de forma bastante sensata e comprometida, fizeram críticas ao arcabouço fiscal pelo lado das suas limitações, que eu acho que são muito justas e importantes. É o papel dos economistas, dos movimentos sociais, exigirem mais, questionarem um arcabouço fiscal que tem uma regra que limita gastos e que, pode ser, dependendo do comportamento da economia brasileira, vá reduzindo, paulatinamente, o gasto público com relação ao PIB.
Mas veja, a despeito dessas críticas serem válidas, importantes e necessárias, houve de contrabando, a análise de que se há este arcabouço fiscal, então quer dizer que o crescimento econômico está fadado à sua impossibilidade de execução e pintar um cenário um pouco catastrófico. Eu acho que são duas coisas diferentes. Ainda que o arcabouço fiscal tenha uma série de limitações, ele não sinaliza por si só a derrocada das tentativas, ou da visualização de um cenário de crescimento econômico, isso não está se verificando. Eu acho que o nosso papel é também fazer bons diagnósticos da realidade e entender que não só o gasto público em proporções muito maiores pode ser o único motor de crescimento.
Então, eu acho que para o ano que vem, a economia deve crescer menos de 3%, mas eu não tenho identificado, a partir das variáveis que a gente pode identificar empiricamente, que a economia brasileira vai rumar para um cenário de crise e estagnação, como pintam alguns economistas - acertadamente críticos ao arcabouço fiscal. Por quê? Porque eu acho que os gastos públicos ainda vão continuar crescendo. Diferente do teto de gastos, que impõem um crescimento zero, no arcabouço fiscal, as despesas públicas, elas podem crescer até 2,5%. Muito menos do que era o primeiro governo Lula, em que a economia brasileira apresentou uma média de crescimento do gasto público em torno de 5%.
Naquele período, porém, o gasto público representava 15% do PIB. Hoje já representa 19%. Então, hoje crescer 2,5% não tem um impacto tão pequeno como teria quando o gasto público era muito inferior. Quer dizer, se parte de uma base de consolidação do gasto público muito maior. Além disso, de sempre ter crescimento real, no pior cenário, ainda vai crescer 0,6%. Não vai ter corte de gastos, não é uma política baseada no gasto zero. Ainda assim, tem outras medidas, e eu destacaria o PAC, e dentro do PAC, eu destacaria o orçamento da Petrobras, que eu acho que tem capacidade de seguir dando um ritmo de crescimento da atividade econômica.
A Petrobras, inclusive, acabou de terminar o seu plano estratégico de negócios para o próximo período e deve investir em torno de U$S 100 bilhões. Quer dizer, nós estamos falando de algo anualizado que dá em torno de U$S 20, U$S 30 bilhões por ano. A Petrobras tem um enorme poder de compra e ela mobiliza uma série de investimentos na cadeia do óleo e gás, que por sua vez geram empregos qualificados nos setores mais intensivos de tecnologia, mas também absorvem muitos trabalhadores da base da pirâmide social, como no caso da construção civil.
Mas como você falou, ainda há o desafio do investimento. Porque, veja, se a gente for desagregar os dados do PIB dos últimos trimestres, o consumo do governo aumenta, o consumo das famílias aumenta, as exportações aumentam e a única variável ali da demanda agregada que não cresce é a formação bruta de capital fixo, que é uma próxi do que é o investimento, eu acho que esse é um desafio que passa pela redução da taxa básica de juros, mas passa também por outros elementos que eu diria que são mais de ativismo estatal. É o investimento público que lidera, que faz frente ao investimento privado.
Vai ter que haver, na minha avaliação, alguma reorganização no próprio arcabouço fiscal para liberar o investimento de contabilizar no resultado primário, para que o estado possa, junto com a Petrobras e outras empresas públicas, liderar uma frente de expansão via investimento público, que possa, por sua vez, criar demanda para a continuidade do investimento privado.
A gente sabe que as principais economias do planeta convivem com dívidas bastante elevadas em relação ao seu PIB. Em uma entrevista que eu fiz com o Guilherme Melo, que é secretário do Ministério da Fazenda, nós falamos sobre isso. Ele havia alertado que países em desenvolvimento não têm essa mesma flexibilidade. Você também concorda com ele? O Brasil precisa se atentar com essa intensidade ao seu déficit fiscal?
Veja, a dívida pública tem como motivação, em alguma medida, os gastos públicos. Em outra parte, não necessariamente o seu comportamento depende do comportamento do resultado primário, vou tentar explicar. Em 2015, a dívida pública brasileira passa a ter uma trajetória de inflexão com relação ao comportamento até 2014, e a crescer substancialmente. Até 2014, a dívida pública brasileira vinha sendo reduzida em relação ao PIB. Ela chegou inclusive, no ano de 2014, a representar algo em torno de 30% do PIB.
Só a partir de 2015 que ela disparou e chegou a atingir em torno de 70%, 80% do PIB. Parte do aumento da dívida pública se deve ao resultado primário, quer dizer, o governo teve que fazer dívida pública para cobrir o déficit. Então, no ano de 2014, ele gastou mais do que ele arrecadou. Mas esse resultado primário, o déficit primário, ele explica a menor parte da explosão da dívida pública. A maior parte da explosão da dívida pública se deve a custos com encargos financeiros da dívida.
Então, a taxa de juros interfere mais no comportamento da dívida do que o resultado primário, o crescimento econômico interfere mais no resultado da dívida pública do que o resultado primário. Se o governo tiver déficit, se o governo tiver uma taxa de juros alta, mas se a economia brasileira estiver crescendo, quer dizer, se o PIB crescer, a dívida pública tende a se estabilizar ou até a cair. Eu acho que existe uma ênfase muito exacerbada na ideia de que o que determina o comportamento da dívida é a diferença entre receitas e gastos do governo. “Vamos fazer déficit zero, vamos equilibrar as receitas com relação às despesas, que a dívida pública vai começar a cair”, não necessariamente.
A dívida pública pode, inclusive, aumentar cortando gastos. Foi o que aconteceu no governo [Michel] Temer, no governo [Jair] Bolsonaro. Havia uma política de corte de gastos selada no teto de gastos, e mesmo assim a dívida pública crescia. Então, eu acho que a gente tem que olhar de forma mais complexa. Equilibrar as contas públicas ajuda na redução da dívida? Ajuda. Mas ela pode ser inócua se a taxa de juros continuar nesse patamar elevado e se a economia entrar em uma nova rota de redução do seu PIB.
Outro elemento que eu acho que diz respeito ao que disse o Guilherme Mello, é que ele está certo quando sinaliza a diferença entre economias subdesenvolvidas e economias centrais. Quando a gente faz análises, por exemplo, de que a dívida pública do Japão é 270% do PIB, que a economia norte-americana faz séculos que não é inferior a 100% do PIB, a gente precisa entender que essas economias são centrais, que ocupam um papel central na hierarquia de moedas, portanto, elas podem absorver um nível de dívida pública mais elevado do que podem absorver as economias periféricas.
Mas isso não quer dizer que a nossa dívida esteja numa trajetória de explosão ou de insolvência do estado. Porque a gente identifica que as economias centrais podem ter um endividamento público maior que as economias periféricas, mas sem identificar qual é o número, porque concretamente, é muito difícil. Vários estudos tentaram identificar qual é o patamar. Quando chegar em 100% da dívida brasileira, isso significa insolvência? Ninguém sabe. Então aqui é um instrumento inclusive retórico.
Quando a imprensa tradicional fala coisas como “a dívida pública está explosiva”, “a dívida pública está muito alta”, também é muito difícil dizer o que é muito alto e o que é muito baixo. Eu acho que a gente tem que pensar numa trajetória sustentada.
Falando sobre a taxa básica de juros, na semana passada o Banco Central baixou em 0,5% a taxa, chegando a 11,75%, o menor nível desde o começo de 2022. Você falou sobre como a taxa atua na dívida pública, como atua para possibilitar maior investimento. O que mais essa queda representa para os próximos passos da política econômica do governo?
É o menor indicador da taxa básica de juros em termos nominais, antes era 12, agora é 11. Então, há uma redução nominal, mas o que importa para a taxa básica de juros é o seu patamar real, e a taxa básica de juros não tem caído no Brasil, porque ela cai meio ponto percentual, e a inflação cai mais. Na verdade, os juros estão subindo, porque a taxa básica de juros real é o quanto ela é nominal, descontada a inflação. Então, se ela cai um pouquinho e a inflação cai mais, na verdade, o juro real fica maior.
A gente não está vivendo ainda um patamar de redução da taxa básica de juros. Estamos vivendo uma redução da taxa nominal, que é muito importante, mas precisa haver uma redução ainda maior para que isso, de fato, seja convidativo para que o investidor privado vá tomar crédito e passe a investir. Ele precisa que o custo do crédito no Brasil esteja mais atrativo e isso vale para o investimento privado, mas vale para uma série de outros gastos financeiros das famílias. Quer dizer, quando a gente vai adquirir algo da indústria de transformação, que normalmente a gente adquire de forma parcelada no cartão de crédito, o patamar dos juros básicos também importa.
Embora a gente não se endivide com a taxa selic, porque a selic é a taxa básica, é a menor taxa de referência do sistema - o sistema bancário ainda vai adicionar o spread, custo de risco - ainda assim, se a taxa de juros está nesse patamar, ela vai tendo efeitos, não só sobre o investimento privado, mas sobre o próprio consumo das famílias e, sobretudo, das famílias que já estão endividadas, porque vai impactando naquele estoque de dívida, aumentando as parcelas do endividamento e drenando recursos da economia real de volta para o setor financeiro.
Eu acho que aqui tem uma questão importante: o enfrentamento a esse patamar elevado, principalmente em termos reais da taxa de juros, é um componente muito importante se a gente quer pensar em mais estímulos ao investimento público e privado, que passa obviamente pela disponibilidade de crédito, mas passa sobretudo pelo custo do crédito, que como eu falei - e como você apontou - está bastante elevado.
O Brasil agora entrou na OPEP, tem prospecções internas de petróleo, discutíveis do ponto de vista social e de impactos, mas tem também uma promessa, um empenho de ser um grande impulsionador da energia verde, da transição energética no mundo. Quão preparada está a nossa economia para essa transição? A gente ainda vai enfrentar muito gargalo, mas também é possível criar muito emprego a partir da energia verde, não é?
Olha, eu acho que temos muito. Eu acho que o mundo, as economias capitalistas, já passaram por várias revoluções, as revoluções industriais, a revolução da microeletrônica, e eu acho que a gente está diante de uma nova revolução, que é a revolução sobretudo energética, mas que envolve uma dimensão mais geral de mudanças climáticas. É a primeira vez, me parece, que o Brasil teria condições de liderar, de disputar de forma bastante competitiva a liderança de um processo de transformação industrial global.
Nós temos, primeiro, todos os recursos necessários, quer dizer, a gente tem gás, a gente tem quedas de água, nós temos energia hidrelétrica, a gente tem petróleo e a gente tem toda uma biodiversidade para a geração de fontes de energia limpa. Nós temos, no Brasil, uma grande empresa que é a Petrobras, e nós temos uma grande empresa também - agora não mais estatal, mas com participação do estado - que é a Eletrobras, que tem grande capacidade de reservatórios, o que é muito importante para essas novas energias renováveis variáveis, que não têm um fluxo contínuo na corrente elétrica e dependem, como a Dilma [Rousseff] dizia, de estocar como no caso da energia solar, da eólica.
Então, acho que o Brasil tem uma grande vantagem competitiva nesse sentido e temos também uma outra vantagem, já que nós podemos nos comprometer com as metas do Acordo de Paris e as metas climáticas de, no máximo, 1,5% do aumento da temperatura do planeta, sem comprometer muito a nossa atividade econômica. É diferente da Europa, que vai ter, para se adequar às mudanças climáticas, uma redução, por exemplo, no seu padrão de vida.
O grosso do que gera a emissão de gases de efeito estufa na Europa é energia, é petróleo, é carvão, e eles vão precisar se adequar, reduzir a calefação, o ar-condicionado individual, alguma coisa, para que eles se adequem às metas da mudança climática. O Brasil não, porque a energia no Brasil é só o terceiro componente que mais impacta nos gases de efeito estufa. Os primeiros são muito fáceis de serem remanejados e eles não, não interferem no nosso crescimento econômico que é desmatamento, queimada e o mau manejo do uso do solo.
A gente pode [se adequar às mudanças climáticas], principalmente com intensificação tecnológica, com a redução da produção da pecuária de forma extensiva e das queimadas e ainda manejar isso com a Embrapa, com aumentando da produtividade, com redução de área ocupada, sem nos preocupar tanto, em primeiro lugar, com a energia. E temos, como eu falei, todas as condições energéticas. A Petrobras já tinha na sua missão, anterior ao golpe, esse comprometimento em virar uma empresa de energia, e uma empresa de energia focada na transição energética.
Ela tem expertise e capacidade para isso, mas agora sim, nós temos que levar em consideração que a mudança da matriz energética vai precisar de elevado volume de investimento, sobretudo de conversão da infraestrutura do petróleo para virar infraestrutura para as energias verdes, para as energias não retiradas dos hidrocarbonetos. Para isso, nós vamos precisar de recursos. Por isso eu entendo que a era do petróleo ainda não acabou e por isso a gente chama de transição, que ainda deve durar 30 anos, em que o petróleo vai ser o componente dominante, mas outras energias limpas vão ganhando espaço na matriz energética mundial.
Então, ainda vai haver demanda por petróleo. Me parece que, enquanto houver demanda por petróleo, é preferível que o Brasil seja um exportador. Quer dizer, que a gente utilize os nossos recursos para prover o mercado internacional e usar a renda dessas exportações para garantir o pagamento, o financiamento da infraestrutura para a transição energética.
Como você viu a votação da Reforma Tributária? É um marco histórico no país, a gente nunca havia conseguido resolver essa questão. Ela ainda segue no Congresso, tem todos os trâmites, mas a gente chegou a algum lugar, não é?
Eu acho que é muito importante. Eu acho que a equipe econômica se dedicou a caminhar de forma mais acelerada, o que eu acho que é um elemento positivo. Quer dizer, ser propositivo, apresentar projetos, tramitar projetos, aprovar projetos. Aquela sensação de que os governos anteriores do Lula, por exemplo, eram mais identificados pelas coisas que ele não fez, do que pelas coisas que ele fez, já que não fez Reforma Agrária, não fez Reforma Tributária, em alguma medida está sendo sanado.
Quer dizer, tem coisas para apresentar, ainda que elas tenham questões, inclusive, que possam ser identificadas como críticas ou como limites. Mas foi um empenho muito grande em sinalizar para a sociedade que medidas estão sendo aprovadas para corrigir, principalmente, desequilíbrios importantes da sociedade brasileira. No caso do desequilíbrio tributário, hoje quase todos os países modernos já têm Imposto sobre Valor Agregado (IVA), e o Brasil ainda continuava tendo impostos cumulativos que eram aplicados em cascata, gerando uma série de insegurança tributária, de litígio na justiça, enfim.
Agora, a parte mais importante da Reforma não é a simplificação da estrutura tributária, não são os impostos sobre consumo - são importantes e necessários para a modernização da estrutura tributária brasileira - mas a parte mais importante ainda não foi votada e eu acho que o mesmo empenho que foi levado adiante para a votação da primeira parte precisa ser levado adiante para a votação da segunda, porque os congressistas e os empresários já tiveram parte das suas demandas atendidas nesta primeira parte.
Agora, [o governo] vai precisar de muita força política para garantir que a parte que nos cabe, que é os pobres pagarem menos, que é o consumo ter uma participação menor no total arrecadado de tributos, seja aprovado. A equipe da Fazenda vai precisar se assentar muito mais nas organizações políticas, porque não vai ter a mesma estrutura convidativa que teve para votar a primeira parte, em que havia, inclusive, um relativo consenso entre economistas progressistas e conservadores com relação à necessidade de simplificação da estrutura tributária.
Mas se a gente quer fazer reforma mesmo e dar conteúdo a essa palavra, é a segunda parte quando a gente vai expor a tributação sobre renda, sobre o patrimônio, que o conflito vai se instalar e que a gente vai precisar mobilizar, garantir força política e sustentação política no povo brasileiro, para garantir que essa não seja mais uma das reformas engavetadas, mas que ela cumpra o seu desígnio, que é de fazer a sociedade identificar que aquela velha máxima de que pobre paga muito imposto e rico não paga, de fato, seja modificada, sob risco de uma enorme frustração com relação a uma das pautas mais propagadas na campanha eleitoral nos primeiros meses de mandato do presidente Lula, que é a justiça tributária.
Edição: Rebeca Cavalcante