Coluna

Carta ao Papai Noel

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O governo termina o primeiro ano com o mesmo problemão de quando assumiu: conseguir retomar o crescimento econômico - Mauro Pimentel / AFP
Querido Papai Noel, quero prosperidade em casa, paz na vizinhança e amigos de verdade: assinado Lula

Olá, querido Papai Noel, quero prosperidade em casa, paz na vizinhança e amigos de verdade. Assinado, Lula.

.Paz na Terra. Em 2023 o mundo não girou, capotou. O plano de Lula era recolocar o Brasil no mapa, e nisso ele teve sucesso. Mas, o sonho natalino de paz, igualdade e preservação ambiental deixou muito a desejar. A começar pela agenda ambiental, que avançou na COP 28 na mesma medida que saiu cheirando a petróleo. Por outro lado, multiplicaram-se os conflitos globais e a pretensão do Brasil apresentar-se como embaixador da paz, patinou. Vide o permanente ranço de Zelensky com Lula e os estranhamentos com Israel. Porém, no apagar das luzes de 2023, mais uma daquelas saculejadas globais parecem dar razão ao posicionamento brasileiro. A começar pela iminente derrota da Ucrânia, que em parte é resultado do desinteresse ocidental pelo país depois da eclosão do conflito no Oriente Médio, tornando o problema ucraniano uma questão menor e ameaçando fazer de Zelensky um novo Juan Guaidó. Outra reviravolta é o esgotamento da ofensiva isralense em Gaza e na Cisjordânia, agora que até os aliados ocidentais suplicam um cessar-fogo, pressionados por um genocídio à luz do dia que despertou um movimento de massas global. Com isso, o Brasil volta a ser um ator relevante nas negociações de paz na região. Ironicamente, é mais perto de casa que as coisas vão de mal a pior. É verdade que a família do Mercosul cresceu. No entanto, ela parece mais desunida do que nunca. E, agora, os estranhamentos entre Venezuela e Guiana, além de reforçar o espírito do cada um por si, ainda ameaça trazer mais uma base militar dos Estados Unidos para a região amazônica. Tudo o que o governo brasileiro não quer. Isso para não falar da Argentina e o novo choque neoliberal do recém empossado governo Milei, que tenta reacender a chama da economia com água gelada, arrancando aplausos emocionados dos jornalões daqui. Trocando em miúdos, foi um ano louco do Brasil num mundo de ponta-cabeça, mas apesar dos tropeços, estamos melhor do que há um ano atrás.

.Muito dinheiro no bolso. O minúsculo presente que o Banco Central deixou embaixo da árvore para Lula foi mais um corte de meio ponto percentual nas taxas de juros e a promessa morna de que esse será o ritmo dos cortes no próximo ano. Até que não é ruim, considerando que é o quarto corte no ano e que o governo gastou muita energia para que eles começassem a acontecer. Mas é insuficiente. O governo termina o primeiro ano com o mesmo problemão de quando assumiu: conseguir retomar o crescimento econômico. É verdade que a inflação vem perdendo fôlego e que a tendência é continuar caindo, o que pode ser medido pela promessa de campanha de baixar o preço da picanha e da cerveja. A inflação também caiu pela metade entre as preocupações do brasileiro, segundo a pesquisa do Ipespe, mas a ideia de que a prioridade deve ser geração de emprego e renda, duplicou. E 6 em cada 10 brasileiros confiam que a situação vai melhorar. Para não frustrar tanta gente, as prioridades do governo vão ter que mudar. Em parte pressionado pelos chiliques do mercado - que reclama de boca cheia com a bolsa batendo recordes históricos - e refém da lógica fisiológica do centrão, o governo conseguiu passar as reformas mais importantes do ano e aumentar a previsão de arrecadação. O problema é encaixar as necessidades sociais reprimidas com o sonho de déficit zero de Haddad e o apetite voraz dos parlamentares por emendas em um ano eleitoral. Além disso, os ventos argentinos deram novo gás ao discurso neoliberal e a cantilena do corte de gastos e redução do Estado deve voltar com força, como se vê na última chantagem de Natal de Arthur Lira, desengavetar a reforma administrativa, anunciada como um esforço para "revisitação de nossas despesas”. 

.Um milhão de amigos. Uma coisa que Lula aprendeu este ano é que a lógica de “quem tem amigos, tem tudo” não é bem verdadeira. Arthur Lira, por exemplo, é o amigão para todas as horas, desde que o taxímetro corra frouxo, sempre na forma de emendas. A natureza dessa amizade tóxica, que acabou trazendo mais uma derrota para o governo com a derrubada de 9 vetos presidenciais, divide até o PT. Descontente com as críticas de Gleisi Hoffmann sobre a relação com o centrão, Lira encontrou o carinho de Zeca Dirceu e Washington Quaquá. Também encontrou apoio do Planalto contra a CPI da Braskem, apresentada por outro aliado mais antigo de Lula, Renan Calheiro. Nem Lira quer ver seu aliado, o prefeito de Maceió João Henrique Caldas (PL), sob fogo cerrado, nem o governo quer ver a Petrobras, acionista da Braskem, no banco dos réus. Mas a CPI sai do mesmo jeito, ainda que o histórico das Comissões mais recentes sugira que não vá dar em nada. Parte destes problemas é revelador também da fragilidade da dupla de ministros responsáveis pela articulação política e o primeiro trimestre deve trazer uma reforma ministerial para pôr ordem na casa. Rui Costa, um dos menos populares na Esplanada, já sente o calor da fritura, enquanto a reforma deve resolver outros problemas, como o incômodo Ministro das Comunicações Juscelino Filho. Outro nome que pode deixar o ministério é José Múcio, bem sucedido em pôr panos quentes na presença militar no 8 de Janeiro. Por hora, certo mesmo é que Lula busca um nome de confiança para substituir Flávio Dino na Justiça. E, com a ida do ex-governador maranhense para o STF, o Supremo deve continuar sendo o aliado mais tranquilo do Executivo, pelo menos enquanto durar a amizade com Alexandre Moraes e Gilmar Mendes. Até aqui, o combate ao bolsonarismo aproximou os ministros do Supremo e Lula. Resta saber se ela vai se manter quando esta pauta se esgotar.

.Queimando a árvore de natal. Donos de uma bancada poderosa economicamente e barulhenta, o governo faz de tudo para ter a turma do boi do seu lado no Congresso, mas o agronegócio continua sendo o bloco mais leal ao bolsonarismo. Aliás, o que dizer quando nem o Ministro da Agricultura vota com o governo e acaba ajudando a derrubar o veto do marco temporal? Na votação, apenas PT, PSOL e PCdoB votaram com unanimidade para manter o veto e não reconhecer a tese estapafúrdia que ameaça as reservas indígenas. Até no PV, supostamente ecologista, o agronegócio conseguiu os votos que precisava. E mesmo que em todo fórum internacional em que tente se projetar como liderança climática, o governo precise esconder a turma do boi e da mineração, em tempos de vacas magras, os números de exportação do agronegócio enchem os olhinhos da equipe econômica de esperanças. Mesmo que a mineração afunde uma capital e mate três vezes mais trabalhadores que outros setores. Por meio de que mágica o governo pretende fazer a omelete da mudança climática sem quebrar os ovos do agronegócio, nem ele sabe responder. Mas o setor já descobriu como pegar carona no discurso do “capitalismo verde” e casar energia eólica com expulsão de pequenos agricultores no nordeste, assim como as mineradoras e madeireiras também já aprenderam as facilidades de expulsar quilombolas e ribeirinhos com a concessão de exploração da Floresta Nacional de Saracá-Taquera (PA).

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Libertarismo – um novo campo para a extrema direita? No GGN, Romaric Godin escreve sobre como o ultraliberalismo argentino pode impulsionar a extrema-direita. 

.Processados ​​aos 12 anos: as crianças palestinas julgadas por tribunais militares em Israel. Espancamentos, ferimentos à bala, prisões sem acusação e penas imensas. Na BBC.

.Uma fábrica de assassinatos em massa. No Instituto Humanitas, reportagem de Yuval Abraham demonstra como Israel usa a inteligência artificial para ampliar o número de civis mortos em Gaza.

.Os justiceiros de Copacabana são o Brasil de Bolsonaro, da milícia e da Lava Jato. No Intercept, o legado de Bolsonaro e Moro: as milícias de classe média alta do Rio de Janeiro.

.A Reconstrução negra na América de W.E.B Du Bois é uma leitura essencial. A Jacobin recupera o pioneiro livro que analisa raça e classe nos Estados Unidos a partir da guerra civil americana.

.Guilhotina #224. O podcast do Diplomatique Brasil entrevista a geógrafa Larissa Bombardi sobre a ameaça dos agrotóxicos no país.

Ponto entra em recesso nesta edição. Voltamos em 19 de janeiro. Muito obrigado por nos acompanhar até aqui neste ano e nos encontraremos em 2024! Boas Festas!

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo