Na última semana, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) informou, através de suas redes sociais, que uma proposta para internação compulsória de dependentes químicos em situação de rua está sendo planejada. A declaração trouxe à tona, mais uma vez, o assunto delicado, com isso, além de profissionais dos direitos humanos e saúde mental, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) criticaram a fala de Paes e consideraram a medida inconstitucional.
O advogado e diretor da plataforma Justa, Cristiano Maronna, explica que no Brasil existe a lei antimanicomial e a internação compulsória só se justifica em situações muito excepcionais, como crises ou distúrbios e quando a pessoa coloca em risco a própria integridade. “Nesta situação específica a internação pode ser decretada, mas deve haver comunicação ao Ministério Público em até 72h, e ela só deve durar o tempo necessário para que esse momento de crise seja ultrapassado”.
Leia também: Os velhos, os novos e os grandes desafios da Petrobras aos 70 anos de idade
“O fato da pessoa viver em situação de rua por si só não autoriza a internação, o fato da pessoa viver em situação de rua e fazer uso de drogas também não autoriza, e a justificativa do prefeito foi a prevenção de crimes. Aconteceu uma tragédia, uma pessoa morreu e em resposta a essa tragédia quer implementar a massificação da internação o que é um absurdo porque a internação é uma medida de saúde, não tem nada a ver com a prevenção ao crime”, detalha Maronna.
Segundo Cristiano, o uso de drogas muitas vezes não é a causa de a pessoa estar em situação de rua, mas sim uma consequência da exclusão que essa pessoa sofre.
“A pessoa já está em uma situação de exclusão e a internação a reforça, e é por isso que se entende hoje que essa situação complexa de quem fica na rua precisa ser enfrentada com medidas de inclusão, quem vive na rua precisa do básico para viver com dignidade, e o que é o básico? É ter onde morar, ter condições de fazer pelo menos três refeições por dia, ter acesso a trabalho e renda, coisas básicas que qualquer pessoa precisa”.
Já o psicólogo especialista em psicopatologia e dependência química, Bruno Logan, conta que não existe comprovação científica da eficácia dessas internações. “Muitas dessas instituições possuem diversos tipos de denúncias de violação de direitos humanos, tanto pelo levantamento feito pelo Ministério Público, quanto pelo feito pelo Conselho Regional de Psicologia”.
“Na verdade, as únicas pessoas beneficiadas com esse tipo de coisa é o prefeito ou governador que tenta uma reeleição, tenta mostrar para a população uma resposta simplista para um problema complexo, e donos de clínicas, de comunidades terapêuticas, benefícios para usuários não vejo nenhum tipo”, diz Logan.
Para Bruno, é preciso construir políticas de educação sobre drogas como forma de prevenção antes de tudo. “Se a gente pegar, por exemplo, uma criança de 5, 6 anos e perguntar para ela o que o cigarro pode fazer na vida das pessoas que fumam, as crianças vão saber que pode causar doenças, câncer, faz mal pro pulmão, todo mundo sabe isso”.
“Quando a gente vai falar de qualquer tipo de situação sobre drogas a gente tem essas respostas simplistas ‘interna, reprime, criminaliza’ e isso não vai resolver, a gente precisa pensar e ter uma política pública mais baseada em ciência, menos baseada em amedrontamento da população, educar as pessoas sobre a questão do uso de drogas e do cuidado dessas pessoas”, explica.
Cristiano explica que mesmo dependentes químicos quando têm acesso a direitos básicos conseguem maior qualidade de vida, e parte significativa dessas pessoas acaba diminuindo ou parando totalmente de usar drogas.
“Para os gestores é muito mais fácil culpar a droga do que o fracasso da política pública, então a culpa pelas pessoas estarem vivendo em situação de rua não é do fracasso das políticas sociais, da assistência social, da política de saúde, de habitação, a culpa é da droga, então isso é muito útil para os políticos para desviar do tema relacionado as próprias políticas que eles deveriam implementar e não conseguem fazer”, finaliza
O Brasil de Fato RJ entrou em contato com a Prefeitura do Rio para saber mais sobre o plano de internação compulsória e qual a reposta acerca das críticas dos especialistas, porém a prefeitura informou que só irá se pronunciar sobre o assunto quando o projeto estiver completo e divulgado.
Edição: Mariana Pitasse