Coluna

Interrogatório impossível

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Ouça o áudio:

Foi jogado dentro de um caminhão coberto com uma lona, onde um coronel tentou interrogá-lo durante horas - Reprodução/Arquivo Nacional
Na madrugada de 17 de dezembro de 1968, descobrimos que era também sonâmbulo

Vem aí uma data histórica pra mim, e me lembrei de um colega de faculdade, quando estudava Geografia, o Titomu. Tímido, gaguejava demais quando conversava com moças ou quando ficava nervoso.

Na madrugada de 17 de dezembro de 1968, descobrimos que era também sonâmbulo. Nessa data, quatro dias depois da edição do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5, os militares, utilizando um grande contingente de soldados e armamentos de todos os tipos, invadiram o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp, onde morávamos, e era considerado um dos maiores focos de contestação ao regime.

Nós prevíamos que alguma coisa assim ia acontecer e criamos até um sistema de alarme. Eles chegaram, nosso sistema de alarme não funcionou e, às 4 horas da manhã, quando acordamos com um barulho de veículos barulhentos, estávamos cercados por mais de três quilômetros de soldados e veículos militares, que rodearam todo o conjunto de prédios, todos com armas pesadas apontadas para nós.

O Titomu morava no mesmo prédio que eu, o Bloco F. Das janelas, todos olhávamos a movimentação das “gloriosas” forças armadas, avaliando se havia possibilidade de fuga, quando o Titomu falou para o um colega, sem gaguejar:

— Vou lá conversar com eles.

Ninguém deu bola, achando que era brincadeira, mas foi. Quando viram, ele estava saindo do prédio, de peito aberto, rumo a um tanque de guerra. Todo mundo gritava pra ele voltar, mas ele nem ouvia. Estava dormindo!

De repente, vários soldados pularam em cima dele. Foi aí que acordou, sem entender o que estava acontecendo. Foi jogado dentro de um caminhão coberto com uma lona, onde um coronel tentou interrogá-lo durante horas.

Às 11h da manhã, estávamos todos presos, esperando transporte para nos levar ao Presídio Tiradentes, e vimos soldados descerem o Titomu do caminhão. Veio para junto de nós, para ir preso também. Perguntei o que fizeram com ele.

Contou que o coronel queria saber que tipos de armas nós tínhamos. Mas para falar isso gastou quase meia hora!

Segundo ele, o coronel fez mais umas perguntas e desistiu.

Quis me contar como foi, mas é claro que desisti também...

E concluí:

— Do Titomu ninguém arranca informação nenhuma... O coronel se ferrou nessa. Se o Titomu fica nervoso e gagueja diante de moças, imagine diante de milicos truculentos.

Edição: Daniel Lamir