Na prática a iniciativa visa ampliar a facilitação da liberação do registro de agrotóxicos no país
*Por Terra de Direitos e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Diferente do anúncio externo que o governo busca vincular ao Brasil, o país leva para a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, como cartão de visita, a recente aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei 1.459/2022. Conhecida como “Pacote do Veneno”, a proposta legislativa de autoria do hoje senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como "rei da soja", tem – em seu percurso e resultado – a sinalização oposta ao compromisso público verbalizado pelo governo com a saúde, com o meio ambiente, com a biodiversidade e no enfrentamento da crise climática. Como o presidente Lula disse outro dia “quem usa agrotóxicos não come o que planta”.
Como percurso, o projeto de lei conta – em tramitação há mais de dez anos – com forte esforço da bancada vinculada ao agronegócio, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Majoritária nas últimas legislaturas, a Frente aglutina hoje 47 senadores dos 81 assentos. Já na Câmara são 300 dos 513 deputados e deputadas. É fruto do esforço deles que resultou na aprovação do relatório do PL no dia 22 de novembro pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado e, apenas uma semana depois, neste dia 29, pelo plenário do Senado. Atendendo ao pedido de votação em regime de urgência solicitado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), a proposta foi aprovada em votação simbólica, com apenas um voto contrário, da senadora Zenaide Maia (PSD-RN), vice-líder do governo no Congresso Nacional. A saúde, o meio ambiente e a biodiversidade parecem ser sim negociáveis.
Não assusta apenas o uso de recurso legislativo para apressar a tramitação e votação do projeto do PL do Veneno. De fato, não é possível ignorar que a medida legislativa não apresenta urgência em matéria de segurança nacional ou calamidade pública, condições para acelerar o trâmite legislativo. Mas igualmente surpreende o silêncio e ausência de oposição por parte das senadoras e senadores em matéria de evidentes e comprovados impactos à saúde e meio ambiente.
A proposta legislativa inclusive só demorou a avançar durante a última década em razão da resistência de movimentos populares, organizações sociais, pesquisadores e pesquisadoras. Foram diversas as manifestações – nacionais e internacionais – de como a aprovação do Projeto de Lei significaria um retrocesso no atual marco legal dos agrotóxicos e movimento contrário aos demais países na adoção de leis mais restritivas ao uso de agrotóxicos. O alerta sobre esses e outros riscos para a população com a aprovação do projeto foram apresentados em um manifesto protocolado na presidência do Senado na manhã da terça-feira (28). O manifesto foi assinado por mais de 250 organizações e movimentos populares que acompanham esse debate desde o começo da tramitação do projeto.
Para a bancada vinculada ao agronegócio, a nova lei, caso sancionada, servirá para “modernizar a legislação”. Na prática a iniciativa visa ampliar a facilitação da liberação do registro de agrotóxicos no país, conferindo poder concentrado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) nas atribuições sobre os registros e controle de agrotóxicos. Com isso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) perdem o poder de vetar um registro e passam a ser apenas órgãos com papel de homologação. Inclusive, a Lei autoriza que agrotóxicos para exportação dispensem o registro.
Vale recordar que muitos destes produtos são reconhecidamente cancerígenos, muito deles já banidos até mesmo nos países sede das multinacionais produtoras. Retirar o poder da Anvisa em fiscalizar a saúde é grave. Assim, o Congresso sinalizou para a sobreposição dos interesses do agronegócio em detrimento dos direitos à saúde e ao meio ambiente equilibrado. O Brasil já é recordista mundial no uso de agrotóxicos.
Lula já está a caminho da COP, acompanhado da maior delegação brasileira já presente na agenda. A implementação da lei – caso não seja vetada pelo presidente Lula – é a ação escancarada de um anúncio oposto ao posto de liderança ambiental e compromisso com a natureza e a população.
*A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Criada em 2002, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Felipe Mendes