Isso também passa pela necessidade urgente de impedir privatizações e reestatizar empresas públicas
Por Natália Lobo*
A crise ecológica que enfrentamos exige respostas à altura da gravidade do problema. O novo governo federal do Brasil tem desenhado um Plano de Transformação Ecológica, e no dia 17 de novembro realizou uma reunião com movimentos sociais para apresentar a proposta. A ocasião foi importante para que os movimentos sociais e organizações da sociedade civil pudessem também manifestar as críticas e propostas para o enfrentamento da questão climática e seus desdobramentos no país a partir de suas próprias perspectivas. A Marcha Mundial das Mulheres (MMM), que constrói esse debate em aliança com outros movimentos, reforçou a posição de que o ponto de partida desse debate deve ser a garantia dos direitos territoriais.
Direitos territoriais englobam não só a demarcação da terra indígenas, mas também a titulação de territórios quilombolas, o avanço da reforma agrária no país e todas as ações de liberação de territórios para que os povos e comunidades possam decidir sobre seus usos e modos de vida. Sem isso como ponto de partida não é possível construir uma transformação ecológica inclusiva, popular e que responda também aos outros problemas do conjunto da classe trabalhadora.
Outro ponto central é a dimensão da soberania neste debate. As alternativas propostas pelas mulheres organizadas na agricultura agroecológica, nos quilombos, assentamentos, hortas urbanas e outros espaços mostram — e os movimentos reafirmam — que, para uma transformação ecológica, são necessárias as garantias da soberania alimentar, da soberania hídrica, da soberania energética e tecnológica.
Não se trata apenas de soberania nacional, mas uma soberania popular, que emana dos territórios e se relaciona com as elaborações dos territórios e do povo sobre como organizar nossa alimentação, como organizar a produção e distribuição da energia. Há inúmeras experiências no Brasil de organizações que trabalham com agroecologia, com tecnologias sociais e soluções reais para os problemas ambientais que enfrentamos e que precisam ser valorizadas e visibilizadas.
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Isso também passa pela necessidade urgente de impedir privatizações e reestatizar empresas públicas, como é o caso da Eletrobrás. Enquanto o cuidado com o meio ambiente estiver sob o poder das corporações transnacionais, não poderemos falar de democracia e soberania energética.
Em aliança com outros movimentos elaboramos uma crítica às falsas soluções das empresas para crise ambiental. Não será através do mercado de carbono ou da mercantilização e financeirização da natureza, muito menos promovendo zonas de sacrifício, que vamos resolver os problemas graves e urgentes que temos que enfrentar. A preservação dos territórioss nunca pode ser feita em nome do sacrifício de outros, como acontece muito no Brasil.
A necessidade de mitigar as emissões é evidente, mas quando o debate climático é centrado apenas na redução das emissões e na chamada economia de baixo carbono, acaba-se por legitimar políticas como a da “Agricultura Climaticamente Inteligente” do agronegócio, que promove desigualdades e extermínios de povos e comunidades tradicionais e da biodiversidade. Falamos, então, de mudanças antisistêmicas e que lidam com uma série de problemas para além das emissões de gases de efeito estufa.
A questão da transição energética tem entrado no centro das elaborações das mulheres da Marcha Mundial das Mulheres sobre a questão ecológica. Companheiras de estados do Nordeste já vêm sentindo na pele o que significa essa transição energética corporativa, que expande usinas eólicas e solares passando por cima dos territórios.
A forma como as empresas faz isso é violenta, em larga escala, expulsando comunidades das suas terras, colocando a soberania alimentar e a reprodução dos modos de vida em risco. Os impactos sobre as mulheres são muitos, mas ficam invisíveis: desde o aumento da poeira nas casas, o que aumenta muito o trabalho doméstico, passando pela danificação da estrutura das casas e cisternas que nunca são reparadas pelas empresas, até o aumento de diversos problemas de saúde e da exploração sexual de mulheres das comunidades.
Por meio da aliança com o movimento sindical, sabemos que essa transição energética também não tem sido justa para trabalhadores assalariados: é na geração de energia “limpa” que se concentram os trabalhos mais precarizados, intermitentes e informais. As pessoas da comunidade em geral nem chegam a ser contratadas, porque as empresas costumam trazer técnicos especializados de fora.
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Pouco fica para o território além de precarização e destruição — nem o preço da energia abaixa para as comunidades. Por isso, afirmamos que uma transição realmente justa precisa partir da soberania popular e do povo organizado definindo sobre seu sistema energético, que precisa estar a favor e não contra a vida.
A Marcha Mundial das Mulheres e as demais organizações que compõem a Marcha das Margaridas já elaboraram, em conjunto com muitas mulheres em territórios rurais de todo o Brasil, uma pauta ampla de reivindicações. Parte das respostas que precisamos dar como país, para a questão ecológica já está nas reivindicações da Marcha das Margaridas. Essas reivindicações precisam ser bem estudadas — não só pelos movimentos populares, mas também pelo Estado — e atendidas, porque são elaborações das mulheres que estão a favor de outro sistema econômico, de uma mudança sistêmica na economia para colocar a vida, e não o lucro, no centro.
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*Natália Lobo é agroecóloga, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.
Edição: Rebeca Cavalcante