Na última sexta-feira (24) a guerra da Ucrânia completou exatos 21 meses de duração e, apesar do conflito permanecer sem nenhuma perspectiva de resolução, movimentações da Rússia e da Ucrânia apontam para uma nova fase da guerra em meio a rumores de “congelamento” das atividades militares em larga escala. O esgotamento de recursos, humanos e militares, bem como o fracasso da contraofensiva ucraniana, recalibram a estratégia do Ocidente e da Rússia.
No dia 22 de novembro, foi realizada uma reunião de cúpula virtual entre os líderes do G20, e a guerra da Ucrânia voltou a ser um dos principais assuntos da agenda. Em sua participação, o presidente russo, Vladimir Putin, destacou que Moscou não recusa negociações de paz com a Ucrânia.
“Alguns colegas já disseram nos seus discursos que estão consternados com a contínua agressão da Rússia na Ucrânia. Sim, claro, as ações militares são sempre uma tragédia para pessoas reais, famílias reais e para o país como um todo. E, claro, devemos pensar em como parar esta tragédia. Mas, a propósito, a Rússia nunca recusou negociações de paz com a Ucrânia”, disse Putin.
O presidente russo aproveitou a sua fala para criticar política de “duplos padrões” do Ocidente e fez um paralelo entre a guerra que Israel promove em Gaza com o conflito na Ucrânia, fazendo referência ao início da crise ucraniana, ainda em 2014, e denunciando uma comoção seletiva dos países ocidentais.
“Entendo que isto é uma guerra e a perda de pessoas não pode deixar de ser terrível. Mas o golpe sangrento na Ucrânia em 2014, seguido pela guerra do regime de Kiev contra o seu povo no Donbass? Isto não é terrível? O terrível extermínio da população civil na Palestina e na Faixa de Gaza, não choca?”, acrescentou.
A menção à guerra que Israel promove contra os palestinos em Gaza não é por acaso. A escalada do conflito no Oriente Médio tirou o holofote da guerra da Ucrânia e esfriou a atenção do Ocidente para as demandas do presidente Volodymyr Zelensky. Diante do apoio irrestrito dos EUA – e da Ucrânia - a Israel e, por outro lado, da onda de protestos pelo mundo denunciando o massacre em Gaza, a Rússia se posicionou estrategicamente mais favorável à Palestina, antagonizando o Ocidente.
Já a Ucrânia, no último dia 17 de novembro, anunciou que tomou o controle de território estratégico na margem do rio Dnipro. A região é próxima à cidade de Kherson, anexada pela Rússia, e delimita parte importante da linha de frente na guerra. De acordo com a porta-voz das Forças de Defesa do Sul, Natalya Gumenyuk, as Forças Armadas da Ucrânia deslocaram o exército russo por 3 a 8 km. Ao mesmo tempo não foi esclarecido se as tropas ucranianas controlam totalmente esta área.
:: Ucrânia reivindica ter tomado controle de território estratégico na margem do rio Dnipro ::
A avaliação de especialistas, no entanto, parece ser unânime no sentido de indicar que os recentes êxitos do exército ucraniano serão difíceis de se converter em um verdadeiro avanço na guerra contra a Rússia.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, afirma que, apesar da Ucrânia demonstrar que ainda é capaz de algumas ofensivas bem sucedidas, o que está claro é que as partes “alcançaram o teto de suas capacidades”. “Mas isso não quer dizer que a situação não mude até o verão do ano vem. Vemos que a Rússia promove uma campanha intensiva de recrutamento de novos soldados”, afirma.
Segundo ele, a dificuldade de novas operações ofensivas de larga escala são muito improváveis neste cenário, sobretudo com a chegada do inverno na Europa.
O diretor do Instituto Ucraniano de Política, Ruslan Bortnik, compartilha da visão de que há um limite das capacidades russo-ucranianas para sérias incursões no front de batalha. “A guerra se encontra em uma fase de beco sem saída. Não há capacidade sem novos incrementos de novos armamentos de nenhuma das partes romper o front de batalha de maneira significativa, alcançar algum êxito significativo”, disse ao Brasil de Fato.
Congelamento do conflito?
Este contexto colocou em pauta uma perspectiva de congelamento do conflito, o que vem sendo chamado de “fase posicional”, em que as partes beligerantes se preocupam em defender as suas posições, sem condições de avanços. Segundo um artigo assinado pelo chefe de departamento do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos do Quirguistão, Alexey Izhak, publicado no portal ucraniano Unian, trata-se de um cenário em que “não há solução para a situação, não há reconhecimento de derrota e vitória de nenhum dos lados, mas as hostilidades param por um longo tempo”.
“Esta ideia está gradualmente ganhando força entre os aliados da Ucrânia. No entanto, eu não diria que o tema do congelamento da guerra já esteja ‘sobre a mesa’ - ainda está em discussão. E tudo vai depender do que exatamente a Ucrânia conseguir demonstrar, contando com a assistência que já está disponível”, afirma.
O analista aponta, no entanto, que a posição dos aliados ucranianos, que estão inclinados à ideia de congelar a guerra, pode cair por terra se as Forças de Defesa Ucranianas no sul alcançarem êxito.
“Se a Ucrânia demonstrar operações bem-sucedidas, a teoria do congelamento da guerra ficará em segundo plano. E a posição de apoio a Kiev voltará ao primeiro plano até que seja capaz de negociar com Moscou a partir de uma posição de força”, completa.
O analista do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, também expressou ceticismo em relação à ideia de um congelamento total da guerra. Ele aponta que, em primeiro lugar, é difícil "congelar" um conflito que tem uma linha de combate tão longa - são 1.000 km de linha de frente, e sem alcançar qualquer tipo de acordo de uma trégua, isso seria muito difícil.
“Em segundo lugar, nós vemos que mesmo que sejam interrompidas as operações de ofensiva de grande escala, permanecem diversos ataques de mísseis, bombardeios, então seria preciso algum acordo. É claro que é possível alguma diminuição da intensidade do conflito, quando ambas as partes entendem que não conseguem promover grandes ações ofensivas, sobretudo no inverno, porque é muito difícil movimentar os equipamentos militares sem denunciar suas posições”, analisa.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já declarou na semana passada que a Ucrânia não pode dar-se ao luxo de congelar o conflito com a Rússia. De acordo com ele, um conflito congelado representa um impasse, mas sem capacidade de responder ao inimigo. A Rússia, por outro lado, também não dá sinais de que vai recuar e vem manifestando uma preparação para novas ofensivas.
Oleg Ignatov observa que o cenário de esgotamento que o inverno impõe é mais problemático para a Ucrânia devido à vantagem de recursos humanos e militares da Rússia. Assim, o analista destaca que, mesmo em um cenário de conflito mais congelado, “isso não quer dizer que a situação não mude até o verão do ano que vem”.
“Vemos que a Rússia promove uma campanha intensiva de recrutamento de novos soldados. Ou seja, a Rússia se arma e busca mais soldados, e claramente isso não é apenas para dar apenas apoio à linha de frente. A Rússia se prepara, se não para uma escalada, mas para uma possibilidade de escalada, em um cenário que ela possa estar preparada para fazer essa ameaça”, completa.
Edição: Leandro Melito