Paraíba

Coluna

Educação Antirracista na Paraíba: ensaio fotográfico e a identidade racial de estudantes negros do Ensino Médio (2023)

Professora Solange Mouzinho e estudantes participantes do ensaio fotográfico: Minha Ancestralidade Africana - 2023 - Foto: Heloísa Araújo
Utilizo como estratégia de ensino a busca do fortalecimento da autoestima de estudantes negros/as

Por Solange Mouzinho Alves* 

O ano de 2023 tem sido marcado por reflexões de 20 anos de uma política pública antirracista no campo educacional de cunho universal, ou seja, os preceitos da Lei 10.639/03 visam atender a todos os/as estudantes em escolarização, independente de origem racial e outros marcadores sociais. De acordo com Conceição e Oliva (2023), essa normativa legal resulta de “insurgência, da ação anticolonial e da luta antirracista dos movimentos sociais e intelectuais negros/as e seus/as aliados/as” que confrontaram valores da sociedade brasileira e denunciaram o “racismo e o colonialismo intelectual” presentes nas relações sociais e nas áreas do conhecimento. 

Sendo que os currículos escolares, historicamente, apagaram ou distorceram a participação histórica de segmentos sociais como os povos indígenas, a população africana e os/as seus/suas descendentes. O dispositivo com 20 anos tem possibilitado contar e recontar outras histórias nas salas de aulas. Ganham espaços nas narrativas indivíduos, a exemplo de Zumbi, Dandara de Palmares e Tereza de Benguela que integram a formação do Brasil no período colonial, focando suas ações sociopolíticas e suas relações com integrantes das elites e com seus “malungos” em momentos conflituosos e de alianças.

Entretanto, como professora da educação básica na rede Estadual da Paraíba, em meus projetos de ensino as espacialidades e temporalidades são alargadas para inclusão de conhecimentos sobre sociedade antigas (Egito, Núbia, Axum, Cartago, Gana, Mali, etc.) e os protagonismos coletivos e individuais no Brasil, no que se refere às revoltas sociais (a Conjuração Baiana/1798 e a Revolta dos Malês/1835). Para além do ensino desses conhecimentos, utilizo como estratégia a busca do fortalecimento da autoestima de secundaristas negros/as. Para tanto, decidi mostrar literalmente os rostos de parte da turma com o ensaio fotográfico cuja estética vincula-se à ancestralidade africana.

Nesse sentido, com o propósito de valorizar e vivenciar situações em que pessoas negras no passado deixaram memórias em que suas vidas eram dignas e, em alguns casos, puderam integrar a aristocracia como reis e rainhas que viveram em África, a exemplo de Nã Agotime (fundadora de religião de matriz africana em São Luiz/MA).

No decorrer do desenvolvimento dessa experiência, com cinco estudantes autodeclarados como negras e negros (Ana Heloísa, Raíssa Basílio, José Moabe, Mikael e Isabela) foi possível ver o encantamento com toda a produção feita para essa atividade: maquiagem, tecidos, acessórios, cenário e muitos flashes... sendo que as/os estudantes, protagonistas, relataram a importância do ensaio para sua autoestima, um exemplo:

“Vivendo essa experiência, eu tive a oportunidade de me enxergar sob uma nova perspectiva e, pela primeira vez, me olhar no espelho e me sentir empoderada, bonita e valorizada diante disso tudo. É inegável que viver essa experiência, com certeza, afetou a minha autoestima positivamente” (Isabela, 3ª série).

De certa maneira, esse depoimento da estudante representa o sentimento de outras/os demais discentes participantes e, podemos verificar, o quanto essas práticas são importantes na definição da identidade e do fortalecimento da autoestima de adolescentes negros/as. 

Em se tratando da Lei Educacional Antirracista, a sua aplicabilidade representa um expressivo avanço na educação brasileira, um caminho para o enfrentamento e combate às desigualdades raciais e aos racismos. Por fim, sem dúvida, é uma ferramenta (teórica e prática) na construção de identidade racial negra e para se formar uma visão positiva de si, desenvolvida por meio de vivências práticas, e, conforme as ponderações de Cavalleiro (2001), de um lado se retira do silenciamentos os conteúdos sobre o povo negros e os/as estudantes conhecem suas histórias, de outro, há potencialidades para que integrantes de outros grupos étnico-raciais da sala da aula e da comunidade escolar possam perceber que suas e seus colegas tem um passado e presente. E, esperamos, como a confiante bell hooks, que a voz pode nos libertar....


PARA SABER MAIS
 

ALVES, Solange Mouzinho. Parentescos e sociabilidades: experiências familiares dos escravizados no sertão paraibano (São João do Cariri), 1752-1816. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA, 2015.

CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e antiracismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.

CONCEIÇÃO, Maria Telvira da; OLIVA, Anderson R. A construção de epistemologias insubmissas e os caminhos possíveis para uma educação antirracista e anticolonial: reflexões sobre os 20 anos da Lei 10.639/2003. Revista História Hoje. São Paulo, v. 12, n. 25, 2023. Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/1080/517 


* Professora de História da SEECT-PB, na Escola Cidadã Integral João Caetano (Bayeux/PB). Mestra em História pelo PPGH/UFPB.


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Edição: Polyanna Gomes