Após diversas greves dos servidores públicos, uma alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) passou a ser considerada para sanar a dívida do Estado com a União, que aumentou 36% desde que Romeu Zema (Novo) tomou posse, chegando a quase R$ 160 bilhões. O atual governador defendeu a adesão de Minas Gerais ao RRF desde o seu primeiro mandato.
Tomando como base o caso mineiro, em reunião com o governo federal, na terça-feira (21), os presidentes do Senado e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Rodrigo Pacheco e Tadeu Leite, respectivamente, apresentaram uma proposta de repactuação entre os estados e a União que, ao invés de apenas suspender a dívida, busca formas dos entes federados conseguirem pagá-las.
No encontro, Lula (PT) destacou o compromisso de sua gestão em encontrar uma solução positiva, que não prejudique os serviços e servidores públicos de Minas Gerais. O presidente da República também criticou a postura de Romeu Zema que, segundo ele, não procurou estabelecer diálogo com o governo federal para resolver a questão.
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"Da parte do governo federal, eu tenho certeza que os ministros vão fazer todo o esforço para que a gente encontre uma solução amigável, que possa ser sustentável para o Estado e para a União. O governo federal quer ajudar, nós queremos dialogar e queremos resolver o problema. Eu só espero que haja boa vontade do governador de fazer alguma coisa que seja razoável aos olhos da sociedade mineira e do povo brasileiro", disse o petista durante a reunião.
Na avaliação do cientista social Estevão Cruz, as movimentações são resultado das amplas mobilizações contra o RRF, organizadas pelas categorias do funcionalismo público, desde o início deste mês.
"Não seria possível essa abertura de negociação alternativa ao RRF sem as greves e mobilizações das duas últimas semanas. Elas não só criaram um ambiente hostil ao Zema, como estabeleceram um limite para qualquer alternativa: não mexam com servidores e com as estatais", afirmou.
Zema recua, mas debate sobre federalização exige cautela
Após as movimentações, Romeu Zema recuou e deu declarações de que tem acordo com uma das medidas defendidas pelos presidentes do Senado e da ALMG, que propõe a entrega de ativos de Minas para a União, como forma de quitar a dívida.
Na prática, isso significa que empresas estatais mineiras, como a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), a Companhia Energética Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), passariam a ser de responsabilidade do governo federal.
Uma das promessas de campanha do atual governador e das exigências para a adesão ao RRF era a privatização de empresas públicas, como as citadas.
Jefferson Leandro, que é diretor do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética (Sindieletro/MG), destaca que a venda das empresas seria extremamente prejudicial para o estado. Porém, ele avalia que é preciso cautela e discutir mais profundamente sobre a federalização.
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Um dos aspectos levantados pelo dirigente do Sindieletro/MG é que, ainda que exista hoje a segurança de que o governo Lula não irá entregar as empresas para a iniciativa privada, em um prazo de 20 anos, o cenário pode mudar.
"Esse debate está acontecendo durante o governo Lula, que é progressista e diz que não irá privatizar. Mas, nós precisamos trabalhar a perspectiva de pensar os cenários de um futuro governo, que não necessariamente tem esse mesmo compromisso. Temos que ter os dispositivos jurídicos protegendo essas empresas. Na proposta de Rodrigo Pacheco fica essa insegurança", comenta.
Para Jefferson, era necessário ter assegurado um mecanismo, equivalente ao que existe na Constituição de Minas, que dificulte a venda das empresas. Atualmente, no estado, existe uma regra que exige que o governo realize um referendo popular para poder privatizar a Cemig, a Copasa e a Gasmig. Neste momento, está tramitando na ALMG um projeto de Romeu Zema, que propõe acabar com a obrigatoriedade.
"Além disso, nós temos aqui no estado uma história de luta contra privatizações. Tem um contexto histórico, uma relação de pertencimento do povo de Minas, que é importante para defesa das estatais. As pesquisas apontam que mais de 60% da população é contra as privatizações. Então isso também tem que ser colocado nessa balança. Precisamos de fato garantir na redação da proposta garantias da não privatização", conclui o sindicalista.
Outras propostas
Além do repasse de ativos para a União, o documento apresentado ao governo federal também sugere outras medidas possíveis. Uma delas é destinar os recursos oriundos das ações judiciais contra as mineradoras responsáveis por crimes socioambientais em Minas Gerais, que seriam repassados ao governo estadual, para o governo federal. Assim, além de quitar a dívida, os recursos teriam que ser utilizados nos municípios de Minas Gerais.
O texto também levanta a possibilidade de antecipação do crédito do estado junto à União, em compensação às perdas causadas pela Lei Kandir.
Até o momento, o governador não se pronunciou especificamente sobre essas outras possibilidades.
RRF não é resposta
Ainda que seja necessário avaliar com mais calma o mérito das propostas dos presidentes do Senado e da ALMG, a auditora fiscal Maria Aparecida Meloni, conhecida como Papá, reafirma que é preciso superar de vez a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) como alternativa.
Além das privatizações, o RRF prevê o congelamento dos salários dos servidores por quase uma década, a suspensão da realização de concursos públicos e a retirada de direitos históricos, como progressões de carreira e férias prêmio. Ao mesmo tempo, a proposta retira a autonomia do Estado, ao criar um Conselho de Supervisão do Regime.
Em troca, a dívida do Estado é suspensa pelos próximos nove anos, mas depois volta a ser cobrada com juros e correções. Nos três estados que aderiram ao regime, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás, os governadores dizem que se arrependem. Isso porque, entre outras consequências, após a adesão ao RRF, na realidade, as dívidas cresceram.
"Defendemos a necessidade de abrir um diálogo com o governo federal e com a União para buscar uma solução negociada, que efetivamente traga a recuperação e o equacionamento consistente e sólido para a crise e não apenas o empurrar com a barriga", avalia Maria Aparecida Meloni.
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“A solução desse problema é buscar uma alternativa fora das amarras do RRF, na via de restabelecer o diálogo, encontrando uma forma de cumprir os compromissos contratuais sem inviabilizar a prestação de serviços públicos, sem vender patrimônio dos mineiros, sem pôr mais arrocho sobre o servidores, que já estão com sobrecarga de trabalho e na iminência de congelamento de salário”, complementa a auditora fiscal.
Assembleia Legislativa
Mesmo com a nova declaração do governador, a proposta de adesão ao RRF segue em tramitação no parlamento mineiro. Na tarde de terça-feira (21), o tema entrou em debate na Comissão de Constituição e Justiça da ALMG.
Na ocasião, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) criticou a medida e lembrou que, mesmo diante da situação fiscal de Minas, no início deste ano, Romeu Zema aumentou o seu próprio salário em quase 300%.
“Quando o Estado está passando por dificuldades não se pode aumentar o salário do governador em 300%, enquanto tem servidor público que está há 10 e 15 anos sem reposição da inflação. A população precisaria vir em primeiro lugar”, relembrou a deputada.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida