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Congresso Brasileiro de Agroecologia ecoa 'pacote integrado' para retomada de políticas públicas

CBA apresentou a retomada do Programa Ecoforte e da Política Nacional de Agroecologia, entre outras iniciativas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O combate à fome é tema central na realização do Congresso Brasileiro de Agroecologia - Audiovisual Marginal

Poucas horas antes da Conferência de Abertura do 12° Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), a melodia da música "Anunciação", de Alceu Valença, conectou com as expectativas de ouvir os "sinais agroecológicos" do dia. O ritmo estava na lista puxada pelo Bloco da Terreirada, que entre percussão e pernas de pau, saudou a diversidade de cores e bandeiras agitadas no prédio da Fundição Progresso, no centro do Rio de Janeiro.  

O primeiro dia do 12º CBA ecoou a retomada e redefinição de políticas públicas e espaços importantes para a agroecologia no país. Nesta segunda-feira (20), foram anunciados o relançamento do programa Ecoforte e a reconstituição da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). Também foram colocadas em prática ações solidárias contra a fome para pessoas em situação de rua e utilização de uma Cozinha Solidária dentro do Congresso.

Entre anúncios e intervenções, a efervescência política da abertura do CBA serve como termômetro da caminhada do Congresso e dos princípios que foram construídos coletivamente ao longo de sua existência. De uma origem da cientificidade agroecológica, o CBA completa duas décadas, agregando novos debates e práticas. Com o lema “Agroecologia na boca do povo”, esta edição defende o combate à fome, a popularização da agroecologia e o compromisso de uma ciência crítica e que atenda aos interesses populares. 

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“A agroecologia é um enunciado político. Ou ela é abraçada pelo povo com entendimento da compreensão do que significa isso, que é uma luta política de relações de poder, ou a gente vai continuar refém de uma lógica política que está instalada, que é de clientelismo, de alienação e do curto prazo. Nós temos que pensar os horizontes históricos, temos que olhar para as ancestralidades, como diz [Ailton] Krenak, o futuro é ancestral. E como é que pensamos o futuro não desconectado da ancestralidade, sabendo que essa memória está sendo apagada?”, questiona Paulo Petersen, da AS-PTA e da Comissão Organizadora do CBA, que pela primeira vez está sendo realizado fora de uma instituição de ensino e optou pela abertura no Dia da Consciência Negra.


Cortejo do Bloco da Terreirada começou nos Arcos da Lapa / Isis Medeiros

Transversalidade e retomadas

As iniciativas políticas agroecológicas anunciadas foram defendidas em um contexto de trânsito permanente entre diferentes setores populares e de gestão pública. A inter-relação, segundo Petersen, afirma uma diversidade e pluralidade em que a agroecologia é entendida, enquanto prática, movimento popular e conhecimento. 

“Temos o entendimento, quando falamos em política pública para a agroecologia, que não estamos falando de um único setor, mas de vários setores. Estamos falando da Esplanada dos Ministérios inteiro”, afirma Petersen.

O 12º CBA tem a participação de pastas como Desenvolvimento Agrário; Saúde, Ciência, Tecnologia e Inovação; Cultura; além de Povos Indígenas. Também marcam presença autarquias como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). 

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“Isso tem muito significado, porque a agroecologia não é só assunto agrícola e rural. A agroecologia, promove a saúde. Saúde não é falta de doença, é um estado de bem-estar, não só individual, mas coletivo. Isso tem muito a ver com a nossa saúde mental, a nossa relação com a natureza, a forma de trabalhar”, define Petersen.

A economista Tereza Campello, diretora socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), segue a ressonância do entendimento. Durante a Conferência, ela defendeu uma “ambição grande” e benéfica da agroecologia no país, considerando sua capilaridade em propostas de direitos sociais e questões ambientais. 

“Não dá para achar que com programas pontuais vamos dar conta da ambição que nós temos. A agroecologia precisa perpassar, tem que impregnar a agenda do governo como um todo”, apontou, ao exemplificar a importância da integralidade de questões como crédito, pesquisa agroecológica e abastecimento alimentar.  

Outro sentido defendido no primeiro dia do CBA 2023 foi o de retomada de programas e ações que foram interrompidas nos últimos anos. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, citou a descontinuidade das políticas agroecológicas no país após o golpe que tirou a presidenta Dilma Rousseff da presidência, em 2016. Ao afirmar também a importância de um compromisso interministerial, o chefe da pasta confirmou recursos de diferentes setores governamentais para garantir, entre outras propostas, a elaboração de uma nova edição do Plano Nacional de Agroecologia (Planapo), em março de 2024. 

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“Estamos em um momento da humanidade que precisamos de uma mudança para a agricultura agroecológica. O planeta está reclamando. Por isso,  precisamos de uma agricultura que possa recuperar as nascentes de águas, matas ciliares, áreas de proteção ambiental. E também temos os temas da saúde. Porque hoje os efeitos na saúde com o tipo de agricultura que é praticada são muito fortes”, afirma Teixeira. 


Assinatura de retomada do Programa EcoForte foi um dos momentos mais aguardados da noite / Assessoria de Comunicação do MDA 

Ecoforte

A assinatura de retomada do Programa de Fortalecimento das Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica (EcoForte) foi um dos momentos mais aguardados na noite desta segunda-feira (20). Além de Paulo Teixeira, a cerimônia contou com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo.

Descontinuado em 2016, o Programa EcoForte se propõe a fortalecer a agroecologia e a produção orgânica por novos modelos de desenvolvimento econômico, alinhados aos princípios de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental. A iniciativa visa juntar um impulsionamento da produção agrícola sustentável  e contribuir para a promoção de práticas que combatam a fome, a pobreza e as desigualdades.

O EcoForte conta com parcerias estratégicas, incluindo o BNDES e a Fundação Banco do Brasil. A proposta é disponibilizar recursos para apoiar os projetos de práticas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade e de sistemas produtivos orgânicos e de base agroecológica. Fruto de propostas populares, o programa propõe o fortalecimento de redes territoriais de agroecologia, com a elaboração articulada de quem produz alimentos, universidades, movimentos populares, ONGs e prefeituras.

:: Cada iniciativa de agroecologia é fundamental para o planeta  :: 

“Essa é uma novidade muito grande de uma política que não vem de cima para baixo. Os recursos chegam a partir de propostas e demandas de quem está no território, a partir da sua realidade, obedecendo a certos princípios que estão nos editais. Isso é uma inovação imensa, de pensar a política pública, eu diria que é uma das maiores novidades políticas que existem em termos de política pública no mundo, quando a gente fala em agroecologia, é o Programa Ecoforte”, defende Petersen.

Cozinhas solidárias a ação contra a fome 

Na tarde desta segunda-feira, foi realizada a intervenção “Ação contra a Fome!”, com a distribuição de feijoadas agroecológicas para a população em situação de rua. Cerca de mil marmitas foram distribuídas para pessoas em situação de rua nos arredores da Fundição Progresso. A iniciativa foi realizada pela Cozinha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Centro de Teatro do Oprimido. 

Para a alimentação de participantes do CBA, o  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Minas Gerais (MST-MG) e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) organizou um espaço com alimentos oferecidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores do Rio de Janeiro (MPA-RJ). A iniciativa vai permanecer até quinta-feira (23), último dia do Congresso.   

As atividades afirmam o que está previsto na retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), anunciada pelo MDA desde março deste ano. Criado há 20 anos, o programa foi instituído para incentivar a agricultura familiar com a compra e distribuição de alimentos por órgãos públicos. Desta forma, há uma contribuição para estoques públicos de alimentos saudáveis para a população. A novidade no relançamento de sete meses atrás é a participação das Cozinhas Solidárias. 


A relação das Cozinhas Solidárias com o PAA foram colocadas em prática durante o CBA / Audiovisual Marginal

CNAPO

A noite desta segunda-feira também contou com a apresentação da Cnapo, que será responsável pela promoção da participação social no acompanhamento da execução, aprimoramento e monitoramento da Planapo no próximo ano. No último dia 22 de setembro, através de edital e votação das organizações e movimentos inscritos, o colegiado com 44 inscritos foi definido. 

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que é composta por movimentos populares de abrangência nacional, redes estaduais e regionais, além de centenas de grupos, associações e ONGs, participa da Cnapo pela terceira vez. A ANA será representada na comissão por Paulo Petersen e pela cientista social Sarah Luiza Moreira, do GT Mulheres e do Coletivo de Articulação Política da ANA. 

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“A retomada da Cnapo é uma grande conquista para nós que ajudamos a construir esse espaço. A sua recomposição, a partir do diálogo entre organizações do movimento agroecológico, mostra como seguimos articuladas/os mesmo nesses últimos seis anos de retrocesso e fechamento das instâncias de participação social”, diz Sarah Luiza Moreira. 

Edição: Vivian Virissimo