Às vésperas do fatídico 19 de novembro, quando decidirão o próximo presidente do país, os argentinos estão absolutamente divididos entre o peronista Sérgio Massa, da União pela Pátria, e Javier Milei, da Aliança pela Liberdade, candidato da extrema-direita.
Foram semanas de acusações, provocações e decisões judiciais, que culminaram em um cenário de absoluta tensão em ambos os lados da disputa presidencial. No último dia de campanha permitido pela legislação eleitoral, os candidatos optaram por agendas distintas.
Sérgio Massa foi até o colégio Carlos Pellegrini, em Buenos Aires, na tarde da última quinta-feira (16), em um ato mais simbólico e sem a preocupação de demonstração de força popular. Milei tem atacado frequentemente a educação e traz, em sua agenda para o setor, a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, pauta combatida pelos peronistas.
Aos estudantes, Massa disse querer ser o presidente que irá “acabar com os problemas”. “O passado não se discute mais, não estamos falando de um ou outro ex-presidente. Somos dois os que podemos governar a partir de 10 de dezembro. Sabendo dos meus erros, fracassos e frustrações, quero que saibam que todo meu esforço e aprendizado estão a serviço da pátria.”
Com a visita ao colégio, a equipe de Massa mirou um último esforço em buscar o voto dos jovens, que estão mais próximos de Milei. Desde 2013, há a possibilidade de que argentinos de 16 e 17 anos votem, um direito opcional.
“O voto jovem é importante na definição do processo eleitoral”, disse Massa aos estudantes. “É tempo de defender as utopias, de defender que se possa estudar onde quiser, sem que alguém lhe cobre por isso, de escolher onde trabalhar, sem que alguém te roube os direitos.”
Antes de falar aos estudantes, Massa se encontrou com empresários argentinos em um hotel na Recoleta, em Buenos Aires. Na reunião, falou sobre a relação com o Brasil, que Milei afirma que será rompida, caso seja eleito presidente.
“Muitos dos que aqui estão representam o agro. Sabem quantos empregos perderemos se acabar a relação com o Brasil? Serão 140 mil empregos”, explicou Massa, que é ministro da Economia do governo de Alberto Fernandez e que preferiu não dizer quem será seu sucessor no cargo, caso vença o pleito presidencial, apesar da pressão dos empresários durante o encontro.
Milei e a “tirania da maioria” em Córdoba
Um dos encargos das equipes de Massa e Milei é convencer que eleitores compareçam às urnas no domingo. No primeiro turno, realizado em 22 de outubro deste ano, a Argentina registrou a maior abstenção de sua história, 26% dos argentinos não compareceram às urnas, escancarando um desânimo de nossos vizinhos com a política.
Em Córdoba, segundo maior colégio eleitoral da Argentina, atrás apenas de Buenos Aires, 25% da população não votou. Foi justamente em solo cordoves que Javier Milei decidiu encerrar sua campanha, na noite da última quinta-feira (16).
Historicamente, Córdoba é um reduto anti-peronista. No primeiro turno, Milei venceu no estado, com 33% dos votos e Massa conseguiu apenas 13%, ficando atrás de Patrícia Bullrich e Juan Schiaretti.
O cientista social Ariel Goldstein, da Universidade de Buenos Aires, falou com o Brasil de Fato sobre a importância de Córdoba para a eleição argentina e ressaltou que a região é “caracterizada por uma grande oposição ao peronismo.”
“Massa necessita crescer em Córdoba se quiser vencer o segundo turno. Esse estado votou massivamente em (Maurício) Macri em 2015 e 2019 e pode se inclinar ainda mais à favor de Milei, eles rechaçam o kirchnerismo-peronista. Este é um dilema para Massa”, explica Goldstein.
Em um comício acompanhado por milhares de pessoas, na região central de Córdoba, Milei discursou ao lado de Patrícia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno da eleição presidencial e aliada do candidato da extrema direita no segundo turno.
Em seu discurso, voltou a derrapar e atacou um dos pilares da democracia, que é a prevalência do desejo da maior parte da população. “No fundo, o que estamos decidindo é se queremos a tirania da maioria, o populismo peronista ou voltar a abraçar a liberdade”, sentenciou Milei.
“Quero pedir a vocês que neste domingo o medo não ganhe da esperança, que seja a esperança a grande vencedora”, gritou Milei. O candidato pediu que seus eleitores cooperem com a fiscalização da eleição.
Na véspera do comício em Córdoba, uma petição judicial, encabeçada pela irmã de Javier Milei, Karina Milei, pediu que as Forças Armadas transportem as urnas com votos até a Direção Nacional Eleitoral.
De acordo com os representantes da Liberdade Avança, a Gendarmería, um grupo policial que é responsável pelo transporte das urnas, teria cometido uma “fraude colossal” no primeiro turno.
“Neste momento (do transporte), trocam o conteúdo das urnas e da documentação por outras, que modificaram, em favor do partido governante e de Sérgio massa, o que altera consideravelmente o resultado eleitoral”, afirma o texto da petição.
A tentativa de tumultuar e colocar em dúvida o processo eleitoral fez Massa reagir. “Tenho enorme respeito e confiança pelo trabalho que cada juiz eleitoral e a Câmara Nacional Eleitoral fazem há muitos anos”, explicou o peronista, que criticou Karina Milei. “Essa ideia, que é de (Donald) Trump e (Jair) Bolsonaro, como forma de não aceitar o resultado, é muito ruim.”
Empatados?
Com esse clima, os argentinos irão às urnas. As pesquisas indicam que o país está dividido e os especialistas não arriscam palpites para quem sentará na cadeira presidencial na Casa Rosada, a partir de 10 de dezembro.
A legislação eleitoral na Argentina proíbe a divulgação de pesquisas na semana que antecede a votação. Sendo assim, o último levantamento divulgado é da AtlasIntel, divulgado no dia 10 de novembro, que coloca Milei à frente, com 52,1% das intenções de voto. Massa aparece com 47,9%. A margem de erro é de 2,2%, o que deixa os candidatos empatados tecnicamente.
Em 8 de novembro, o Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag) divulgou uma pesquisa que aponta vitória de Sérgio Massa, com 46,7%, contra 45,3% de Milei.
O instituto Solmoirago, que publicou sua pesquisa também no dia 8 de novembro, aponta vitória de Miliei, com 44,2%, contra 42,5% de Sérgio Massa, em mais um cenário de empate técnico.
De acordo com a Direção Nacional Eleitoral, 35 milhões de argentinos estão aptos a votar nas 104.577 seções eleitorais do país. No sistema da Argentina, os eleitores recebem um envelope vazio e seguem para uma cabine vazia, onde seleciona a chamada “boleta”, uma cédula, que corresponde ao seu candidato, e a insere no envelope.
Edição: Leandro Melito