Que Sergio Massa foi melhor do que Javier Milei no debate prévio ao segundo turno da eleição presidencial, parece ser um consenso entre especialistas e institutos de pesquisa na Argentina, além do próprio quartel-general da campanha peronista, onde a palavra de ordem é não cantar vitória e não relaxar, porque a disputa ainda está indefinida.
Uma percepção que marca uma diferença nítida entre os dois candidatos é a seguinte: Massa tem vontade de governar e tem propostas claras sobre como lidar com os problemas do país, de forma serena, enquanto o ultraliberal Milei parece não gostar da Argentina e demonstra isso com desequilíbrio emocional.
Se isso terá impacto na votação do próximo domingo (19), é uma incógnita, pois não se sabe até que ponto os 9% de eleitores indecisos assistiram ao debate, acompanham as repercussões e se deixam influenciar por elas.
No domingo (12) à noite, Massa reuniu os dirigentes que havia convidado para o debate, incluindo muitos de partidos que não pertencem à coalizão União pela Pátria, e pediu que continuem mantendo a humildade e a serenidade. “A eleição é vencida no domingo e não devemos relaxar ou baixar a guarda”.
No dia seguinte, a equipe de Massa revisou partes do debate e chegou à conclusão de que Milei passou a impressão de que “odeia o país que quer governar” e quer “gerir o Estado para eliminá-lo”. Quando o adversário falou sobre o comércio com a China ou o Brasil, teria demonstrado uma “ignorância total” porque os empresários não podem negociar com outros países se o Estado não participar.
A campanha de Massa acha que o encontro comprovou a “instabilidade emocional” de Milei, porque oscilou o tempo todo entre a raiva, o sorriso e a ironia, e mostrou que Massa é um “candidato muito mais sério, com ideias e um programa de governo”.
O debate
De todos os especialistas ouvidos pelo diário Página 12 sobre o debate, uns falam em nocaute, outros em vitória por pontos com folga para Massa. Alguns consideram que o grande acerto do candidato governista — ele é o ministro da Economia — foi levar Milei a debater sobre suas propostas inconsistentes, com provocações do tipo “responda sim ou não”, em vez de ficar defendendo a atual gestão econômica do país, que vive uma crise gravíssima. Outros acham que Milei não tem envergadura, nem em termos de conhecimento nem de personalidade, para chegar até onde chegou até agora. O Brasil de Fato selecionou algumas avaliações.
Vontade de governar
Quando Emmanuel Macron foi candidato à presidência da França pela primeira vez, relata Raúl Timerman, do Grupo de Opinião, depois de renunciar ao Ministério da Economia em um governo socialista, ele formou um partido e chegou ao segundo turno contra Marine Le Pen. “Naquele momento, recebeu uma ligação de Barack Obama, que disse: ‘Macron, mostre aos franceses que você quer ser presidente. O eleitorado quer votar em alguém que queira ser’. E Massa, no debate, demonstrou que quer ser presidente”.
Timerman citou também Elliot Jacques, falecido estudioso canadense de organizações e práticas gerenciais, que dizia que para ser eficiente, é preciso cumprir os seguintes requisitos: ter a capacidade necessária que a função requer; ter as habilidades e conhecimentos; valorizar a função; e não ter características de personalidade disruptivas para o exercício dessa função. “Bem, para o papel de presidente, dá a impressão de que Sergio Massa cumpre com os quatro requisitos e também dá a impressão, a partir do debate, de que Milei não cumpre com nenhum deles”.
Por pontos
“A habilidade de Massa”, resumiu Federico Aurelio, da Aresco, “fez com que, em vez de referendar sua gestão, ele questionasse as diferentes afirmações de Milei ao longo do tempo, primeiro na questão econômica e depois em outros temas. Todos sabemos que a maioria das propostas de Milei têm apoio minoritário e, nesse sentido, o próprio Milei, ciente dessa situação, não pôde confirmar muitas das que fez ao longo do tempo. Isso o enfraqueceu. Massa o encurralou em várias ocasiões e, por isso, venceu com amplitude”.
Candidato amador
Segundo Eduardo Fidanza, da Poliarquía, o debate confirmou a percepção de que Milei é um “amador”, que se encontrou diante de um superprofissional que, claramente, o venceu. E também que o candidato de extrema direita é o produto de recursos audiovisuais “medíocres, para os quais qualquer excêntrico vale mais do que alguém lúcido, porque aumenta a audiência”. Foi isso, diz o analista, que deixou Milei famoso. “Mas se candidatar à presidência a partir daí é outra coisa: são necessárias virtudes muito específicas das quais ele carece”.
No entanto, ele pondera que tal percepção não garante que Massa tenha o caminho desimpedido, pelo menos por duas razões: a “calamitosa” situação social e econômica do país e o acordo firmado entre Milei e a candidata derrotada no primeiro turno Patricia Bullrich, cuja consequência é, até hoje, que dois terços dos eleitores dela pretendem votar em Milei. “Se isso for confirmado, Massa terá um caminho muito difícil”.
Reta final
Para aproveitar o embalo do bom desempenho no debate e tentar conquistar eleitores indecisos, a campanha peronista bota o pé na tábua na semana decisiva. Após viajar a San Vicente para um encontro com forças de segurança na segunda-feira e a Rio Negro e Neuquén nesta terça, estão previstos ainda uma reunião com jovens estudantes na Cidade de Buenos Aires na quarta e um encerramento de campanha na quinta, que deverá ser semelhante ao da campanha do primeiro turno, possivelmente numa fábrica, para que o candidato seja visto cercado por trabalhadores e trabalhadoras, sem bandeiras partidárias.
Edição: Leandro Melito