Em declaração ao jornal The New York Times, Khalil al-Hayya, integrante da alta cúpula do Hamas, afirmou que o grupo foi bem sucedido em dar novamente visibilidade mundial à causa palestina e que os ataques do 7 de outubro "mudaram toda a equação" entre Gaza e Israel.
"Espero que o estado de guerra com Israel se torne permanente em todas as fronteiras e que o mundo árabe esteja conosco", disse ao jornal estadunidense Taher El-Nounou, conselheiro de comunicação social do Hamas.
Ao Brasil de Fato, analistas políticos especialistas no tema avaliam que as declarações do Hamas demonstram um cálculo político que chegou aos objetivos, mas que também cobram um alto preço para a população palestina.
Arturo Hartmann, jornalista e pesquisador da questão palestina, avalia que o Hamas realmente atingiu o objetivo de mudar a equação e colocar o tema em evidência do ponto de vista diplomático.
"A questão palestina estava adormecida, domesticada. O nível de controle israelense, inclusive para quem olhava criticamente em termos da colonização do território, parecia intransponível, invencível", avalia Hartmann.
Mohammed Nadir, coordenador do Laboratório de Estudos Árabes da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Coordenador do GT África no Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB-UFABC) concorda que tendência antes do ataque era que a questão palestina caísse no esquecimento.
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Vale lembrar que até o início de outubro, Israel e Arábia Saudita flertavam para o restabelecimento de relações diplomáticas. Os sauditas são considerados um dos maiores patrocinadores do extremismo islâmico, financiando – ainda que clandestinamente –grupos como Al Qaeda e Estado Islâmico. Se os sauditas deixassem de considerar Israel como inimigo histórico, isso poderia enfraquecer substancialmente o apelo internacional que o tema possui.
"A realidade política de Israel também mudou muito, com o crescimento da extrema direita, que é contra soluções pacíficas e de dois estados. Foi sendo cada vez mais aceita a tese da 'limpeza', ou seja, a expulsão dos palestinos da chamada 'terra prometida'. O grande crescimento dos assentamento na Cisjordânia é prova disso: quase um milhão de colonos armados até os dentes, com licença para matar impunemente, protegidos pelo Exército", diz Nadir.
Já Hartmann pondera que a tática do Hamas não é unanimidade dentro do grupo guerrilheiro, que atua de forma descentralizada para garantir sua sobrevivência no caso de morte e prisão de suas lideranças. "Não foi um plano formulado pelo Hamas como um todo, mas uma parte do Hamas pensou e executou. Aí o movimento vai em apoio a esse grupo", pontua.
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"No momento, você tem um apoio dentro do Hamas e da população palestina. E acho que isso acontece não pelos atos em si do dia 7, porque a gente está discutindo aqui atrocidades e crimes de guerra, mas porque, de fato, o ato coloca de novo na mesa as ações e os ataques desproporcionais de Israel, os massacres e agora a configuração de genocídio. Coloca a questão palestina de novo no alto da prateleira, diplomaticamente falando."
Apesar de atingir alguns objetivos na esfera política, o Hamas se encontra diante de um dilema quando defende uma "guerra permanente", com o alto custo de vidas palestinas perdidas no massacre promovido por Israel.
"Quanto a população palestina aguenta esse massacre israelense? Então, você tem a mudança, estraçalham o status quo e abrem uma nova frente de batalha. Agora eles esperavam o movimento das ruas árabes. Isso de alguma forma está acontecendo, mas tem que ver até que ponto isso tem algum efeito de fato sobre a questão palestina."
Nadir pondera que a solução militar não resolve o conflito. "O que acontece em Gaza diz respeito a todos, não apenas palestinos e israelenses. É o tipo de coisa que desafia nossa civilização, desde o Vietnã, Líbano, Bósnia-Herzegovina testemunhamos eventos que nos fazem questionar como evoluímos enquanto humanidade."
Ele avalia que o conceito de "guerra permanente" pode causar a expulsão dos palestinos do território, mas, acima de tudo, será um enorme desafio para a comunidade internacional.
"Se a questão árabe-israelense não for resolvida, vai levar ao questionamento de todo o sistema internacional, instituir a lei do mais forte. Pode ser um efeito dominó de desrespeito às leis internacionais, cada país faz o que bem entender. Países com desejos expansionistas podem usar o exemplo israelense e anexar outros territórios, expulsando os moradores."
Contexto
O cerne da questão árabe-israelense é a forma como o Estado de Israel foi criado, em 1948, com inúmeros pontos não resolvidos, como a esperada criação de um Estado árabe na região da Palestina, o confisco de terras e a expulsão de palestinos que se tornaram refugiados nos países vizinhos.
A decisão pela criação dos dois estados foi tomada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e aconteceu sem a concordância de diversos países árabes, gerando ainda mais conflitos na região.
Ao longo das décadas seguintes, a ocupação israelense nos territórios palestinos – apoiada pelos EUA – foi se tornando mais dura, o que estimulou a criação de movimentos de resistência. Foram inúmeras tentativas frustradas de acordos de paz e, na década de 1990, se chegou ao Tratado de Oslo, no qual Israel e a Organização para Libertação da Palestina se reconheciam e previam o fim da ocupação militar israelense.
O acordo encontrou oposição de setores em Israel – que chegaram a matar o então premiê do país – e de grupos palestinos, como o Hamas, que iniciou sua campanha com homens-bomba. Após a saída militar israelense das terras ocupadas em Gaza, ocorreu a primeira eleição palestina, vencida pelo Hamas (2006), mas não reconhecida internacionalmente. No ano seguinte, o Hamas expulsou os moderados do grupo Fatah de Gaza e dominou a região.
Em 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou sua maior operação até então, invadindo o território israelense e causando o maior número de mortes da história do país, 1,4 mil, além de fazer cerca de 200 reféns. A resposta israelense vem sendo brutal, com bombardeios constantes que já causaram a morte de milhares de palestinos, além de cortar o fornecimento de água e luz, medidas consideradas desproporcionais, criticadas e rotuladas de "massacre" e "genocídio" por vários organismos internacionais.
Edição: Thalita Pires