O calendário eleitoral já está em contagem regressiva para as próximas eleições. Um dos aspectos desse processo é o crescimento das candidaturas representativas para cargos no Executivo e Legislativo.
A Bahia tem hoje cerca de 80% da sua população autodeclarada negra, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa característica se reflete, em certa medida, no quadro legislativo em 2020, quando cerca de 75,3% dos vereadores eleitos eram negros, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na capital baiana, dos 43 nomes eleitos na ocasião, 30 são autodeclarados pretos ou pardos, um total de aproximadamente 70% do corpo parlamentar.
Para a co-vereadora da mandata coletiva Pretas por Salvador, Laina Crisostomo (PSOL), apesar da representatividade numérica, o município carece de representação política dentro das esferas legislativas. “Salvador é uma cidade extremamente negra, a maioria é de negros e negras. Eu acho que isso traz um recorte muito importante. A grande questão é: quem são esses negros que têm representado a cidade mais negra fora da África? Essa é uma grande questão, porque não é só ser negro, não é só ser mulher, não é só ser LGBT”, questiona a parlamentar.
:: Histórico: criação de bancada aumenta representatividade negra na Câmara dos Deputados ::
Laina afirma que, além do caráter racial, as candidaturas negras precisam estar alinhadas a um programa político coletivo que possibilite as modificações necessárias no cenário social. “A gente tem visto negros, LGBTs e mulheres ao lado de um projeto que é como um inseto votando na inseticida. Então, é sobre coerência, sobre projeto político e sobre projeto coletivo”, declarou.
Seguindo a mesma linha de pensamento, o vereador Silvio Humberto (PSB) avalia a representatividade negra na Câmara de Salvador como um espelho social em que a cidade vive, proporcionando uma subrepresentação da classe na política institucionalizada. “O agravante da política é que quando você avalia o número de candidatos, a sua grande maioria é negra, mas quando os que são eleitos pelos partidos, ela é um reflexo dessa desigualdade do fato do racismo estruturar as relações sociais, as relações de poder, o cotidiano das pessoas. Então, você vê que há uma subrepresentação das pessoas negras. No Executivo, nunca foi eleita uma pessoa negra para governar a cidade de Salvador, assim como quando você analisa os 43 vereadores, a depender do seu olhar, há uma sub-representação das pessoas negras”, pontuou.
Para além da questão racial, Humberto acredita que outros fatores sociais implicam em um maior distanciamento dessa parcela minoritária na política. “Quando se diz que a política não é acessível a todos, é como se fosse um grande jogo, onde o indivíduo que vota fica na arquibancada e alguns descem para jogar um jogo que normalmente a massa não ganha. Então, além das questões raciais, que ao se transmutar nas questões da pobreza, que aí você procura ver quem são os dirigentes [dos partidos], então isso provoca uma sub-representação das mulheres, das pessoas negras”, exemplificou.
A um ano de distância das próximas eleições municipais, as movimentações por parte das organizações sociais seguem em suas agendas para ampliação do quadro representativo. “O tempo político está se diminuindo, diminui à medida que avança o eleitoral. Então essa é uma discussão que já deveria ter avançado, porque a eleição é logo ali, é no ano que vem e esse ano já praticamente já está no final. E a política não espera”, lembrou o vereador Silvio.
Estratégias de superação
Movimentos e partidos de esquerda vêm implementando estratégias na tentativa de superar essa sub-representação do povo negro nas casas legislativas e nos executivos. “Acho que esse processo, de como os movimentos, especialmente o movimento negro, tem se consolidado nesse processo para pensar estratégias é fundamental, porque não só apoia, mas também expõe os partidos políticos que não têm tido isso como prioridade. Então você vai ter o apoio às candidaturas, a divulgação das candidaturas, mas também a denúncia da má distribuição do fundo eleitoral, da falta de responsabilidade com as candidaturas negras. Tentando lembrar a esquerda todos os dias que eles precisam continuar para a esquerda”, observou a co-vereadora.
Neste sentido, ela cita projetos como o Tenda de Candidaturas, Vote Negra e Coalizão Negra por Direitos, que demonstram o esforço da comunidade negra em busca da sua representação política.
Além dessas mobilizações em projetos, os partidos políticos de esquerda se movimentam a partir de dentro do próprio sistema para mobilizar engrenagens que possibilitem o acesso dos grupos minoritários. Em 2019, a deputada federal Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, em consulta ao TSE, solicitou que os recursos do Fundo Eleitoral fossem obrigatoriamente divididos de forma proporcional entre candidaturas negras e brancas. À época, após pressões dos movimentos organizados e da sociedade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu implementar a medida já nas eleições de 2020.
“O PSOL é um partido que tem como horizonte mesmo a perspectiva da diversidade. Quando a gente pensa na perspectiva da garantia do fundo, para que 50% das candidaturas sejam brancas e 50% sejam negras, há uma movimentação da esquerda para essa aprovação, mas a efetivação acontece a partir de uma ação protocolada pelo PSOL no STF, por exemplo. A gente tem desde 2020 uma resolução nacional que determina o processo de cumulação das vulnerabilidades. Então, por exemplo, se você é mulher, negra, LGBT, PCD, povo originário, quilombola, você vai ter um aporte maior no fundo eleitoral”, explica a co-vereadora. Laina acrescenta que essa é uma estratégia para garantir recursos e tempo de mídia, TV e rádio, para impulsionar campanhas de candidatos e candidatas negras.
Ela ressalta, no entanto, que as eleições municipais são, possivelmente, as mais difíceis. “Porque é a que mais você vai ter candidaturas postas, então o cenário fica muito mais desafiador. Mas eu acho que o grande desafio é trazer a pauta mesmo racial. Vão ter negros que vão estar ao lado de pessoas que vão garantir financeiramente que eles estejam candidatos, mas que não vão tocar na pauta. Eu acho que esse é o grande desafio, porque as pessoas seguem lendo o debate racial ainda como mimimi”, ponderou.
Apesar do desafio que representa, a possibilidade de mais candidatos com projetos políticos de melhoria social para as comunidades negras em todo o estado, a eleição desses impacta diretamente no cotidiano da população. “Possivelmente, essas necessidades, que são mais prementes, mais urgentes dessa população negra, teriam mais vez e voz. Poderiam se transformar nas prioridades das políticas públicas, uma vez que essa massa, para poder ver-se representada, teriam esses anseios das suas demandas, que se confundem com as demandas populares”, destacou Humberto.
O interior do estado
No interior do estado a situação não é diferente. O município de Feira de Santana, dos 21 parlamentares eleitos em 2020, 13 eram autodeclarados pretos ou pardos. Essa realidade representa uma presença negra significativa, do ponto de vista quantitativo, entretanto, assim como na capital baiana, não reflete em projetos políticos afirmativos ou uma ação propriamente antirracista para a população negra, como afirma o vereador Jhonatas Monteiro (PSOL).
“A realidade feirense reproduz algo que é observável no país afora: uma presença até significativa do ponto de vista quantitativo de parlamentares negros, mas sem que isso, ao mesmo tempo, signifique pessoas que fazem um debate das relações raciais”, acredita o vereador.
Para o parlamentar, as candidaturas em defesa da população negra enfrentam uma série de embates para alcançar as Câmaras Municipais fora da capital. “O nosso povo vivencia situações de muita precariedade, muita dificuldade por exploração, opressão de direitos cotidiano, e isso também significa, às vezes, uma tendência a busca de soluções imediatas e esse imediatismo é facilmente manipulado pela política tradicional para, de alguma forma, cooptar lideranças, para estimular a acomodação e isso também traz dificuldade quando a gente pensa candidaturas negras que se afirmam enquanto tal e que assumam uma postura de combate”, relatou o vereador.
Jhonatas, conta que, apesar desse contexto de baixa representatividade negra qualitativa na Câmara, a população feirense têm participado do processo eleitoral, tanto com candidaturas, quanto com apoio político à agenda de enfrentamento ao racismo no município. Os movimentos negros da cidade têm desenvolvido uma organização política através de grupos de WhatsApp para pensar a possibilidade de uma política cada vez mais preta, além de impulsionar candidatas e candidatos compromissados com a pauta.
O partido estabeleceu um diálogo amplo para “estimular que organizações e movimentos negros disponibilizem nomes através do partido para a disputa eleitoral”, potencializando nome representativos para as religiões de matriz africana e comunidades quilombolas de Feira, não apenas no Legislativo, mas que alcancem também o Executivo municipal. “O PSOL tem como trajetória no município de Feira de Santana um histórico de candidaturas negras a começar pelo meu próprio nome, que fez a disputa da prefeitura e de outros cargos. A perspectiva é que o partido retome uma iniciativa chamada ‘Plataforma de Candidaturas Populares’, tendo como um dos critérios a presença necessária de candidaturas negras”, destacou.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Gabriela Amorim