Queimadas em áreas desmatadas de municípios do Pará e do interior do Amazonas estão lançando fumaça para a capital amazonense há pelo menos quatro dias. A fumaça persiste em Manaus e, desta vez, é empurrada pelos ventos alísios vindos da costa brasileira nas direções leste a oeste na região. Nesta segunda (30) e terça-feira (31), a cidade voltou a ficar encoberta por uma nuvem de poluição e a perspectiva é que este cenário continue nos próximos dias caso ações de combate ao fogo não sejam realizadas pelas autoridades responsáveis. A fumaça das queimadas também impede a formação de nuvens e, por consequência, atrasa ainda mais o início da estação chuvosa, que já vem sendo impactada pelos fenômenos climáticos El Niño e aquecimento do Oceano Atlântico, causando estiagem e seca severas. Essa combinação de fatores agrava a crise climática da região.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre os dias 1º e 31 de outubro deste ano o Pará registrou 11.150 focos de queimadas, 49% a mais do que no mesmo período de 2022, quando foram registrados 7.469 focos. Cidades paraenses como Portel, Uruará, Pacajá, Altamira, São Félix do Xingu são, em grande parte, os locais onde há mais registros de queimadas. No Amazonas, entre 1º e 31 de outubro, foram registrados 3.799 focos de queimadas. No mesmo período do ano passado, foram 612 focos.
A pesquisadora Karla Longo, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe, disse à Amazônia Real que o fogo abrange desde cidades próximas a Manaus até o município de Parintins (AM), na divisa com o Pará, a cidades paraenses. Há ocorrências importantes também no Maranhão e no Tocantins. O padrão de circulação dos ventos afeta Manaus, devido à corrente atmosférica. A fumaça das queimadas também é intensa em Rondônia e no Mato Grosso e afeta outras áreas do país.
“No Pará, tanto ao norte quanto ao sul de Santarém, há muitas queimadas bem significativas e que afetam bastante Manaus. É importante falar que não é uma queimada só. Vem desde Belém até Santarém. Toda essa região está queimando bastante”, disse a pesquisadora.
Conforme Karla Longo, as queimadas deste ano ocorrem em regiões de floresta e em áreas que foram desmatadas em 2022. No Pará, as cidades que mais desmatam são as que, historicamente, possuem atividades de agronegócio. O desmatador derruba a mata, tira a madeira e deixa o local para no ano seguinte voltar e queimar.
“Isso é reflexo do desmatamento do ano anterior, da política de avanço da agropecuária. Em 2023 houve queda no desmatamento, mas a ocorrência de queimadas será sentida no próximo ano”, afirma a pesquisadora. “O propósito de quem desmata sempre foi queimar. Se o governo não coibir esse cenário, esse efeito vai continuar”, completa.
Imagens captadas por satélites mostram que a fumaça das queimadas na Amazônia está se espalhando para as regiões Centro-Oeste e Sudeste do país, mas uma frente fria impede que ela fique em baixa altitude nas cidades dessas regiões.
“Em Manaus, a fumaça está em baixa altitude. É uma fumaça que fica na altura que as pessoas vivem e sentem. Você respira a fumaça. Nas outras regiões tem as frentes frias que servem como uma rampa que pega a fumaça e leva para níveis bem altos. Em São Paulo, por exemplo, na maioria das vezes a população não sente. A fumaça ganha movimento ascendente”, afirma a pesquisadora do Inpe.
Ela explica ainda que, além de trazer fumaça para a população, as queimadas também prolongam a estiagem e intensificam o déficit de chuva.
“Muitas vezes vem uma massa de umidade, mas a fumaça não deixa que aquela nuvem evolua na sua dinâmica normal para que possa chover. Aí não tem previsão de chuva onde está queimado. Se as autoridades não conseguirem coibir, vai continuar queimando e emitindo fumaça. Isso funciona com uma manutenção do período de seca. É grave a situação”, afirmou Karla Longo.
Todos os modelos climáticos e meteorológicos mostram que não há previsão de chuva para a região de Manaus. A fumaça vai continuar nos próximos cinco dias. Isso acontece porque em um ambiente limpo as gotas crescem e formam as nuvens. Quando atingem um determinado tamanho, ficam pesadas e precipitam.
“Imagine uma situação em que você tem um monte de semente que servem de partículas, como é o caso da fumaça. São muitas sementinhas que vão formar uma nuvem com mais gotas, mas são gotas que não crescem tanto quanto cresceriam em um ambiente limpo. Elas não crescem o suficiente para pesar e chover”, explica a pesquisadora.
Ambientalista cobra ações concretas
Para o geógrafo Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil, basta uma pequena pausa nas chuvas para que as queimadas voltem. Ele cobra ações concretas. “Todo esforço é inócuo e em vão se não tivermos ações que de fato fortaleçam as políticas socioambientais instituídas e para isso é fundamental uma mudança de atitude da gestão pública do Amazonas e de seus municípios no tratamento às atividades produtivas de alto impacto, em especial as ligadas à produção agropecuária, que geram esse cenário insalubre de destruição”, aponta.
Assim como aconteceu na pandemia da Covid-19, em 2021, novamente o Amazonas não consegue respirar. Para o epidemiologista Jessem Orellana, da Fiocruz, o cenário é de tristeza e repetição da negligência com o Amazonas.
“Não há lastro de um estado atuante e minimamente efetivo no combate às queimadas e menos ainda com a saúde pública. Uma pena, mas seguem certos da impunidade e da condescendência do governo federal”, critica.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) classifica a constância da fumaça em Manaus como consequência do uso indiscriminado do fogo, com origem inicialmente na região metropolitana de Manaus e atualmente com maior incidência no Pará. O órgão público não informou os municípios que sofrem com os maiores índices de queimadas.
Em nota, o Ibama destacou que o órgão e o ICMBio trabalham de maneira coordenada na operação no Amazonas desde o dia 2 de outubro. “Até o momento, foram combatidos 33 incêndios florestais, contando com a colaboração de 116 brigadistas distribuídos nos municípios de Careiro, Careiro da Várzea, Manaquiri e Autazes. A estratégia prioritária é a extinção imediata dos incêndios”, diz a nota.
O Ibama informa ainda que no Pará as brigadas estão em ação no município de Oriximiná, enquanto os agentes do instituto conduzem operações de fiscalização em assentamentos em Monte Alegre, entre outras áreas. “Desde o dia 5 de outubro está em curso uma operação de combate a incêndios florestais na Resex Tapajós Arapiuns, com a participação atual de 77 brigadistas do Ibama e do ICMBio”, finaliza a nota, que não menciona ações realizadas nos demais municípios do Pará onde ocorrem queimadas.
Prefeitura de Manaus passa a bola para outras cidades
Mantendo a tradição de se eximir da responsabilidade, a Prefeitura de Manaus se manifestou “passando a bola” para os municípios da região metropolitana da capital, como Presidente Figueiredo, Autazes, Careiro da Várzea, Careiro, Itacoatiara e Rio Preto da Eva, como causadores do problema.
Em nota à imprensa, a prefeitura diz que realiza, desde junho, a campanha “Manaus Sem Fumaça”, ação de educação ambiental, além de blitze ambientais (nas saídas da cidade), sensibilização nas escolas (públicas e privadas) e empresas do polo industrial para combater as queimadas.
O governo do Amazonas, por sua vez, disse que “as partículas de fumaça intensificadas sobre Manaus, entre quinta-feira (26/10) e segunda (30/10), provêm, sobretudo de queimadas registradas no Pará (3.965 focos) e, em menor intensidade, na região metropolitana de Manaus (120 focos)”. Por meio de nota, o governo disse que os efeitos do fenômeno El Niño, assim como a ausência de chuvas e o calor intenso na capital amazonense,dificultam que as partículas de fumaça se dissipam.
O governo afirma que têm reforçado as ações de combate e fiscalização na região metropolitana desde o dia 11 de outubro. “Como resultado, os focos de calor na RMM caíram de 675 – registrados de 1º de outubro a 10 de outubro -, para 174 focos – registrados a partir do dia 11 até esta segunda (30/10)”, informou o governo.
Segundo o governo do Amazonas, pelo menos 250 servidores, entre bombeiros, policiais militares e analistas ambientais do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e agentes do Batalhão Ambiental da PM-AM foram enviados nesta terça para reforçar as ações em Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaquiri, Rio Preto da Eva, Presidente Figueiredo, Careiro Castanho e Autazes. “Outros 116 brigadistas do PrevFogo do Ibama e do ICMBio atuam nas ações de combate na região metropolitana”.
A reportagem procurou a Secretaria de Saúde do governo do Amazonas para que falasse sobre as doenças ocasionadas pela fumaça na capital amazonense, mas até a publicação da reportagem a pasta não havia se manifestado.
Quem também não se manifestou foi o governo do Pará. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre sobre as queimadas registradas em diversos municípios do estado, inclusive em Belém. Caso haja algum posicionamento, a reportagem será atualizada.