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"Não parem de lutar": Vini Jr convoca apoio na luta contra o racismo

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Vinícius Júnior recebeu o Prêmio Sócrates da Revista France Football nesta segunda-feira (30) por conta do trabalho realizado pelo seu instituto - Reprodução / Twitter / Vini Jr.
Na última segunda-feira (30), ele foi agraciado com o Prêmio Sócrates na cerimônia da Bola de Ouro

*Luiz Ferreira

Vinícius Júnior é um cara especial. Não somente pelo futebol jogado dentro de campo e por tudo que já fez com a camisa do Real Madrid (só o maior clube do mundo) em tão pouco tempo de carreira. O homem até já fez gol de título de Liga dos Campeões da UEFA, bicho. É óbvio que ele ainda não é craque como Cristiano Ronaldo, Ronaldo ou Zidane (outros que brilharam com a camisa merengue), mas vem provando jogo a jogo que está no caminho certo.

Mas Vinícius Júnior também é um cara especial pela sua coragem.

São raros os jogadores de futebol que aproveitaram a influência que possuem junto ao torcedor para combater o preconceito. No caso de Vini Jr, o racismo. O episódio no campo do Valencia há alguns meses e também os fatos lamentáveis vindos nas partidas contra o Sevilla e até mesmo contra o Barcelona no último sábado (28) ajudam a comprovar a tese de que o atacante brasileiro não é perseguido somente nos gramados, mas também fora dele.

Não foram poucas as vezes em que Vini Jr recebeu críticas de torcedores, jornalistas e até mesmo dirigentes por conta dos seus dribles e das suas dancinhas depois de balançar as redes adversárias.

Na última segunda-feira (30), ele foi agraciado com o Prêmio Sócrates na cerimônia de entrega da Bola de Ouro 2023 realizada pela Revista France Football. Vinícius Júnior recebeu a premiação por conta do trabalho no Instituto Vini Jr, projeto social criado e presidido pelo próprio atleta em 2020. A proposta do instituto é usar o futebol como ferramenta no processo de ensino de crianças e jovens em colaboração com escolas públicas, e também capacitar professores em práticas pedagógicas antirracistas.

Durante a premiação, o marfinense Didier Drogba (grande ídolo do Chelsea) cumprimentou Vinícius Júnior pela sua luta contra o racismo. O brasileiro respondeu da seguinte forma:

- Eu estou preparado para isso. Para sempre poder falar quando for necessário. É muito triste eu ter que falar sobre racismo, gosto de falar sobre futebol, sobre os grandes jogadores que estão aqui. Quero pedir para vocês que não parem de lutar. Que as crianças que possam vir, não sofram com isso.

Vini Jr não teve coragem só de peitar os racistas que o perseguem em programas de TV e dentro dos estádios. Ele literalmente convocou todos os presentes na premiação para lutar contra o racismo. Messi, Haaland, Mbappé, dirigentes de todos os países, a FIFA, eu, você que está lendo, todo mundo que acompanha esse velho e rude esporte bretão. 

E fez isso sabendo que estará em campo no próximo final de semana pelo Real Madrid tendo que aturar todo tipo de perseguição em cima dele pelo simples fato de ter se posicionado contra xingamentos racistas. Pra vocês terem uma ideia, o Valencia se manifestou através do seu Twitter (o atual X) sobre a foto usada na cerimônia da entrega do Prêmio Sócrates dizendo "lamentar o uso da imagem e sua associação a comportamentos isolados". O clube também afirmou "a mais absoluta condenação ao racismo, mas também pede o máximo respeito aos adeptos e à instituição".

De acordo com Jon Snow (personagem de Game of Thrones), "alguém disse uma vez que nada do que é dito antes da palavra 'mas' realmente conta". E essa frase se encaixa perfeitamente nessa PASSADA DE RECIBO GIGANTESCA do Valencia.

'Não sou racista, mas…'. 'Mas' é o escambau.

Vale lembrar aqui que, mesmo com tantos casos de racismo e a perseguição em cima de Vinícius Júnior e todos aqueles que resolveram se levantar contra o racismo, a Espanha "foi punida" pela FIFA. Ela será uma das sedes da Copa do Mundo de 2030. A entidade que comanda o futebol mundial achou "super legal" colocar a Espanha como uma das sedes da Copa que vai celebrar os cem anos da primeira Copa do Mundo da história.

Além dos casos de racismo e da perseguição covarde em cima de Vinícius Júnior, vale lembrar que a Espanha tem outros BO's não resolvidos. Somente três meses depois da Copa do Mundo Feminina é que Luis Rubiales (ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol) foi suspenso de qualquer atividade esportiva pela FIFA depois do beijo forçado e do assédio descarado na jogadora Jenny Hermoso durante a premiação do Mundial da Austrália e da Nova Zelândia.

E a FIFA, por sua vez, vê o dinheiro que vem da Arábia Saudita (país famoso pela violação de Direitos Humanos e da liberdade de imprensa) com os olhos de um gato que espera seu tutor abrir o pacotinho de ração úmida. Sobem hastag, fazem campanha, dão prêmios, mas na hora da verdade, na hora de exigir retidão e respeito ao próximo (seja ele quem for) são os primeiros a fingir demência e amnésia.

Em tempo: até agora a FIFA e a UEFA não soltaram uma mísera notinha de repúdio sobre as barbaridades cometidas em Gaza né? Que coisa...

É por isso que a convocação de Vinícius Júnior é tão importante. Aliás, nem podemos chamar de convocação. É quase o apelo de quem está sozinho numa luta inglória contra seres viventes (me recuso a chamar racistas de pessoas) que acham que são superiores por causa da cor da pele ou por se considerarem "o povo escolhido de Deus".

Eu tenho a certeza de que Vini Jr não irá se calar. Mas é preciso lembrar que até mesmo ele (com todos os holofotes e o dinheiro que recebe do Real Madrid) tem um limite. Lutar contra o racismo requer um estômago forte porque a quantidade de absurdos ouvida por minuto faria qualquer um de nós vomitar. Vinícius Júnior tem seu limite como pessoa. E é por isso que precisa da nossa ajuda. De todos. Do torcedor ao presidente da FIFA. O chamado de Vinícius Júnior precisa ser atendido. Antes que o futebol perca o resto de magia que ainda possui.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse