Quero fazer a barba, mas se tiver um cortezinho no meu rosto, eu mato o barbeiro
Uma das minhas muitas profissões foi a de barbeiro. Quer dizer, aprendiz de barbeiro. Nunca fui bom nisso. Eu era engraxate na barbearia do meu pai. E, aos 13 anos, virei aprendiz de barbeiro.
No início, poucos se aventuravam a fazer a barba comigo. Tinham medo de que eu cortasse a cara deles, pois era com navalha que a gente trabalhava, não com aparelhos de barbear.
Um dos meus fregueses era o seu Gustavo. Tinha fama de ser jagunço, quer dizer, matador de aluguel. E sua marca registrada era um tiro no gogó. Mas ele era muito gentil. Um velho bom, alegre, conversador, e que brincava muito com as crianças. Nunca levei a sério essa história de jagunço.
A primeira vez que fiz a sua barba foi por pressa dele. Estava saindo de viagem e tinha várias pessoas na fila para cortar cabelo ou fazer barba. Viu uma cadeira de barbeiro vazia e perguntou pra mim:
— Você não sabe fazer barba não, menino?
— Tô aprendendo — respondi.
E ele brincou:
— Então faz a minha. Aprender a capar tem que ser em cavalo velho.
Fiz sua barba tranquilamente e, ao contrário do que acontecia sempre, não fiz nem um talho na cara dele.
Quando o seu Gustavo saiu, uns caras falaram que se eu o tivesse machucado, ele me mataria.
Meu pai contou então uma história que hoje penso ter sido uma das suas atitudes mais temerárias, um risco ter contado isso pra mim, um molecão meio maluco. Se eu seguisse o exemplo do menino da história, vixe!
Bem, vamos a ela.
— Um dia um pistoleiro famoso entrou numa barbearia e falou: “Quero fazer a barba, mas se tiver um cortezinho no meu rosto, eu mato o barbeiro. Quem vai fazer a minha barba?”.
Havia três barbeiros experientes e nenhum deles aceitou a tarefa. Um aprendiz, ainda menino, decidiu fazer. Ensaboou a cara do pistoleiro, afiou bem a navalha e fez a barba dele sem machucar nada. O sujeito gostou do serviço e lhe deu uma boa gorjeta.
Quando ele saiu, os outros foram pra cima do menino: “Você é louco? Se tivesse cortado a cara dele, ele te matava”. O menino nem vacilou, disse: “Uai, se eu tivesse cortado, já estava com a navalha no pescoço dele mesmo, queria ver ele me dar tiro!”
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir