Há exato um ano o Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da Silva Presidente do Brasil pela terceira vez e o país voltou a respirar democracia.
A disputa eleitoral mais acirrada e de resultado mais apertado da História pós redemocratização do país simbolizou o fim de quatro anos em que a figura de Jair Bolsonaro esteve à frente da Nação e impôs uma forma do fazer político desdenhando dos valores democráticos, das instituições, da saúde pública.
Tornou o comando do país algo caricato, sem responsabilidade e voltado a interesses privados e espúrios; atacou chefes dos demais poderes e tratou adversários políticos como inimigos; promoveu passeios de jet-ski e motociatas enquanto as famílias brasileiras enterravam seus mais de 700 mil mortos na pandemia de covid-19; promoveu a destruição da cultura, da ciência, da preservação ambiental, da transparência e dos direitos.
As eleições de 2022 ocorreram sob tensão, com as afirmativas constantes de Bolsonaro que não respeitaria o resultado caso não fosse eleito, promovendo ato com representantes diplomáticos de todos os países para questionar a lisura do processo eleitoral e a confiança nas urnas eletrônicas, sistema pelo qual, a propósito, fora eleito.
O uso da máquina pública de forma ilegal para se reeleger foi de descaramento sem parâmetros, como a liberação do empréstimo consignado para beneficiários do auxílio Brasil concentrando-se no mês das eleições, o bloqueio nas estradas feito pela Polícia Rodoviária Federal nos locais de maior número de eleitores de Lula, e a operação de empresários ameaçando trabalhadores de desemprego caso Bolsonaro fosse derrotado.
A síntese da campanha da reeleição estava na tríade “Deus, pátria, família”, e se disseminava com a acusação de que a esquerda não é cristã, não é patriota e que deseja o fim da família. O discurso de ódio estimulado e manipulado o tempo todo em recursos avançados de tecnologia da informação tinha efeito devastador.
Nesse cenário, a derrota do populista autoritário não ocorreria sem tentativa de golpe, como ficou evidenciado em seguida à divulgação do resultado, com os acampamentos de seus seguidores em frente aos quarteis, bloqueios das rodovias por caminhoneiros, depredação e queima de ônibus no dia da diplomação e os atos de destruição das instalações dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023, já no início do mandato do presidente Lula.
O país que herdamos da gestão de Jair Bolsonaro não permite que tenhamos um jardim de flores em pouco tempo. Foi e segue sendo necessário, ao lado da retomada do crescimento e recuperação da economia com inclusão, erradicar o clima de ódio que foi estimulado, retirar de circulação a quantidade absurda de armas que foram distribuídas, combater os falsos discursos de defesa da família que exclui as diferenças, expor a corrupção praticada.
O que Bolsonaro fez desde seu primeiro dia de governo foi agitação ideológica, com o objetivo de radicalizar os apoiadores, enquanto as ações de governo eram solapadas por lobbies privados. Promoveu privilégios, sonegação, preconceitos, sigilos, violência e ignorância.
Não existe uma só marca construtiva do governo Bolsonaro como legado ao Brasil. Ao oposto, deixou um passivo de R$ 400 bilhões, desmonte de diversas políticas, recordes de devastação das áreas de preservação e das florestas.
Há um ano recebemos a gigantesca tarefa de recolocar o país no caminho para o qual fora sempre destinado: da democracia, do desenvolvimento, da inclusão socioeconômica, de um meio ambiente sustentável.
Para isso é preciso não perder de vista tudo aquilo que tornou Bolsonaro possível, como lição para que não se repita. Criar antídotos contra as fakes news com habilidade e tolerância.
Há um ano o povo brasileiro gritou NÃO a tudo que Bolsonaro representa. É preciso fazer valer esse desejo garantindo que a ameaça não retorne. Lembrando que ele foi tornado inelegível, mas possui uma quantidade bem grande de seguidores fiéis e toda a família envolvida na política. E que a bancada de extrema-direita eleita ao parlamento em 2022 foi muito expressiva. Muito mesmo.
O bolsonarismo – maior que Bolsonaro e que não se encerrou com a queda dele – na corrosão da democracia é tanto sintoma quanto causa. Por isso mesmo é tarefa tanto do governo Lula como de todos que reconhecem o risco que não podemos mais correr, da sociedade organizada e movimentos sociais, fazer o enfrentamento por meio de políticas públicas e embates públicos, em todos os espaços e territórios, criando os anticorpos para tornar o país imune a novos aventureiros e ditadores.
*Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB). Membra da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho