DIA DO LIVRO

Dia do Livro: mercado editorial deve se abrir à diversidade, defende Sergio Vaz

No Dia do Livro, o escritor, poeta e agitador cultural compartilha reflexões sobre poesia, juventude e internet

Brasil de Fato | São Paulo |
Com Sergio Vaz, a periferia paulistana entrou na literatura - Foto: Jairo Goldflus/Instagram Sergio Vaz

Neste 29 de outubro, Dia Nacional do Livro, o escritor Sérgio Vaz compartilhou reflexões sobre poesia, tecnologia e juventude. Poeta da periferia paulistana, além cronista e produtor cultural, Vaz defende que o mercado editorial brasileiro precisa se abrir à diversidade presente na população brasileira. 

“Eu acho que as pessoas têm que perceber que o povo brasileiro é diverso, cara. Que nós precisamos estar em todos os lugares e que o Brasil não pode mais fechar, ele tem que abrir”, ponderou em entrevista ao programa Bem Viver disponível na íntegra a seguir. 

Nascido em Ladainha, interior de Minas Gerais, Sergio Vaz foi criado na periferia da zona Sul da cidade de São Paulo e deu início a um movimento que transformou em centro cultural um bar da região, onde acontece o Sarau da Cooperfia (Cooperativa Cultura da Periferia), fundada por Vaz. 

“Poesia para mim é quando as palavras, além de belas, são úteis”, disse ao Brasil de Fato.

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Sobre o impacto da tecnologia na literatura, Vaz reconheceu que as redes sociais são “implacáveis” e disse que foi forçado a se adaptar. Mas reconhece que a repercussão on-line do seu trabalho atraiu leitores que se identificam com o autor. “A internet não deu voz só aos idiotas”. 

O escritor comemorou a eleição do escritor e filósofo Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras. E caiu na risada quando foi perguntado se pretendia também se tornar um "imortal". 

"Acho que nem a academia brasileira de rua é capaz de me convidar”, rebateu aos risos. 

Confira a entrevista na íntegra 

Brasil de Fato: Como você define a poesia? 

Sergio Vaz: Poesia é despertar nas pessoas o algo melhor que elas têm. Até da dor. Porque às vezes, cara, você tem um tipo de dor que outra pessoa também tem, mas ela não sabe como definir aquilo Porque ela precisa trabalhar, cara, ela precisa pagar o boleto. Ela mora de aluguel, tem 5 filhos, não estudou.  

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Então as pessoas, quando dizem que gostam do meu trabalho, é porque ela sofre como eu, tá ligado? Ela entende o meu sofrimento, porque eu entendo o sofrimento dessa pessoa. E ela diz: ‘eu entendi o que você falou. Eu sofro assim também, só que eu não sabia. Você sabe, e agora eu também sei por que eu sofro. Eu sofro porque eu não tenho dinheiro para aluguel. Agora, através da sua poesia, eu sei por que não tenho dinheiro para pagar as contas. Agora eu sei por que eu sofro racismo.  

Poesia para mim é quando as palavras, além de belas, são úteis. 

Eu fui na Fundação Casa, no primeiro dia eu perguntei quem gostava de poesia e ninguém respondeu. Eu comecei a recitar Negro Drama do Racionais MCs. Aí o cara disse “se isso é poesia, nós gostamos”. Então eu descobri que todo mundo gosta de poesia, só não sabe que gosta. A minha função é mostrar as pessoas que elas gostam. De uma forma cada vez mais simples eu tento atingir isso. 

Como é ser um escritor em tempos de redes sociais? 

A tecnologia é implacável. Eu posso adiar a entrada no Instagram ou no Facebook. Mas uma hora a tecnologia nos pega. Hoje o mundo moderno não anda, ele galopa. É onde o jovem está. Por exemplo, a minha poesia cresceu por causa da internet. Meu trabalho ganhou projeção por conta da internet. As minhas poesias estão no Instagram, no Facebook, no YouTube. Então mais gente ouve o que eu digo.  

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Se você for numa livraria, também tem muita merda lá. Eu vejo que talvez nós adultos talvez ainda não saibamos usar a digitalização como ferramenta para instrumentalizar as ideias que devem ser colocadas. Mas que ela [internet] é uma ferramenta, ela é. Ah, mas deu aos idiotas? Deu, mas deu voz a muita gente boa também.  

A juventude de hoje é muito diferente da sua? 

Essa molecada hoje é muito mais inteligente. Mas ela é menos romântica. A minha geração é romântica. Eu sou romântico. Para mim, na amizade não precisa mandar um WhatsApp perguntando ‘posso te ligar’. A tecnologia afastou as pessoas também. Hoje na política o cara escreve ‘hashtag fora alguma coisa’ e acha que já fez a parte dele. E as ruas estão aí.  

Hoje a minha literatura é voltada para os jovens. Porque se eles não compreendem o que eu escrevo, então eu não posso ser um poeta da periferia, se eu luto contra as complexidades que os desinformam e se eu não contribuo com a informação. Para mim, estar nas escolas é estar com a juventude, aprendendo com ela o que elas querem ouvir e o que elas querem falar. Então eu voltei a estudar.

Quando você conversa com o jovem, você entende o que ele quer. Você entende o que ele sabe, o que ele deseja. Eu não quero ser aquele cara que fica de fora e fala que juventude não presta, que a juventude do meu tempo é que era boa. Essas coisas inúteis que a gente diz...  

O que achou da ida de Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras? 

Não tem mais como esconder a gente. É necessário estar ali. A Conceição Evaristo, o Ailton Krenak, tantas outras vozes literárias. Eu acho que as pessoas têm que perceber que o povo brasileiro é diverso, cara. Que nós precisamos estar em todos os lugares e que o Brasil não pode mais fechar, ele tem que abrir.  

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Olha aí as editoras falindo, olha aí as livrarias fechando. Então o momento não é se fechar, é de se abrir. E demorou para fazer essas coisas. E não é nenhum favor. Até porque, para significar alguma coisa, para se chamar brasileiro, tem que ter todos os brasileiros. É preciso tomar chá, beber cachaça, tomar cerveja. Não é isso? 

E quando você vai se candidatar à Academia? 

Rapaz, eu sou semianalfabeto, cara (risos). Acho que nem a academia brasileira de rua é capaz de me convidar. Eu acho que não é essa ideia. Acho que eu nunca pensei nisso, porque um poeta menor como eu não pode se arvorar nessas coisas. Sigo fazendo meu trabalho.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho