Uma nota técnica da Defensoria Pública do Rio e do Ministério Público Federal (MPF) alertaram para os riscos de aprovação do projeto de lei nº 2389/2023, de autoria do Governo do Rio, em tramitação na Alerj e que desvincula recursos do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS), permitindo que sejam destinados a pagamentos de outras despesas.
A nota, assinada pela coordenação do Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria e pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, destaca que “a utilização dos recursos do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS) para outras finalidades poderá aprofundar o grave déficit habitacional que assola o Estado do Rio de Janeiro”.
O texto menciona que, segundo dados da Fundação João Pinheiro, relativos a 2019, o déficit de moradia no Estado era de 476 mil unidades.
"Para a promoção de programas habitacionais de interesse social, é essencial que as arrecadações do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS) permaneçam vinculadas para efetiva utilização em políticas de moradia", afirmam os órgãos signatários.
O documento ressalta que o PL 2389/2023 flexibiliza a aplicação da verba de 24 Fundos Especiais, entre eles o FEHIS, propondo que as receitas respectivas não sejam mais vinculadas, ou seja, não mais necessariamente reservadas a destinações específicas, podendo ser alocadas “a critério do governo de ocasião, para despesas de qualquer natureza envolvendo o órgão que realiza sua gestão, incluindo pagamento de pessoal”.
No tocante especialmente ao FEHIS, objeto da Nota Técnica, Defensoria e MPF argumentam, em favor da supressão do artigo 17 do PL: "O Estado do Rio de Janeiro possui um enorme passivo no que tange à produção habitacional. A construção de unidades habitacionais no âmbito do Programa “Casa da Gente” e do atual Programa “Habita +” tem por escopo alcançar famílias que estão há mais de 10 (dez) anos aguardando pela efetivação do direito fundamental à moradia".
E salientam que, de acordo com informações da própria Secretaria de Habitação de Interesse Social, "a programação de produção existente não será suficiente para contemplar sequer as famílias afetadas com a ineficiência da política habitacional na década passada".
Assinam a Nota Técnica a coordenadora do Nuth, defensora pública Viviane Tardelli, e o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Julio José Araújo Junior.
"O déficit habitacional traz um impacto nocivo à população, afetando diretamente a efetivação de outros direitos, como saúde, educação, acesso à água e ao saneamento. A moradia é uma das múltiplas dimensões da pobreza. A pobreza não está só relacionada à questão monetária. Sua configuração apresenta diversas facetas de vulnerabilidades, de violações de direitos", frisa o texto.
No caminho inverso do que pretende o artigo 17, a Nota Técnica aponta ainda que a insuficiência de políticas públicas habitacionais exige “aumento do investimento para referida área” e a observância de peculiaridades.
"Vale ressaltar que a utilização dos recursos do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS) também não pode estar condicionada a um lapso temporal, tendo em vista a complexidade dos trâmites administrativos que envolvem a produção habitacional, tais como eleição de um terreno, transposição de embaraços e toda as etapas que envolvem o processo licitatório".
A Defensoria Pública do Rio e o Ministério Público Federal coordenam um grupo interinstitucional sobre moradia adequada, do qual participam também representantes de vários órgãos públicos e de entidades da sociedade civil, para acompanhar os reflexos das políticas habitacionais em todo Estado no direito à moradia e em outros direitos fundamentais.
O projeto de lei que suscitou a Nota Técnica tem alcance estadual, porém eventuais mudanças no que tange a recursos para habitação geram reflexos no alcance das políticas habitacionais em todas as esferas, tendo em vista que União, Estados e Municípios têm competência comum e, portanto, qualquer recurso que não seja empregado para habitação por qualquer dos entes federados amplia a demanda por moradia perante outro ente.
Edição: Eduardo Miranda