Ele vai te ferrar. Contei que não trabalho há um tempão, mas você não me demitia, deu prejuízo
Hoje me lembrei de um lugar em que trabalhei e que tinha um colega divertido e um que exagerava como puxa-saco. O divertido tinha na gaveta uma cartolina com um coração desenhado, dividido em 59 compartimentos, como ele dizia. E eles eram numerados.
Ele tinha concluído que, em toda a vida, teria 59 amigos e cada um deles ocuparia um compartimento do seu coração. Escrevia em cada um o nome desse amigo. Na época, há décadas, seu coração tinha uns 15 compartimentos ocupados.
Mas ele não seguia uma sequência. Por exemplo: uma moça bonita e delicada, ele colocou como amiga no compartimento número 13, um dos números da borboleta no jogo do bicho. Uma outra, que ele gostava, mas achava muito brava, colocou no compartimento 9, o grupo da cobra no jogo do bicho. Um amigo muito fiel, mereceu o compartimento 17, um dos números do cachorro.
Bom, paro de falar dos números aqui porque na época não havia isso de “politicamente correto”, e podem imaginar que número ele deu pra um outro amigo, não!?
O puxa-saco era um chefete bobalhão. Um dia pedi pra ele me demitir. Queria sair da empresa, mas se pedisse demissão sairia sem grana nenhuma. Tinha que ser demitido. Foi antes de existir o Fundo de Garantia. Ele disse que se eu quisesse sair, que pedisse demissão.
:: O circo de bichos ::
Passei a bater o ponto e ficar à toa o dia inteiro, pra provocar a demissão. No meio da manhã e no meio da tarde, vinha uma mulher com um carrinho servir café pra gente. E eu passei a jogar clipes nas xícaras. No começo, errava tudo, mas aos poucos foi melhorando minha pontaria. Acertava alguns e quem pegava o café com clipes dava bronca.
Um mês depois, falei que se ele não me demitisse eu ia pedir direto ao gerente. Ele disse que não me demitiria, mas ficou pedindo pra eu não falar com o seu Jorge, o chefão.
Mais uns dias, dei um ultimato, ele não aceitou e eu fui falar com o seu Jorge. Expliquei que queria sair, mas precisava de dinheiro para viver até arrumar outro emprego. E ele me demitiu na hora.
Saí da sala dele e o chefe puxa-saco estava andando de um lado pro outro, querendo saber o que aconteceu. Mostrei a carta de demissão escrita pela secretária do seu Jorge na hora, e menti: “Ele vai te ferrar. Contei que não trabalho há um tempão, mas você não me demitia, deu prejuízo pra empresa”.
O puxa-saco quase desmaiou.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir