Em 14 de outubro de 2023, Manaus acordou sob forte chuva. A fumaça foi dissipada e é possível ver a margem direita do Rio Negro, cujas belas e generosas águas banham nossa cidade, tão maltratada pelo poder. Ao longo de mais de uma semana, a cidade esteve sufocada pela poluição do ar provocada por incêndios que, suspeita-se, são criminosos. Vivemos, nesse tempo, a inclemência do calor combinada à inalação da natureza dissolvida em ar fumacento. O aquecimento global e o crime ambiental tomaram nossos corpos, por dentro e por fora.
Ao fenômeno climático e à perversão ilegal – pois há as aceitas legalmente –, soma-se a omissão governamental. As entidades responsáveis pela prevenção e combate à catástrofe estão entre precarizadas e paralisadas. Com poucos equipamentos, recursos e pessoal, a estrutura dos órgãos de fiscalização, controle e contenção de processos como esses está em frangalhos. E não é de hoje! A reconstrução, lenta e travada, mal consegue fazer frente ao acelerado processo de destruição que o país viveu nos últimos anos.
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Não bastasse essa liquidação do poder público ou das condições materiais para o cumprimento de suas funções, vemo-nos diante de governantes indecisos, vacilantes e/ou cumplices. O governador do Amazonas, o prefeito de Manaus e os parlamentares silenciam. O silêncio, o vacilo e a indecisão têm nome: negacionismo. E este é cria do oportunismo de extrema direita. Tal perspectiva autoriza seus crentes a, diante da previsível tragédia, reivindicar duas medidas reparatórias: o combate ao fogo e a reconstrução da BR 319!
Não custa recordar que o município de Autazes, parte da Região Metropolitana de Manaus, e onde se concentram os focos de incêndio neste outubro de 2023, converteu-se há dois anos no epicentro estratégico da predação capitalista, sitiada que foi, em novembro de 2021, por um paredão de mais de 300 balsas de garimpeiros. Terra do guerreiro povo Mura, Autazes (e municípios próximos) está no centro do propalado eldorado potassiano, com orgânico apoio institucional, inclusive de nossa centenária UFAM.
O projeto político dos piromaníacos oportunistas é tornar os amazônidas cinzas. O fogo de que a Amazônia necessita não é o de origem criminosa, promovido pela venalidade da ganância capitalista, mas o fogo da resistência dialética, desde o velho Heráclito de Éfeso, na Hélade Antiga, àquele aceso pela luta indígena e cabana da Hileia, de ontem e de hoje. No evangelho da política local, eles pregam: de pulvere veniste in cinerem fies.
Fazem do Genesis um Apocalipse!
*José Alcimar de Oliveira e Marcelo Seráfico são professores da Universidade Federal do Amazonas.
***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Raquel Setz