Houve redução na representatividade da população da capital em relação à Região Metropolitana
Os dados preliminares do Censo 2022 apontaram Fortaleza, capital do Ceará, como o 4º maior município brasileiro. Para melhor compreender esta condição, partimos da análise de sua população absoluta frente ao estado, considerando o conjunto de 184 municípios que compõem esta unidade da federação.
Comparando-se o quadro de distribuição da população segundo municípios, constata-se que houve poucas alterações, mantendo-se praticamente a situação de doze anos atrás, por ocasião de realização do último censo antes do atual. Com seus atuais 2.428.678 habitantes, Fortaleza reúne 27,6% dos habitantes do Ceará. O desequilíbrio na distribuição da população torna-se ainda mais evidente quando se observa que há apenas sete municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, dos quais três se localizam na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF): Caucaia, Maracanaú e Maranguape. Outros municípios nesta mesma faixa, como Juazeiro do Norte e Crato, integrantes da Região Metropolitana do Cariri, oficialmente existente desde 2009, e Sobral, que comanda uma outra Região Metropolitana instituída pelo governo estadual em 2017. Nesta mesma faixa, se inclui o município de Itapipoca, situado no litoral norte com mais de 131 mil habitantes.
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Quanto à distribuição dos municípios segundo total de população, a maior mudança ocorreu na faixa entre 50 e 100 mil pessoas. Esta faixa de municípios concentrava 19% do total da população estadual em 2010 e 22,6% em 2022, somando, respectivamente, 1.607.462 e 1.989.572 habitantes, evidenciando um crescimento de 382.110 habitantes ou de 19,2%. Muitos se destacam como centros regionais, exceção feita àqueles posicionados na RMF.
Por outro lado, no caso dos pequenos municípios com população inferior a 50 mil habitantes, constatou-se a diminuição do número de municípios, de 151 para 147, e da população total, de 3.069.010 para 2.927.958 habitantes. Estes números revelam possível agravamento nas distorções na rede urbana cearense, dado que cerca de 1/3 da população vive em 147 municípios, como mostra a tabela seguinte.
Ainda na escala estadual, verifica-se que os municípios mais próximos à faixa litorânea têm as maiores taxas geométricas de crescimento anual da população. Este dinamismo está associado à atividade econômica do turismo motivada por investimentos governamentais em grandes obras públicas. Da mesma forma, devem ser mencionados os recursos públicos alocados em infraestruturas, como o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, e os benefícios fiscais promovendo a presença do agronegócio da fruticultura irrigada, à cultura do coco, à cajucultura, dentre outras.
Dinâmicas espaciais na metrópole e crescimento demográfico
Partindo-se para uma abordagem direcionada para a RMF, importante destacar a sua expansão mediante a inclusão de novos municípios. Quando foi criada, em 1973, a RMF reunia apenas Fortaleza e outros quatro municípios: Caucaia, Maranguape, Pacatuba e Aquiraz. Em 1995 já eram nove municípios, considerando apenas a emancipação de distritos dos municípios de sua formação inicial, no caso Maracanaú, Eusébio, Guaíuba e Itaitinga. Contudo, em 1999, outros 4 municípios – São Gonçalo do Amarante ao oeste; Horizonte, Pacajús e Chorozinho no eixo industrial da BR-116 ao sudeste – se somaram à RMF, especialmente associados à expansão do setor industrial, totalizando 13 municípios.
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Posteriormente, em 2009, outros dois municípios posicionados no litoral leste (Cascavel e Pindoretama) foram incluídos na RMF. Com isso, em 2010, eram quinze municípios metropolitanos e com o total de 3.615.767 habitantes, correspondendo a 42,8% da população estadual. A partir de 2015, outros quatro municípios passaram a fazer parte da RMF: Paracuru, Paraipaba, São Luis do Curu e Trairi, localizados no litoral oeste da RMF, ampliando em mais de 22% seu território e aumentando seus espaços rurais.
Os dados recém divulgados do Censo 2022 totalizaram 3.903.945 habitantes na RMF, indicando que esta reunia 44,4% do total populacional de todo o estado do Ceará. Todavia, estes últimos quatro municípios incorporados à RMF somavam apenas 140.411 habitantes, correspondendo a 3,6% da população metropolitana, resultando na queda significativa da densidade demográfica metropolitana, que passou de 625 para 525 habitantes por km².
O acréscimo destes quatro municípios com amplos espaços rurais também resulta na forma alongada da metrópole, revelando a importância do litoral na sua configuração territorial. Em 1973, quando de sua criação a faixa litorânea era de aproximadamente 90 km e desde 2015 passou a ter 185 km de extensão. Por outro lado, não houve o seu crescimento em direção ao interior.
Os dados preliminares do Censo 2022 divulgados pelo IBGE, apesar de restritos ao total da população e dos domicílios, sugerem algumas mudanças com relação à distribuição da população na RMF. Estas alterações estariam vinculadas aos deslocamentos populacionais entre municípios, causados por diferentes fatores, dentre os quais: a consolidação de atividades econômicas, as dinâmicas socioespaciais atreladas aos diferentes agentes da produção habitacional.
Conforme já apontavam as análises referentes às transformações na ordem urbana da RMF, o setor produtivo industrial se deslocou da capital para alguns municípios vizinhos, graças às oportunidades trazidas com a estrutura viária regional, a logística portuária e especialmente os incentivos fiscais promovidos pelos governos estadual e municipais. Destaque para o eixo industrial ao longo da BR-116 desde os municípios de Eusébio até o de Pacajús ao sudeste, o distrito industrial localizado em Maracanaú, ao sudoeste, e o Complexo Industrial e Portuário do Pecém no litoral oeste, entre os municípios de Caucaia e São Gonçalo.
Da mesma forma, verificou-se a expansão de eixos terciários ao longo das vias estruturantes da RMF, decorrendo num sistema multipolicêntrico, atendendo a grupos sociais diversos. No caso, a partir do centro tradicional de Fortaleza, houve o deslocamento do terciário voltado para os grupos de maior poder aquisitivo para o leste, fletindo em direção ao sudeste, atendendo às demandas de classes de maior poder aquisitivo; ao mesmo tempo, nas direções oeste e sudoeste outros eixos se expandiram, respondendo às necessidades de grupos menos favorecidos, juntamente ao centro tradicional que permanece bastante dinâmico, porém em rápida degradação. Some-se ainda a presença de vários shopping-centers ao longo destes eixos, promovendo o avançar do setor terciário em direção aos municípios conurbados à capital e a consolidação de novas centralidades. Estas localizações se associam às demandas de grupos que progressivamente se deslocaram para os municípios vizinhos, como os municípios de Eusébio, Maracanaú e Caucaia.
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Importante ainda destacar a presença de extenso espaço rural na RMF, correspondendo a três quartos da superfície metropolitana, conforme a classificação proposta pelo IBGE em 2019, influenciando diretamente na ocupação esparsa de grande parte do território metropolitano em contraposição à compacidade de Fortaleza e do espaço a ela conurbado. Destaque para a presença do agronegócio na região metropolitana, marcado por determinadas concentrações de produção de coco, caju, pecuária leiteira, avicultura e pela pesca, cuja distribuição espacial interfere diretamente na estruturação urbano-regional da RMF.
Considerando as condições de moradia como variáveis que melhor explicitam as disparidades socioespaciais, algumas mudanças na estrutura social da metrópole já sugeriam tendências de redistribuição da população na RMF. Por um lado, a conformação de eixo de segregação residencial sudeste composto por grupos sociais mais abastados, avançando desde Fortaleza em direção aos municípios posicionados ao leste. Por outro, os setores da população menos favorecidos involuntariamente segregados, diferenciados de acordo com as condições de acesso às políticas habitacionais: uma menor parte atendida por programas habitacionais nas periferias e, uma outra maior parte, transpondo a favelização da capital cearense para os municípios a ela conurbados, conformando os chamados territórios populares.
Em termos absolutos, a situação de Fortaleza merece ser ressaltada. Houve redução na representatividade da população da capital em relação ao total da RMF. De acordo com os novos dados, Fortaleza corresponde a pouco mais de 62,2% da população metropolitana; no penúltimo Censo representava 67,8% do total de habitantes.
Destaque para o fato de que apesar de ter diminuído a população absoluta em mais de 23 mil habitantes, a capital cearense passou a ser o quarto maior município brasileiro.
Fortaleza: a mais densa capital brasileira
Fortaleza se destaca no cenário nacional como a mais densa capital brasileira e o oitavo mais denso dentre os 5.570 municípios brasileiros, com 7.775,43 habitantes por quilômetro quadrado. Superam Fortaleza apenas alguns municípios conurbados às capitais: cinco de São Paulo (Taboão da Serra, Osasco, Diadema, Carapicuíba e São Caetano do Sul), São João do Meriti no Rio de Janeiro e Olinda, cidade vizinha à Recife.
Conforme os dados preliminares do Censo 2022, verifica-se que a macrocefalia de Fortaleza se expande para os municípios vizinhos. Do total de 184 municípios cearenses, apenas dezesseis superavam a densidade média de 123,5 hab./km², dos quais doze fazem parte da RMF, com destaque para os municípios de Maracanaú com 2.230,8 hab./km² e Eusébio com 941.0 hab./km². Exceção feita a Paracuru, os demais onze municípios revelavam a continuidade do crescimento urbano metropolitano, especialmente influenciado pelos eixos viários que interligam a capital aos espaços produtivos e pela transposição de população de Fortaleza para as cidades vizinhas.
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Na tentativa de explicar a taxa geométrica de crescimento demográfico negativa de Fortaleza, podem ser elencados alguns fatores: a excessiva valorização imobiliária cada vez mais induzindo o deslocamento de grupos de renda média alta para municípios com menores restrições à implantação de loteamentos fechados; a presença marcante da especulação imobiliária mediante a construção de novos edifícios verticais com apartamentos de grande porte atendendo aos setores de alta renda; a demolição de pequenos edifícios residenciais e o esvaziamento de bairros pericentrais; o maior controle das ocupações e o transbordamento da pobreza para os municípios periféricos, onde as possibilidades de formação de assentamentos precários são maiores.
Onde o crescimento demográfico foi mais intenso na RMF?
A análise dos municípios com as maiores taxas geométricas de crescimento anual aponta para o aumento da população em três municípios posicionados desde o eixo de expansão partindo de Fortaleza em direção ao sudeste. Itaitinga é o município com a maior taxa de crescimento, superando a marca de 5,4%. Tal crescimento pode ser associado aos diversos loteamentos populares implementados ao longo da BR-116.
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Eusébio, município limítrofe a Itaitinga em sua porção mais ao norte, também se destaca com taxa geométrica de crescimento anual acima de 4%. Contudo, o destino do incremento populacional corresponde aos loteamentos fechados voltados para famílias de renda média-alta. Por fim, Horizonte com taxa de crescimento da ordem de 2,56%, onde proliferam loteamentos populares nas periferias desordenadas, voltados para a população atraída pelas indústrias implantadas ao longo da mesma rodovia.
Na direção oeste da RMF, dois municípios se destacam por suas taxas de crescimento: São Gonçalo do Amarante com 1,84% e Paracuru com 1,51% com relação aos demais municípios. O maior dinamismo deve estar atrelado às proximidades do Complexo Industrial e Portuário do Pecém e à exploração de petróleo, respectivamente, como atestam os loteamentos nas bordas dos respectivos distritos sede.
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Outros dois municípios devem ser mencionados: Maracanaú e Caucaia, segundo e terceiro maiores Produtos Internos Brutos do Ceará. Ambos apresentam taxas de crescimento consideráveis, quase atingindo a 1,0%, ou seja o triplo da taxa do estado do Ceará (0,33%). Para além da conurbação mais intensiva, outras explicações para este crescimento diferenciado, podem ser apontadas: os efeitos das políticas estaduais indutoras de desenvolvimento econômico atraindo investimentos do setor produtivo se desdobrando em empreendimentos imobiliários; a implantação de condomínios e conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida para as diferentes faixas de renda; a formação de assentamentos urbanos precários, a partir de deslocamentos de grupos sociais de baixa renda tanto os intramunicipais como intermunicipais oriundos de Fortaleza. Grande parte destes novos assentamentos se formou em áreas ambientalmente vulneráveis nestes dois municípios, contribuindo com um padrão de crescimento urbano extremamente desordenado, onde a precariedade habitacional e as más condições de inserção urbana já tinham sido apontadas.
A totalização de domicílios vagos e a exacerbação da desigualdade
Ao analisar as informações até aqui disponibilizadas pelo Censo 2022, observa-se que os dados referentes aos domicílios permanentes desocupados evidenciam o agravamento do quadro de desigualdades nas cidades da RMF, assim como fornecem indícios para o crescimento desordenado.
No Ceará como um todo, verifica-se um total de 800.661 domicílios desocupados, correspondentes a quase 21% do total de domicílios permanentes. No caso dos números apresentados para a RMF, são 323.300 domicílios, representando mais de 40% dos imóveis sem residentes no estado. Levando em consideração o total de domicílios permanentes metropolitanos, são quase 20% nesta situação, ou seja, uma em cada cinco residências encontra-se sem uso. Um amplo universo de vazios construídos.
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Importante destacar que o total de domicílios permanentes desocupados se subdivide em duas categorias: os que se encontram verdadeiramente vagos e os que possuem uso ocasional, como as segundas residências, bastante comuns no litoral cearense, especialmente nos municípios mais próximos à capital. No caso da RMF, são 81.801 casas ou apartamentos de veraneio, utilizados nos finais de semana, e outros 241.499 imóveis residenciais desocupados.
Estes números ganham maior significado quando analisados segundo os municípios que compõem a RMF. No caso, há três municípios com mais de um terço dos domicílios desocupados, significando em termos relativos: Aquiraz (39,8%); Paracuru (35,7%) e São Gonçalo do Amarante (33,8%). Outros como Cascavel, Pindoretama, Caucaia, Paraipaba, São Luiz do Curu e Trairi, com percentuais próximos a 25%, também se destacam. Por outro lado, observa-se que 7 dos 19 municípios apresentam percentual de domicílios desocupados inferior ao do estado do Ceará (21%), dentre os quais: Eusébio, Fortaleza, Guaiúba, Horizonte, Maracanaú, Maranguape e Pacatuba.
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Diferenciados entre domicílios vagos e de uso ocasional, é possível explicar as diferenças a partir da localização dos municípios. No caso, os municípios litorâneos apresentam percentuais significativos de casas e apartamentos de veraneio em relação ao total de domicílios desocupados, dentre os quais Aquiraz (63,8%), Paracuru (53,5%), Cascavel (47%), Trairi (45,6%) e São Gonçalo do Amarante (45,5%). Por outro lado, além da capital, os municípios com maior presença do setor secundário apresentam os maiores percentuais de domicílios vagos em relação ao total de desocupados: Maracanaú (85,9%); Fortaleza (83,8%); Horizonte (83%) e Pacajús (81,5%). Todos eles superando o percentual do estado do Ceará que é de 73,4% do total de domicílios desocupados.
Aguardando a divulgação de novos dados
Apesar de restritos a um pequeno número de variáveis, os dados divulgados pelo IBGE referentes ao Censo 2022 para a Região Metropolitana de Fortaleza trazem à tona questões que evidenciam que o crescimento urbano tem ocorrido em condições desordenadas, sem que a dimensão regional seja considerada. Na ausência histórica de processos de planejamento urbano voltados para a RMF, verifica-se a conformação de eixos de expansão diretamente vinculados às atividades produtivas implementadas nos municípios periféricos, assim como a configuração de um sistema de centralidades que passam a comandar a estruturação da metrópole independente de estratégias e diretrizes de desenvolvimento territorial.
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Disto resulta um quadro de desequilíbrios e desigualdades socioespaciais perceptíveis que saltam aos olhos, mesmo que a partir de dados preliminares. A concentração demográfica cada vez maior no litoral e na RMF, a conurbação a partir da transposição da pobreza da capital para os municípios vizinhos desguarnecidos de controle no uso e ocupação do solo, da mesma forma que a expansão de loteamentos fechados para grupos sociais de renda média-alta para uma outra direção, onde a legislação urbanística é favorável a tais empreendimentos são alguns dos processos reveladores da urgente necessidade de processos de planejamento, arranjos institucionais e dispositivos normativos que se atenham à região metropolitana.
Além disso, a proliferação de inúmeros loteamentos populares nos municípios atravessados por eixos viários convergentes para a capital tem se colocado como alternativa de moradia para grupos de renda média-baixa, indicando tendências de adensamento nas bordas destas vias. Mais uma situação de crescimento desordenado em que os instrumentos ordenadores do uso do solo urbano não têm sido utilizados, prevalecendo os interesses do setor imobiliário.
Ademais, os números referentes aos domicílios desocupados frente ao total de domicílios permanentes, notadamente os domicílios de uso ocasional podem ser uma pequena amostra do acirramento de desigualdades na RMF.
Neste sentido, os próximos dados a serem divulgados pela IBGE trazem maiores expectativas, considerando as perspectivas de revelarem um possível acirramento das desigualdades na metrópole
*Renato Pequeno - Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles.
**Denise Elias - Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles.
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires