Cerrado é nome próprio de bioma e como tal se escreve com a letra inicial em maiúscula – é assim que define a norma padrão da língua portuguesa e também como define o Manual de Comunicação da Secom (Secretaria de Comunicação Social) do Senado Federal.
Há casos, é verdade, em que usar o termo com o ‘c’ em minúsculo está correto. No trabalho “Fitofisionomias do bioma Cerrado”, publicado pela Embrapa em 1998, os pesquisadores Ribeiro e Walter diferenciam três usos aceitos para o termo.
O primeiro é, como já dissemos, quando queremos nos referir ao bioma Cerrado. Os outros dois usos dizem respeito a formas savânicas e campestres do bioma e a tipos de vegetação. Nestes últimos dois casos, sim, o uso do termo se faz com a inicial minúscula.
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Mas a insistência, por parte da imprensa, na escrita do termo para se referir ao bioma de forma incorreta parece refletir a desimportância que é dada ao bioma de forma geral por quem pauta o debate público.
O Manual de Redação da Folha, a que tivemos acesso, edição de 1997, descreve apenas como Mata Atlântica deve ser escrita: assim, mata atlântica, com as iniciais em minúsculo. A palavra Cerrado sequer aparece no documento.
Já no Manual de Redação da revista piauí – publicação cuja grafia curiosamente se escreve com as iniciais minúsculas –, de 2022, a orientação para escrever nome dos biomas é simplesmente “escreva com maiúscula”. Assim, curto e direto.
Como lembra Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), no episódio “Cerrado com C maiúsculo”, do programa ISPN Comenta, já perdemos mais da metade da nossa savana brasileira. Veja o vídeo completo aqui.
Entre janeiro e abril de 2023, tivemos o maior desmatamento dos últimos cinco anos para o período, foram 2.133 km² de Cerrado destruídos, segundo o Deter/Inpe – o valor representa 14,5% mais do que o registrado no mesmo período do ano anterior (1.886 km²).
Neste mesmo momento, a Amazônia Legal registrou desmatamento de 288 km², também de acordo com o Inpe, o que representa uma queda em relação ao ano anterior, que registrou 1.026 km².
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A pesquisadora da UnB e presidente da Capes, Mercedes Bustamante, também alertou, em evento organizado pelo ISPN e pelo Fundo Casa Socioambiental, com apoio da Rede Comuá: “Sustentabilidade não é apenas uma opção, mas um imperativo para o Cerrado”.
De 2006 a 2019, lembra Mercedes, a mudança do uso do solo, antes dominado por vegetação nativas e hoje convertido em áreas de pastagens e monocultivos, resultou na redução da evapotranspiração anual em 10%, reduzindo também a umidade do ar.
Outro impacto desse desmatamento é o aumento da temperatura do bioma em 0,9ºC, segundo a pesquisa “Implicações do estresse térmico para a saúde da força de trabalho no Brasil”.
Para o ISPN, o Cerrado tem sido usado como bioma de sacrifício – isto é, enquanto todas as atenções são voltadas para a Amazônia, o desmatamento vaza para essa que ainda é a savana mais biodiversa do mundo – e que também é bastante desprotegida.
Esse cenário torna o desmatamento legal mais fácil e mais comum, já que apenas 20% a 35% das terras em propriedades privadas são protegidas, dependendo do estado, pela lei que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, conhecida como Código Florestal. Na Amazônia, esse percentual é de 80%.
Todos os biomas estão interligados e fechar os olhos para um ou outro significa risco generalizado para todos – além de que, todos os ecossistemas e formações vegetais são importantes de uma forma geral para a vida na terra.
Nessa briga de quem vai abocanhar o maior pedaço do nosso solo, da nossa terra e da nossa vegetação nativa, aqueles que mais contribuem com a conservação do Cerrado, por seus modos de vida, são os que mais se prejudicam.
São milhares de comunidades tradicionais, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos, pescadores artesanais, comunidades de fundo e fecho de pasto, entre outros, vivendo em territórios cerratenses de 11 estados brasileiros, além de mais de 80 povos originários em 95 terras indígenas.
Um dado recente do MapBiomas, que ilustra esse cenário, aponta que o território quilombola Kalunga, com cerca de 4 mil pessoas em 39 comunidades, que se espalha pelos municípios Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, no Cerrado do Goiás, conserva 83% da vegetação nativa do bioma.
Enquanto este texto é escrito, as temperaturas batem máximas históricas. A cidade de São Romão, no norte de Minas Gerais, por exemplo, registrou um recorde no país em 2023 na última quarta-feira, dia 27, com o termômetro batendo 43,5°C, e umidade do ar de 14%.
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São Paulo, 23 de setembro, 34,8ºC. Brasília, 24 de setembro, 36,7° C. Goiânia, 20 de setembro, 38,3ºC. Não é preciso se debruçar tanto sobre os dados para concluir que as mudanças climáticas já são realidade.
Conservar e restaurar o Cerrado, acabar com o desmatamento legal e ilegal neste e nos demais biomas, apoiar iniciativas indígenas, de povos e comunidades tradicionais e de agricultura familiar é tarefa urgente para esta década.
Do Governo Federal, vamos exigir a implementação efetiva do PPCerrado, um plano de ação que tem como objetivo a redução contínua da taxa do desmatamento e da degradação florestal, bem como da incidência de queimadas e incêndios.
O plano, lançado em 2010, foi abandonado pelo governo Jair Bolsonaro e agora está sendo retomado em uma 4ª fase de execução, com consulta pública aberta para recolher sugestões da sociedade civil, dos Estados e dos municípios, até 13 de outubro.
Entendemos que é necessário o mapeamento e a destinação de terras públicas para que se tornem Unidades de Conservação, Terras Indígenas e territórios de povos e comunidades tradicionais, freando assim a apropriação indevida de terras públicas.
É um debate que não dá mais para postergar. O mês do Cerrado chegou ao fim, mas nossa atenção deve permanecer em alerta. Como a inicial do nome do bioma, nossa vigilância deve permanecer maiúscula.
*Camila Araujo é jornalista.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva