Coluna

Censo 2022 revela adensamento periférico e população quilombola na Região Metropolitana da Baixada Santista

Porto de Santos abrange as cidades de Santos, Guarujá/Vicente de Carvalho e São Vicente - Divulgação/Portal Governo Brasil
Região compreende nove cidades de diversas dimensões e constituídas em tempos históricos distintos

Por Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz* 
Sonia Regina Nozabielli**
Pedro Henrique Mendes Fernandes***

Em junho deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os primeiros resultados do Censo 2022. A 13ª edição do principal levantamento socioeconômico do país estava prevista para acontecer em 2020 e quase não saiu do papel em razão de duros cortes no orçamento do IBGE, do adiamento da sua realização e da pandemia de Covid-19. Em meio a um campo de disputas políticas e econômicas, o Censo só se tornou realidade após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a obrigatoriedade de sua realização e a necessária recomposição do orçamento. Essa história precisa ser relembrada para evidenciar o campo de interesses e controvérsias em torno do Censo e de sua finalidade de mapear a realidade sociodemográfica brasileira e, também destacar a sua importância no âmbito da produção e gestão de informação que interessa ao Estado e a sociedade.

:: Região Metropolitana de Aracaju cresceu 11% em 12 anos, segundo o Censo 2022 ::

Essa primeira etapa de divulgação de resultados traz números da população do país, de estados e municípios, demonstra que em relação ao último Censo de 2010, a população brasileira aumentou 6,5%, mas encolheu em várias capitais e municípios. Alguns destaques dessas primeiras informações na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) iluminam possibilidades de análises do Censo.

A RMBS compreende nove municípios de diferentes dimensões e constituídos em tempos históricos diversos, nos quais o Censo 2022 identificou 1.805.451 habitantes.  Sob a perspectiva dos grandes números, a população recenseada se traduziu em um aumento de 8,5% em relação a 2010, quando haviam 1.664.136 pessoas vivendo na região. Todavia, somente o tamanho populacional não responde às expectativas para uma compreensão da complexidade que a dinâmica das cidades na RMBS apresenta. Entender como a população se distribui, analisar os dados dos municípios a partir de sua inserção na região metropolitana, contextualizar os impactos democráticos da pandemia de Covid-19 na redução de nascimentos e no número de óbitos são aspectos fundamentais a serem considerados no desenho do planejamento e organização das cidades.

A RMBS faz parte da Região Sudeste do Brasil, identificada pelo Censo 2022 como a mais populosa do país, com 84,8 milhões de pessoas ou 41,8% do total de habitantes do país (203.062.512), cuja taxa média geométrica de crescimento anual foi de 0,52, um índice menor de crescimento à semelhança da taxa média geométrica de crescimento anual da população residente no Sudeste que apresentou uma variação menor do que em 2010, ou seja, uma variação de 1,05 para 0,45.

:: Censo 2022: tendências e desafios para a Região Metropolitana de Porto Alegre ::

Situada entre a Serra do Mar de um lado e a costa atlântica do outro, os municípios da RMBS reúnem vocações muito diversas, como o complexo portuário e industrial do Porto de Santos, que abrange as cidades de Santos, Guarujá/Vicente de Carvalho e São Vicente. Ou como o polo petroquímico de Cubatão (única cidade da região que não está na costa atlântica), além das cidades de Bertioga, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, com seu turismo balneário, suas reservas ambientais e áreas de proteção permanente. 
É uma área marcada por uma intensa expansão da mancha urbana, cuja conurbação é refletida nas formas interdependentes estabelecidas nas relações de produção e reprodução sociais que não são barreiras para o fluxo de pessoas que transitam e circulam entre os municípios em busca de trabalho e estudo.

Estudos realizados informam uma urbanização precoce da RMBS, em relação às outras regiões metropolitanas, devido à presença do Porto de Santos e do polo petroquímico de Cubatão. Além disso, a ligação com a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), estabelecida a partir da rede viária e de transporte composta pelo Sistema Anchieta-Imigrantes, contribuiu para consolidar o crescimento urbano, alterando o perfil socioeconômico e redefinindo o cenário da Baixada Santista. À título de exemplo, dados do IBGE de 2000 informam que a RMBS apresentava 99,6% de urbanização, contra 95,8% da RMSP. 

:: Salvador em transformação: a dinâmica populacional recente da região metropolitana no Censo 2022 ::


Região Metropolitana da Baixada Santista / Observatório das Metrópoles – Núcleo Baixada Santista


Cidades da RMBS reúnem vocações muito diversas, como o complexo portuário e industrial do Porto de Santos, além de turismo balneário / Iso Sendacz

Na RMBS, Santos é o município polo, cujo espaço urbano é quase integralmente ocupado por uma população que se mantém estagnada. Considerada uma das cidades mais verticalizadas do país, com 61,1% dos domicílios em apartamentos construídos na sua maioria na linha da praia, a taxa anual de crescimento de Santos foi de 0,11% entre 1980 e 1991, de 0,01% entre 1991 e 2000, 0,4% entre 2000 e 2010, e os números aferidos pelo Censo 2022 vão mostrar um crescimento negativo (-792, em relação a variação da população residente em 2010).

Mas os dados também apontam para um deslocamento populacional significativo em termos do crescimento das outras cidades da região. Santos, São Vicente, Cubatão e Guarujá apresentam uma variação negativa em termos da população residente informada pelo Censo 2010 em comparação a 2022, com destaque para Cubatão, que apresenta uma variação negativa maior. Cubatão está entre os municípios com mais de 100 mil habitantes que apresentam as menores taxas médias geométricas de crescimento anual da população residente (-0,45%). Por sua vez, cidades como Praia Grande, Itanhaém, Bertioga e Mongaguá tiveram um crescimento populacional significativo pelo Censo 2022. Esse crescimento refletiu no redirecionamento populacional em direção às cidades mais periféricas da região, principalmente Praia Grande, que apresentou um adensamento de 2.338,32 habitantes/km² em uma área de 150km².

Em outras palavras, os números vão apontar para um ritmo de crescimento menos acelerado nos municípios centrais e um adensamento maior nos municípios periféricos. Algumas interpretações podem ser desenhadas, ao se observar o valor da terra e os preços dos imóveis e especulação imobiliária nas cidades que compõem o polo principal da região, além de o fato que a ocupação e uso do solo urbano é um processo vivo, cuja modificação gradual reflete o comportamento demográfico e interesses diversos da população.

:: Dinâmicas demográficas e imobiliárias: os primeiros dados do Censo 2022 para a Região Metropolitana de Natal ::


Dados sobre os municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista, segundo o Censo 2022 / IBGE 2023

Observa-se que a Tabela 2 complementa as informações anteriores ao mostrar o número significativo de domicílios de uso ocasional na maioria das cidades da região, com exceção de Cubatão, Santos e São Vicente. Trata-se de uma dinâmica que merece ser analisada a partir dos impactos significativos provocados nas cidades, nos aspectos ambientais, sociais e na infraestrutura como saneamento, transporte e equipamentos urbanos. Além disso, cabe ressaltar que, na Baixada Santista, existem muitos imóveis de veraneio, em razão do perfil turístico dos municípios.

:: Salvador em transformação: a dinâmica populacional recente da região metropolitana no Censo 2022 ::


Dados sobre domicílios das cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista, segundo o Censo 2022 / IBGE 2023

O novo levantamento censitário introduziu uma mudança metodológica no modo de contagem da população indígena, passou a contar com a participação de lideranças das comunidades no processo de coleta de dados e dirigiu a pergunta “Você se considera indígena?” para localidades que não são oficialmente reconhecidas como terras indígenas, mas se sabe que há povos originários. Assim, o Censo 2022 contabilizou 1.693.535 indígenas no Brasil, ou 0,83% da população total. Os números mostram um crescimento em relação a 2010, quando o IBGE contou 896.917 indígenas ou 0,47% do total da população no país. Mas, é preciso ter cautela nessa comparação direta com o Censo 2010, pois a mudança na pergunta pode limitar a análise do aumento da população indígena em decorrência da alteração na metodologia. A Tabela 3 mostra a população indígena da RMBS.

Na RMBS, foi criado o Posto Indígena de Peruíbe, que se tornou referência histórica para os indígenas da região, no movimento de reterritorialização de antigos aldeamentos como o Terra Indígena Piaçaguera, referente ao aldeamento São João Batista (nos municípios de Itanhaém e Peruíbe). Como primeiras informações, todos os municípios da região apresentam dados sobre a população indígena, com destaque para os maiores números absolutos nos municípios de Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe.

:: Dinâmicas demográficas e imobiliárias: os primeiros dados do Censo 2022 para a Região Metropolitana de Natal ::


População indígena das cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista, segundo o Censo 2022 / IBGE 2023/Panorama Censo2022

Após 150 anos de história da pesquisa censitária, as pessoas quilombolas foram incluídas no Censo 2022. Pela primeira vez temos dados desse grupo populacional cujos primeiros resultados apontam que o Brasil tem mais de 1,3 milhão de quilombolas e menos de 5% dessas pessoas vivem em territórios demarcados. Na RMBS, 4 municípios têm população quilombola, sendo 67 em Guarujá, 2 em Itanhaém, 24 em Mongaguá e 19 em Santos.

Esses elementos contribuem para a construção analítica e crítica do retrato demográfico, geográfico, socioeconômico, ambiental e cultural do país, e na particularidade da RMBS. Os números iniciais do Censo 2022 anunciam um campo fecundo de debates sobre a realidade sociodemográfica em diferentes escalas (dos grandes e pequenos números), acirram disputas no pacto federativo tributário pela repartição de recursos entre estados e municípios, disparam perguntas e problematizações sobre as condições de vida da população brasileira e apontam hipóteses, tendências e caminhos para a formulação e monitoramento das políticas públicas no país.

 

*Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz é docente da Universidade Federal de São Paulo, curso de Serviço Social e pesquisadora do Núcleo Baixada Santista do Observatório das Metrópoles.

**Sonia Regina Nozabielli é docente da Universidade Federal de São Paulo, curso de Serviço Social e pesquisadora do Núcleo Baixada Santista do Observatório das Metrópoles.

***Pedro Henrique Mendes Fernandes é educador de Geografia e pesquisador do Núcleo Baixada Santista do Observatório das metrópoles.

****Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas