Espera-se uma decisão que respeite a convivência bicentenária da comunidade com o Jardim Botânico
Por Julio José Araujo Junior*
Fernanda Maria da Costa Vieira**
Francisco Trope da Silva Porto***
Mariana Trotta Dallalana Quintans****
Durante a pandemia de covid-19, milhares de famílias foram ameaçadas ou sofreram remoções forçadas. Diante desse cenário, a mobilização da Campanha Despejo Zero na ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) foi muito importante para que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinasse a suspensão de despejos de áreas ocupadas por quatro vezes. Na quinta oportunidade, em 31 de outubro de 2022, o Supremo condicionou a retomada dos processos de remoção à criação pelos tribunais do país de comissões de conflitos fundiários e a realização de audiências de mediação e visitas às áreas de conflito.
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Em junho deste ano, para implementar a decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 510 para regulamentar a criação de comissões nos tribunais. No caso do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça deixou de implementar a sua comissão, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) seguiu à risca os termos da resolução.
E mais: o TRF-2 não só criou a Comissão de Solução Fundiária (CSF), como também já a regulamentou e deu início aos trabalhos. O funcionamento da comissão pressupõe dois momentos: o primeiro corresponde à análise de admissibilidade do caso. Nessa etapa, há uma certa formalidade na deliberação, que se assemelha a uma sessão de julgamento do tribunal, mas, nesse caso, é mais importante porque garantirá que, a partir desse aceite da Comissão, um outro tipo de tratamento, mais dialógico e atento à complexidade de atores e questões envolvidas, será adotado.
O segundo momento de atuação da comissão consiste na articulação com os entes envolvidos e com a sociedade civil para pensar uma solução singular para cada caso. Nessa etapa, o que se objetiva não é necessariamente cumprir uma decisão de reintegração, mas sim alcançar a melhor forma de atendimento do interesse público. Ao colocar os interesses e direitos fundamentais em pé de igualdade e oferecer sensibilidade nas tratativas com os diversos entes responsáveis pelas políticas públicas, o tribunal dá um grande passo na construção de soluções justas e fundamentadas, nos termos do artigo 8º da Resolução 510/2023 do CNJ. Isso traz grande esperança para a efetivação do direito à terra e à moradia.
Comunidade do Horto
A Comissão do TRF-2 já admitiu casos relativos a conflitos fundiários urbanos, rurais e quilombolas. Um caso emblemático é o da Comunidade do Horto, comunidade tradicional da zona sul da cidade com origens no início do século 19. O território é histórico e fundamental para a reprodução física, social, econômica e cultural da comunidade. Até a admissão do caso na comissão do TRF-2, a realidade da comunidade era apreciada em ações individuais possessórias movidas pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico, com argumentos baseados unicamente na titularidade pública da área e na defesa genérica do meio ambiente.
Com a entrada do caso na comissão, espera-se que as condições para uma decisão que respeite a convivência bicentenária da comunidade com o Jardim Botânico, de forma sustentável, sejam finalmente estabelecidas. O esforço da comissão vem a corroborar o entendimento de vários órgãos, que apostam na conciliação e na permanência da comunidade, com o estabelecimento de regras de convivência com o Jardim Botânico e diretrizes socioambientais para o futuro.
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A expectativa é que, de fato, a Comissão contribua na resolução desse conflito que já perdura há mais de 40 anos, propiciando o diálogo entre os órgãos públicos e a comunidade para que ocorra a tão esperada regularização fundiária com a permanência das famílias no território, assegurando o direito à moradia adequada e a preservação ambiental para a atual e para as futuras gerações de moradores do Horto. A frase “Horto fica” está se tornando uma realidade, e o Judiciário pode contribuir para a sua concretização.
*Julio José Araujo Junior é procurador da República no Estado do Rio de Janeiro, procurador regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutorando pelo mesmo programa.
**Fernanda Maria da Costa Vieira é advogada popular, professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), co-coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luíza Mahin da UFRJ e pesquisadora do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS)
***Francisco Trope da Silva Porto é graduando em Direito e extensionista do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luíza Mahin da UFRJ e pesquisador do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS)
****Mariana Trotta Dallalana Quintans é advogada popular, professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), co-coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luíza Mahin da UFRJ e e pesquisadora do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS)
*****As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas