Em 5 anos, a Justiça brasileira retirou 40 empregadores da lista suja do trabalho escravo, seja por meio de liminar ou sentença. A 'lista suja' existe desde 2003 e é atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Uma pessoa ou empresa passa a fazer parte do cadastro após a conclusão do processo administrativo que julgou se o crime foi cometido.
O levantamento inédito consta no artigo A face oculta da lista suja do trabalho escravo, publicado na última semana, e que reuniu os argumentos utilizados pelos magistrados para encobrir casos de trabalho escravo no país entre março de 2017 e abril de 2022.
“É uma elite branca, normalmente machista e racista. E que não acredita na existência ainda hoje, dessas condições degradantes de trabalho ou que acredita na máxima de que se essa pessoa está ali, ela está ali porque quer. Ela poderia ter fugido. Ela poderia ter saído”, pontua Lívia Miraglia Presidente da Comissão de Combate ao Trabalho Escravo (OAB-MG) e autora do artigo.
No período analisado pelos pesquisadores, foram 427 nomes inseridos na lista suja. Ao todo, foram 15 justificativas usadas nas decisões judiciais para a retirada dos nomes dos empregadores. Em 10% dos casos, o argumento do Judiciário foi o de que não existiria trabalho escravo.
“Para quem está há mais de 10 anos trabalhando no combate ao trabalho escravo ver isso sendo escrito pelo Judiciário é algo de realmente de arrepiar. Saber que há pessoas com esse entendimento, tão desconectado da realidade”, opina Maurício Krepsky Fagundes, auditor fiscal do trabalho e também autor da publicação.
“O Judiciário só deveria servir para evitar um erro. Ele não deveria ficar entrando no mérito de achar que é ou não trabalho escravo, porque a entrada na lista suja é um ato, uma consequência de um procedimento do Ministério do Trabalho e Emprego, do Poder Executivo. Então o Judiciário estaria ali só para analisar algum vício de ilegalidade ou alguma nulidade”, completa Miraglia, que também é professora de Direito ao Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A "lista suja" ficou suspensa por três anos até o Supremo Tribunal Federal reafirmar, em 2017, a constitucionalidade da publicação. Hoje, ela é considerada uma referência no combate a esse crime pela Organização Internacional do Trabalho.
As fiscalizações são feitas por auditores fiscais do Trabalho, com a participação da Defensoria Pública da União (DPU), dos ministérios públicos Federal (MPF) e do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF), além de outras forças policiais.
“A lista suja foi criada como uma ferramenta para que o próprio governo não direcionasse recursos ou financiamentos do orçamento público para empresas que tinham conexão com trabalho escravo, com violações aos direitos humanos na área trabalhista. E isso em razão da credibilidade do trabalho que foi desenvolvido e da credibilidade da própria lista suja. Isso tomou proporções de controle social bem mais amplo. Inclusive os bancos privados passaram a usar a lista suja como indicador de risco da própria concessão de crédito e também internacionalmente”, pontua o auditor fiscal do trabalho.
O artigo, no entanto, aponta que um dos principais argumentos utilizados pelos magistrados para a retirada dos empregadores da lista suja, no caso 43% deles, é justamente a proibição de os exploradores receberem financiamentos públicos se entrarem na lista.
“As empresas, depois de serem flagradas com trabalho escravo, vão se socorrer, buscar um auxílio do Judiciário. No judiciário eles vão querer tentar reverter isso, encontrar uma pessoa que pense como eles, dizer que é melhor que a empresa continue com essas atividades, não seja inserida na lista suja, porque ela vai ter restrição ao crédito e tentar passar pano para aquela situação que realmente ocorreu”, avalia Krepsky.
“A existência da lista suja ela também evita que setores econômicos inteiros sejam prejudicados nas suas relações comerciais”, finaliza.
Edição: Rodrigo Durão Coelho