O trabalho de catalogação do audiovisual nacional que esses streamings estão fazendo é histórico
O Ministério da Cultura e a Secretaria do Audiovisual já definiram como pauta prioritária a regulamentação do Vídeo por Demanda no Brasil. A categoria inclui serviços em que os usuários não dependem de uma programação fixa para assistir aos conteúdos, como no caso das plataformas de streaming.
Assim como acontece com as salas de cinema, esse meio também é dominado pela presença de obras estrangeiras. Líderes em assinaturas no Brasil, as empresas Amazon e Netflix, por exemplo, oferecem no catálogo apenas 6% de conteúdos nacionais. É o que revela um relatório da Ancine publicado no ano passado.
“E esse conteúdo presente também não tem muito prestígio na grade, no catálogo. Não é que ele fica lá em destaque para que as pessoas, os usuários e usuárias brasileiros encontrem”, complementa Vito Ribeiro, da plataforma independente de documentários Bombizila.
Na contramão das grandes empresas, iniciativas independentes criaram plataformas de streaming brasileiras. Nelas, cerca de 91% dos conteúdos são nacionais. Além disso, o valor cobrado por assinatura é 70% mais baixo que o dos grandes streamings. Em alguns casos, o conteúdo é ofertado gratuitamente.
Thais Scabio, da plataforma Todesplay, iniciativa da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro, destaca a importância do trabalho realizado pelos streamings independentes. "O trabalho de catalogação do audiovisual nacional que esses streamings estão fazendo é histórico, assim, nunca existiu”.
“Eu acho fundamental a gente ter essas plataformas mais focadas em recortes curatoriais, que contemplem a produção dessas populações invisibilizadas, indígena, né?”, acrescenta afirma Zienhe Castro, da plataforma AmazoniaFlix, fruto do processo de pesquisa e curadoria do Festival Panamazônico de Cinema.
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Ainda de acordo com Castro “é necessário ter esse olhar cuidadoso, atento, né? E que nós estejamos no debate político”.
Na mesma linha, Vito Ribeiro afirma que se trata de um trabalho que ele chama de reparação. “É um trabalho de dizer, olha existem essas vozes, existem todas essas realizadoras e realizadores independentes, que às vezes, nos rincões do nosso país, não conseguem acessar edital algum para a produção. E fazem seus filmes na raça, no compromisso político de ter a câmera e precisar contar uma história. Muitas vezes denunciando violações de direitos, crimes ambientais, é ou não é?”
Para Ribeiro, uma das primeiras necessidades é o olhar dos órgãos competentes sobre o compromisso com um audiovisual popular. Em novembro de 2020, as plataformas brasileiras independentes se uniram em um Fórum, com o objetivo de organizar e levar suas demandas ao poder público. Uma das principais é a dificuldade financeira para manutenção das plataformas, que arrecadam muito menos do que precisam.
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Diante da ausência dessas plataformas no panorama levantado pela Ancine, e preocupados em ficar de fora do processo de regulamentação, o Fórum desenvolveu um relatório próprio, lançado em junho deste ano.
Rafael Ferreira é um dos idealizadores da Todesplay. Ele reforça o coro pela inclusão das plataformas independentes na regulamentação.“A gente tem toda uma pesquisa mostrando o nosso impacto, né? Mas só que isso não tá chegando aonde tem que chegar. Para essa discussão dessa regulamentação. Então tem coisas da regulamentação que podem inviabilizar totalmente a nossa existência”, diz.
Thais Scabio lembra que muitos filmes no Brasil são feitos sem verba pública. Logo, essas produções também estariam de fora dentro desses streamings públicos. “Então a gente também tá fazendo um trabalho de memória, de política pública e de patrimônio histórico para o governo. E a gente acha muito justo e necessário uma parte do Condecine vir para manutenção e preservação desses streamings”, ressalta a integrante da a plataforma Todesplay.
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O Condecine é um tributo sobre as empresas cinematográficas, utilizado para fomentar a produção nacional de cinema. Atualmente, as plataformas de streaming são o único meio de distribuição do ramo audiovisual que não contribuem. Além da Cota de Tela, essa é uma das reivindicações incluídas no Projeto de Lei 8889/17 que tramita no Congresso Nacional, na tentativa de regulamentar o segmento, via legislativo.
Aisamaque de Souza é idealizador do Mão Tagarelas, que coordena a Handsplay, primeira plataforma de streaming dedicada a pessoas surdas. Ele aponta para outro desafio: a acessibilidade nas obras audiovisuais brasileiras.
“A acessibilidade, ela foi deixada de lado. Por que? Porque os produtores não tinham recursos para financiar acessibilidade, né? Muitos deles não tinham, os produtores independentes, né?”, afirma.
Hoje, existem mais de 10 milhões de pessoas surdas no Brasil, segundo o IBGE. Mesmo assim, a Língua Brasileira de Sinais, que é tão utilizada por esta população, continua ausente das grandes plataformas.
“O poder público tem uma responsabilidade imensa em reparar isso. Não só reparar a questão da acessibilidade, mas também na questão cultural, que durante muito tempo ficou no limbo social brasileiro”, complementa Souza.
Edição: Thalita Pires